Coleção pessoal de demetriosena
CONSCIÊNCIA PRETA E PARDA
Demétrio Sena - Magé
Minha terra tem dores e gemidos
que não cessam; ecoam no meu ser;
meus ouvidos perguntam até quando
vai doer a presença do passado...
A ferida simula cicatriz,
mas a casca não dura sobre a pele
do país que a cutuca; não perdoa
o silêncio rompido à luz dos tempos...
Despertamos a nossa consciência;
não há mais paciência pro racismo
declarado, sutil nem distorcido...
Seja meu e de todos meu país,
filial de matriz da qual se orgulham
filhos pretos e pardos da esperança...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
PLANETA FARSA
Demétrio Sena - Magé
Somos rasos com tal profundidade
que nem dá pra medir o quanto somos;
cromossomos da farsa universal
na qual somos o centro do existir...
Tão intensos e mesmo assim tão fúteis;
temos tal pretensão de sermos tanto,
porém somos inúteis importantes
para quanto não temos importância...
A coragem que temos é por medo;
nossa paz é a fábrica da guerra
no segredo que a hipocrisia grita...
Nós estamos na vida o que não somos,
pois perdemos a nossa identidade;
somos uma verdade mentirosa...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
PERDAS E DANOS
Demétrio Sena - Magé
É pra não lhe ferir que me preservo
desde quando senti que sou capaz,
pelo quanto acumulo em frustrações
onde jaz o meu sonho mais bonito...
Hoje a minha poesia é o epitáfio
desse amor que viveu de acreditar,
mas também de morrer por tanto tempo
a gritar um silêncio no deserto...
Adiei tantas vezes os meus olhos
para todos os tons dos meus enganos,
minhas perdas e danos afetivos...
Nem por isso eu desejo lhe ferir,
sei até preferir comprar a culpa
e lhe dar esse alívio terminal...
... ... ...
PARQUE DAS FLORES
Demétrio Sena - Magé
Vejo Parque das Flores perder seus recantos
pro cimento; pro piche que produz asfalto;
densos mantos de cinza vão cobrindo as matas
que ressecam nos montes; nas várzeas daqui...
E perder seus idosos mais simples e sábios;
os terreiros de umbanda que ainda resistem;
alfarrábios do tempo que as crenças tiranas
hoje tiram da estante pra matar matrizes...
Quando Parque das Flores não tiver mais flores,
os odores do mato e dos poros do chão
nem os olhos sinceros do povo nativo...
... perderei todo encanto, que desde criança
preservei como herança de afeto agregado;
um passado que sempre seria presente...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
"RITA"
Demétrio Sena - Magé
Você faz do meu sonho seu parque ou salão;
se diverte a valer, logo após me abandona;
me disputa e me solta igual pipa e balão,
tanto quer e não quer; é a serva ou a dona...
Gosto disso, apesar de viver na tensão;
ir ao fundo do poço e também vir à tona,
ora ser só instinto e depois coração
que parece de seda, tanto quanto lona...
Você tem um sabor de pitanga roubada
no pomar do vizinho que ameaça e grita,
mas diverte a quem brinca de correr o risco...
É meu tudo e me viro, já vira meu nada
e me deixa feliz, mesmo quando me "Rita"
nesse misto insondável de calma e corisco...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
MONGE
Demétrio Sena - Magé
Minhas asas ficaram sem espaço,
apesar de haver tantos horizontes
meu espaço está dentro de uma bolha
onde as fontes de sonhos não desaguam...
A viagem não vem ao meu encontro;
toda minha esperança está no embarque;
o meu charque acumula sal curtido
pelas sombras da vasta solidão...
Para mim tudo ecoa ralo e longe;
virei monge nas grades do meu eu
recheado por teias infinitas...
Toda minha utopia está puída,
quero a vida possível depois desta,
pois até as manhãs estão noturnas...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
INTENSO
Demétrio Sena - Magé
Sinto muito; por isso espero tanto,
que me frustro com tanto sentir pouco;
há um pranto pra cada frustração
desse louco sonhar que me possui...
Em amor, outros laços, tanto faz,
esta carga excessiva do que sou
é capaz de afastar as almas mornas
e qualquer coração menos intenso...
Tem um fogo de afetos que me tem;
um além, um sentido sem sentido
para quem se deteve lá no sexto...
