Coleção pessoal de douglasduarte
A angústia surge quando a pessoa desliga-se da sua própria existência. É uma espécie de alienação do eu. Não há outro caminho para lidar com a angústia, senão através do autoconhecimento.
Sei muito sobre mim, mas não o suficiente. Confesso que ainda tento me enganar com desculpas que nem os outros acreditam.
Seria incrível se pudéssemos mudar um ciclo como o da vida. Pra mim já é maçante a ideia de nascer, crescer, reproduzir e morrer. Na prática não é tão simples assim, os intervalos entre esses momentos são assustadoramente complexos. Algo que me sufoca, além de me deixar com uma sensação de incapacidade, é ouvir que a vida é breve. Mas é fato, então vamos simplificar - sugiro tornarmo-nos ainda mais limitados. Já que não se pode ter mais de uma vida, vamos dividir os dias em vidas. O sol me inspira a fazer isso. Vou dar-me a chance de nascer, crescer, brilhar, diminuir e morrer todos os dias. Se assim fizer, a pureza e a inocência sempre me acompanharão. Se assim fizer, descobrirei coisas novas todos os dias. Se assim fizer, serei sempre o melhor, o maior. Se assim fizer, nunca deixarei de notar o brilho dos outros. Se assim fizer, colocarei todos os dias, a sete palmos da terra, as coisas que não me fazem bem. Nunca vi o sol “triste” por ter morrido no dia anterior. Às vezes ele até se esconde atrás das nuvens, mas está sempre lá, vivo um dia após ter morrido. Nunca percebi a soberba do sol por estar acima de todos – talvez porque ele já tenha experimentado estar por baixo. E ele não permite que essa “instabilidade” atrapalhe o seu brilho-de-cada-dia. Parece que temos muito que aprender com o sol.
Casa de vó
Não é possível. Ainda não acredito que me peguei pensando em desistir das coisas. Aos 18 anos. A tecnologia tem me assustado tanto, os valores mudaram de tal forma, que me peguei pensando em desistir. Mas acordei. Esse quadro mudou. Bastou um minuto em silêncio, a sós com Deus, na casa da minha avó para tudo mudar.
O período sombrio passou, mas dele sobraram sequelas. A indiferença é uma delas. Quase nada me assustava, muito menos me encantava. Mas naquele mesmo minuto de silêncio, esse quadro também mudou.
Sei que a minha vida é controlada por Deus, mas as coisas que faço enquanto vivo sou eu quem controla. Então me analisei dos pés, a cabeça. Vi que precisava de um banho para tirar a sujeira que eu não enxergava enquanto vivia na sombra. Vi também que joguei fora algumas coisas que ainda me eram úteis. Mas dos problemas, o menor. Consegui recuperar algumas dessas coisas, outras não, mas já nem importa.
Naquele mesmo minuto, consegui estraçalhar uma muralha que estava entre o meu olhar, e as coisas que realmente são incríveis. Quando ela foi ao chão, consegui observar coisas velhas, de maneira nova e nobre. Perdi as contas de quanto tempo fiquei com os olhos vendados, sem enxergar as preciosidades que me cercavam quando ia à casa da minha avó.
Estou deslumbrado! É como se eu olhasse na janela, e enxergasse coisas que só são possíveis enxergar da janela da frente da casa da minha avó. Daqui de dentro, tudo parece mais puro, como se eu tivesse voltado no tempo onde as pessoas eram cúmplices umas das outras. Voltado à época, onde a felicidade estava nas menores coisas, e a riqueza, nas coisas mais simples. Quando chego aqui e sinto esse cheiro suave de calmaria e tranqüilidade, que se misturam ao das flores, arranco de mim a ansiedade e me permito observar tudo, cada detalhe, cada objeto que guarde em si histórias de uma vida. Engraçado essa sensação de paz, se eu fosse místico, diria que ao redor daqui existe um campo iluminado de proteção e boas vibrações.
Parece que aqui, na parede direita da cozinha, lá no cantinho, ficam penduradas todas as chaves que eu procurei a vida inteira para abrir os cofres onde estão guardadas as respostas dos meus maiores conflitos.
É incrível como o amor pode ser expresso de inúmeras formas. Consigo enxergar o amor até no alimento posto à mesa. Posso ouvir uma música que fala de amor só de olhar "praquele radinho" antigo no aparador da sala de jantar. E as fotos... Ao olhar as fotos, naquela parede de madeira envernizada, me tele-transporto para um lugar absurdamente lindo, que nem sei o nome. Na verdade, fisicamente ele não existe. Existia na minha mente, antes de descobrir o quanto é difícil ser gente grande.
Até fiquei tonto. Quanta coisa em apenas um minuto. Não sei se naquele minuto o tempo congelou, ou se horas se passaram e eu ainda não voltei para o lugar chamado realidade.