Coleção pessoal de denair

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⁠ÂNSIA DE VOAR
As andorinhas
Cortam o céu
Com suas caudas
De tesoura.
Eu observo,
Aqui embaixo,
Numa ânsia de voar
Para fora de mim.

⁠FORMIGUINHA

"Labuta
Labuta
Um pé passa
E amassa-a."

⁠CHEIRO DE BOLO
Cheiro de bolo
É cheiro de casa cheia.
Cheiro de bolo
É cheiro de alegria.
Cheiro de bolo
É cheiro de companhia.
Cheiro de bolo
É de iguaria.
Conforme se diz,
É cheiro de gente feliz!

⁠ÀS VEZES
Às vezes vejo vultos,
Ouço vozes e músicas,
Do nada.
Pareço estar assombrada.
Então uma tristeza
Me aperta o coração.
As lágrimas brotam
Como abóboras no verão.
Uma saudade
Não sei do quê,
Talvez do passado,
Ou será de você?

⁠ARROZ DOCE
A tarde se derrama
Sem graça, sombria.
É final de maio e
O inverno enfia sua cara
Encardida para fora.
Aqui dentro, meu coração
Badala saudades,
Anseia novidades.
Mozart, Chopin e Bach
Encharcam a sala de melodias.
Como nada de mais acontece,
Acarinho os pelos do gato
E ensaio cozinhar
Arroz doce.

⁠VENTO

Como é bom
O vento da lagoa.
Dança nas águas,
Balança os barquinhos,
Toca os cata-ventos.
Desgrenha meus cabelos,
Levando embora
Aborrecimentos.

A carne se cozinha na panela.
Na chaleira, água em ebulição.
Dilui-se o meu tempo,
Entre a louça lavada e o ralo da pia.
Evapora-se a inspiração!
Meus textos não dão mais cria.
Útero seco, memória fraca.
Vão-se os dias.

TUAS MÃOS

Tuas mãos lavam pratos,
Torcem panos, limpam o chão.
Estendem e passam roupas;
Escovam chinelos, sandálias, sapatos;
Arrumam canos, tiram o pó.
Mexem panelas, temperam comidas,
Batem bolo, amassam pão.
Preparam almoço e jantar.

Cavam a terra, regam plantas!
Cansadas, abrem livros, viram páginas.
Tentam se distrair...
Tocam o corpo no banho,
Em exame de rotina.
Diante do espelho,
Ajeitam o cabelo, passam batom.
Pousam na testa do filho,
Tirando a febre.

Excitam o parceiro que pede afago.
Sem joias e adereços,
Bem alto, sobre a cabeça,
Seguram as velas na procissão.
Juntam-se e elevam em oração.
Tuas mãos humildes e humanas,
Macias ou calejadas,
São a tua salvação.

Tempo fechado
Frio, umidade, lenha no fogo.
Inverno anunciado.

EGO

O sol nasce para todos,
Especialmente
Na minha janela.

S E C A

Um vento fraco e morno
Balança o limoeiro do quintal.
Da terra árida sobe um bafo infernal.
Os raios do sol parecem fios de óleo quente
Escorrendo testa abaixo.
As folhas de couve, murchas;
O espinafre, seco.
Sob esta ínfima sombra que resta, leio.
E as palavras derretem de calor.

RELIGIÃO

No Parque da Redenção
Me re-ligo com o Criador
Pratico a religião.

"Fito-me no espelho
E procuro desesperadamente
Um ser solitário e conflituoso,
Que se perdeu de mim:
A poeta."

PRIMAVERA

Lá fora
Tudo aflora.
Brotos, folhas... jasmins!
Quero esta primavera
Aqui dentro de mim."

'Gata singela
Carente e banguela.
Levanta a patinha
Pedindo carinho,
Me olhando mansinho
Com remela amarela."

MISTÉRIOS

Quando desvelar
Teu ultimo mistério
Vou te encontrar?

ESQUINAS

Cão e mendigo
Deitados na esquina
Olho. Que fazer!...?

"Vou contar uma historinha
Da Hipotenusa Charmosa
Que tinha uma congruência
Com o Triângulo Barbosa.

Mas como na matemática
Quase nada é perfeito,
Surgiu nesta relação
Um terceiro elemento.

Um monômio aventureiro
Dividiu esta adição,
Subtraindo a confiança
Que havia na relação.

E nesta equação amorosa
Quem mais perdeu nota
Foi a Hipotenusa Charmosa,
Que ficou solteira e sozinha
Num plano cartesiano qualquer."

Passatempo

Sentado ao meu lado,
No coletivo lotado,
Um estranho,
Nariz na leitura colado.
Otimização do tempo!
Invejo.
O estômago frágil
Não me permite
Este advento.
No trajeto, divago.
Pensamentos vagabos.
Fim da linha e
Nenhum aproveitamento.

"Meio feio
Meio nobre
Meio belo
Meio pobre
Meio doutor
Meio padeiro
É o fim da meada
Entender as coisas pela metade
E ficar no meio do nada."