Porque sinto, e por isso eu sinto muito
por não ter a medida comedida
dos que seguem a vida feito pluma...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
QUEM SOMOS NÃO ADOECE
Demétrio Sena - Magé
A mudança de humores está no contexto da bipolaridade. Não sei dizer se é só isso, pois não sou especialista, mas está no contexto; isso eu sei. Alegria neste momento e no seguinte a tristeza, do nada. Destempero agora, calma depois... e sentimentos de alta e de baixa autoestima, que se alternam. Mas essa variação de reações não interfere no que somos; em nossa essência ou nosso caráter.
Quando, no entanto, alternamos bondade com maldade... malícia com inocência... carinho com frieza... empatia ou solidariedade com egoísmo... amor com distanciamento e o desejo de estar perto de alguém com repulsa (não confundo com a necessidade ou o desejo pontual de estar só, que todos nós temos), essa variação é de personalidade ou caráter. Somos alguém agora e outro alguém depois. As pessoas nunca saberão quem seremos (ou estaremos), quando voltarem a nos ver.
Sou compreensivo com os bipolares, mas não com os de personalidade ou caráter variável; duvidoso. Não falo de bom ou mau caráter; não julgo a tal ponto... mas do caráter que não se define; da personalidade que deixa em dúvida e torna impossível conviver. Ou nos faz lançar mão de contorcionismos comportamentais, para suportamos tanto a convivência com o outro quanto com nós próprios.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
FEIRA DO TEMPO
Demétrio Sena - Magé
Minha mãe já demora e me preocupa,
pois me deixa perdido nesta feira,
nesta culpa infantil por ter ficado
entretido nas cores; entre cheiros...
Ela nunca voltou pra me buscar;
fico aqui, neste choro, a ver o mundo;
os meus olhos no mar e seus navios,
para dar um sentido à nostalgia...
E a feira do tempo não tem fim;
sua xepa se alonga no meu medo,
há em mim tanto caos e tanta espera...
O meu sonho perdeu a minha mãe;
meu silêncio ecoando além do além;
ela nem sinaliza; está bem mais...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
VOLTANDO PRA MIM
Demétrio Sena - Magé
Nunca mais ficarei feito porto seguro,
para quando quiseres a minha leveza,
quando achares escuro algum dia isolado
entre a tua distância de minha saudade...
Acharás o vazio no qual me deixaste
com as vindas e idas, tudo à tua escolha,
ou apenas a rolha da velha garrafa
na qual fui prisioneiro das minhas esperas...
E querias ou não, ou deixavas no ar,
me fazias pairar sobre um sonho indeciso
do qual sempre acordei na total solidão...
Desta vez me perdeste como duvidavas
nesse teu tanto faz que me fez esquecer
o meu ser ou estar que recupero enfim...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
DESMITIFICAR AS MÃES
Demétrio Sena - Magé
Precisamos nos permitir humanizar as mães ou suas memórias em nosso imaginário e nas nossas falas. As mães erram. Todas erram. Erram muito. Na verdade, além de mães elas são (ou foram) mulheres. Além de mulheres, seres humanos. Por melhores que sejam ou que tenham sido, elas têm seus históricos de preferência filial, se há mais de um filho; de superproteção, se tem filho único; de muitas injustiças, em julgamentos de qual filho começou uma contenda e qual é o mais inteligente, ajuda mais ou merece os maiores cuidados seus.
É preciso entender que mães blefam; xingam ou pensam xingamentos... elas também desejam alguém que não entenderíamos e têm manias secretas, como nós temos. O passado? Ah... ninguém queira vasculhar o passado da própria mãe, nos detalhes. Ela pode até parecer um suave livro aberto, mas a partir da página conveniente para si mesma e seus rebentos. Pode não ter feito nada demais; no entanto, para o que os filhos esperam das mães, tudo é demais. Tudo tem a gravidade própria de qualquer olhar filial, por sua parcialidade.
O admirável na mãe... admirável, é o conjunto: a transformação em fera, para proteger o filho; o amor sem limite que se revela nas renúncias pessoais necessárias pelos rebentos. Nas vigílias, quando a cria está em perigo, adoece ou sofre uma decepção. Em todos os momentos nos quais A MÃE precisa sublimar a mulher; o ser humano. Aí se afigura o valor materno, mas "peraí": nada impedirá seu retorno aos vícios, erros e fragilidades pessoais. É ilusório e injusto seguirmos impondo às nossas mães essa imagem de perfeição, fortaleza e santidade.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
MAL ENTENDIDOS
Demétrio Sena - Magé
Tanta mágoa profunda; que não justifica;
muitas raivas vazias que se forjam plenas;
essas "penas de morte" por falhas comuns
de quem fica sem tempo nem lugar de fala...
Tantas frases pescadas fora dos contextos,
tantos "bondes andando", nesses quais embarcam
ou em textos confusos por trás das paredes,
que disfarçam ouvir com sentido integral...
E recados que chegam com redimensões
e ninguém os mandou; nem chegou a pensar;
corações apertados por mal entendidos...
Muitos erros culposos, aos quais ditam dolos
nesses "pólos monárquicos" de quaisquer clãs
onde os fãs da mentira nem sabem que são...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
FEITO PESSOA
Demétrio Sena - Magé
Ando mais fingidor que o poeta que sou;
que a pessoa, o Pessoa, que todo poeta
sobre a face tão sonsa do chão em que piso
como quem se completa no próprio vazio...
Finjo crer que não fingem que sou invisível,
que deixei de contar nos espaços de afetos,
me tornei muito crível, fiquei muito à mão,
feito insetos que agora não podem voar...
A pessoa, os anseios que habitam meus ares
não encontram mais pares, mas finjo que sim
e não deixo saberem o quanto não mais...
O Pessoa que atua na minha ribalta,
sente falta infinita daquelas pessoas
que fingiam em mim, no meu eu, meu olhar...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
FIM DE PEÇA
Demétrio Sena - Magé
Você foi o meu ciclo mais extenso,
minha história mais longa; pesarosa;
hoje penso em você como passado
que não tive; só tive a sensação...
Porque foi um encanto sem raiz,
uma luz ilusória no meu túnel,
fui feliz por engano e condução
da carência envolvida em seus tecidos...
Suas linhas teceram meus enredos
entre dedos astutos, teatrais,
seu adeus foi o pano em fim de peça...
Nada foi verdadeiro em seu afeto;
foi um teto abstrato, pois lhe via
nas estrelas que tive por você...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
VIDAS ALUGADAS
Demétrio Sena - Magé
Sinto pena das vidas de fachada
que se agarram às abas das elites,
às gastrites por olhos que as apontem
com promessas de portas ou janelas...
Não entendo pessoas que se vendem;
vendem suas origens, seus afetos
pelos vetos de vidas com que sonham
e nem notam a baba queixo abaixo...
Negam suas verdades, não hesitam
em fingir que não moram onde moram,
que não choram por dentro do sorriso...
Tenho dó dessas vidas alugadas
nas escadas pra fora de si mesmas,
pois não sabem crescer dignamente...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
O CAMINHO LARGO DO CRISTIANISMO CONTEMPORÂNEO
Demétrio Sena - Magé
O sentido de se converter é se "tornar uma nova criatura", como a todo momento é repetido no meio cristão, do qual trato nestes escritos. Conversão é transformação. Mas isso é muito; muito difícil, mesmo, porque o ser humano... bem; o ser humano é o ser humano. Esta é a razão de o convertido "customizar" o evangelho em sua vida; seu meio; sua corporação. Daí nascem o rock gospel, baile funk gospel, carnaval e outras festas consideradas profanas pelos evangélicos, que as incorporam em seu meio, depois de torná-las gospel. As imitações do "mundo", como eles classificam, seguem no consumo da cerveja sem álcool, por exemplo, e não sei até quando não cederão ao cigarro e outras drogas, depois de criarem variações e declará-las gospel.
Tudo isso, para tornar fácil ser cristão, notadamente evangélico. Para eliminar os desafios da fé professada e ter um caminho mais largo a seguir. A compensação dessas concessões é forjada nos preconceitos contra outras religiões e seitas, na homofobia, na militância contra questões sociais conflitantes e um machismo exacerbado não apenas dos homens, mas também das mulheres contra si mesmas. De resto, a valentia (como no famoso oito de janeiro), para convencer a sociedade com o seu conservadorismo em assuntos que apenas empoderam o grupo, sem nenhuma utilidade para o país. Em um todo, a meta é tornar confortável a conversão e competir com o mundo. E para ganhar a competição, redobrar os preconceitos contra o que ainda for "ingospelizável", somando a isto a proliferação de seus líderes em cargos políticos de todas as instâncias, via eleições e indicações pelos influentes do meio.
Nenhum político ligado ao evangelho e posto no cargo em razão disto atua por uma sociedade justa, igualitária e democrática, e sim, por uma exclusividade repressora. Uma predominância em defesa dessa pecuária social, cujo rebanho lambe os beiços com a suposta "moleza" que é ser cristão/evangélico nestes tempos em que são maioria, têm as portas abertas, o caminho largo e um vergonhoso "fechamento" com todos os poderes terrenos, em nome da inquisição versão século XXI. Os evangélicos, oprimidos por algum tempo, sempre sonharam ser opressores e, pelo visto, agora realizam esse sonho. Este texto não faz menção aos raros fiéis realmente convertidos, porém perdidos e assentados nas rodas contemporâneas dos escarnecedores.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
PARA DIZER NO SUPOSTO DIA DO POETA
Demétrio Sena - Magé
Sinto muito pelas pessoas com quem tenho proximidade, mas que temem respingos das consequências de conviver comigo, em razão de meu poetar contundente. Minha poesia, mesmo quando romântica, protesta contra injustiças sociais. Eu até poderia ser menos expressivo e silenciar, dentro do possível, mas isso não adiantaria muito. Na verdade, não adiantaria quase nada. Como não adiantaria minha presença ser discreta, obscura e, minhas participações em saraus e outros eventos, quando se descuidam e me convidam, serem rasas e fugazes. Mesmo em silêncio absoluto, meu olhar expressa indignação social; minha expressão facial é combativa; cada gesto meu é polêmico; até a minha respiração protesta contra injustiças, desigualdades, hipocrisia, selvageria capitalista, preconceitos e obediências servis; civis ou não.
Nunca fui ajustável nas minhas vísceras, na postura natural nem nos sorrisos, que nunca se abriram espontaneamente para quem representa oportunidades de quaisquer naturezas. Mesmo quando romantizo, eu sou um poeta que brada pelos poros e denuncia nos poemas de amor. Realmente não tenho como me ajustar nem fazer com que se ajustem à minha inquietação. Para mim, as relações corporativas, sociais ou de afeto não precisam ser entre pessoas iguais, mas entre pessoas que se veem e se recebem com igualdade. Não com ajustes, mas aceitação espontânea, livre, sem nenhum preconceito... nem o velho (e mau) preconceito educado e assistencialista dos que olham por cima feito senhores e senhoras de engenho que tratam escravos com "fineza", mas não abrem mão do andor, da estampa nem do título senhorial.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
BRASILEIRO
Demétrio Sena - Magé
O brasileiro é um mistério;
brinca de sério para ficar feliz;
fica preso do lado de fora...
Sai entrando, anda correndo,
vive morrendo; não tem jeito...
Ser muito bom ou do bem
é o seu "maior defeito"...
Tira dúvidas com toda fé,
faz esforço para descansar
e o seu café, muitas vezes
"tem tudo; menos café"...
Brasileiro ou brasileira
corre devagar; dobra uma rua;
toma chá de sumiço; cadeira;
viaja na maionese; vira lua...
Tem quadro retangular,
mas também quadro redondo;
cospe fogo e marimbondo...
Empurra com a barriga,
mesmo com ela vazia...
Foge de rato e barata,
depois garante que mata
um leão por dia.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
"AMORRR"
Demétrio Sena - Magé
Eu gostava do amor com vários "érres"
espalhados nos muros, viadutos,
mas os brutos de finos gabinetes
não olhavam pra ele de bom tom...
Senso assim, não fizeram qualquer lei
que fizesse do amor, da gentileza
a beleza de ofício e tombamento,
pra não ser esquecida pelos olhos...
E dos olhos, direto ao coração,
para quem se permita olhar e ver,
dar à sua emoção essa esperança....
Era bom esse oásis no tumulto;
um insulto pros réus da correria,
todos presos nos "érres" do "rancorrr"...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
ESTAMOS AQUI
Demétrio Sena - Magé
Nós estamos aqui, mesmo quando não veem;
o futuro precisa da nossa presença;
mesmo sem recompensa, justiça, esperança
nesses donos das leis que nunca nos contemplam...
Estaremos aqui, apesar dos covardes,
dos poderes, comandos e do capital,
até tarde pro mundo e pras perspectivas
que definham travadas por quem escraviza...
Professoras marcadas por país machista,
professores na lista dos governos maus
e de como desejam nos sucatear..
Mas estamos aqui; até quando, é mistério;
não nos levam a sério e mesmo assim estamos,
porque tudo precisa da nossa existência...
... ... ...
Respeite autorias. É lei