Coleção pessoal de degenerativo
- Não tem mais café. -Eu disse.
- Os cigarros acabaram. -Ele disse.
Sentamos um do lado do outro e ficamos num silêncio eterno até a chuva passar.
- A chuva passou. -Eu disse.
- Então devo ir. -Ele disse.
O levei até a porta e acenei com a mão quando ele dobrou na esquina e fui direto à cozinha tomar uma xícara de café. Foi então que eu vi, a carteira de cigarros dele cheia em cima da mesa. E pensei por um tempo, até ouvir a campainha tocar e fui até a porta com uma xícara e um cigarro em mãos.
E lá estava ele, fumando.
Então eu o beijei. Como nunca havia feito com ninguém antes. E após o beijo, ele me olhou diretamente nos olhos e me disse:
- Tudo o que eu queria era você.
E foi quando eu acordei.
Você me deixou sangrando na calçada da esquina escura e úmida daquela rua de nome estranho quando usou de um modo irônico as minhas próprias palavras que um dia eu te disse e agora me arrependo amargamente por ter confiado em tuas mentiras verdadeiras que explodiram meu senso de controle ao inevitável ato de me apaixonar por alguém que não merece nenhum tipo de afeto vindo do meu coração ingênuo que falha e nunca aprende que deve ficar de observação na incubadeira pra poder se re-adaptar a vida maldosa que o apedreja todas as vezes em que ele comete uma atrocidade desonesta e ao mesmo tempo verdadeira como se apaixonar.
Agora eu acho que entendo, porém não queria, ou quero, ou queria poder querer.
Tudo o que eu senti foi um gosto amargo de nada quando os teus lábios finos encostaram os meus lábios grossos e a tua mão deslizou pela minha cintura no momento em que a música ficava mais agitada.
Confesso que me senti como um zero à esquerda, entregue a perguntas sem respostas e sentimentos sem explicações.
Quis gritar por alguém naquele escuro silencioso, mas não havia ninguém, nunca houve e nunca haverá, se depender de mim e de você, mas quem é você?
Fico entregue as mentiras e as juras de algo que eu nem sei se é real. Talvez fosse, num momento diferente do qual eu me encontro, onde um desconhecido tiras as minhas roupas deparando-se com a minha nudez e sem pedir licença para tocar-me de um modo bruto e ruim, onde eu tento fugir em pensamentos para algum lugar seguro onde só exista eu e a solidão.
E eu pedi:
- Me ame, por favor.
E ele retrucou:
- Não posso.
E os meus olhos ficaram úmidos e eu perguntei entre lágrimas:
- Por quê?
E ele olhou bem fundo nos meus olhos, depois acendeu um cigarro e disse:
- Você partirá o meu coração como todos os outros.
E então ele foi embora, deixando-me só naquela chuva de dezembro.
Com uma certeza da derrota e das consequências do erro, chorei a última gota de lágrima e morri.
Queria muito poder te olhar dentro dos olhos e pedir perdão.
Porém, a coragem desapareceu e a minha única reação foi o silêncio.
Eu sei que deveria te cumprimentar e pedir para você ficar, mas tudo o que eu consegui fazer foi pensar se toda a nossa história até aquele momento tinha valido a pena.
E a resposta foi não.
Manipular o meu coração não fará de você algum tipo de soberano.
Conquiste meu amor, tente ser meu oxigênio, procure saciar a minha sede de solidão e quem sabe eu te coroarei meu rei.
Ela ria, sem nexo, enquanto enchia mais um copo de cerveja naquele bar de quinta onde tocava umas músicas do passado ao fundo.
Ela ria, mas chorava por dentro.
Chorava por causa de nada.
Como sempre, a dor dentro dela apertava involutariamente o botão do choro toda vez em que ele aparecia por perto, só ou acompanhado, bebendo ou fumando, chorando ou sorrindo. Ela chorava pois sabia que era feliz com ele e sem explicações o deixou.
Ele sentia falta dela no começo.
Agora os dois se amam e se odeiam, sentem falta e desprezo, lembram-se de tempos bons e tempos ruins.
Mas o orgulho de tomar a iniciativa, o beijo, o abraço, ou simplesmente o sorriso, não deixam que o doce amor daqueles amantes inocentes voltem.
E é triste saber que nada vai mudar essa história.
- Dói.
- Eu sei, mas passa.
- Choro, paro, choro, morro.
- Vai passar.
- Como a fumaça de um cigarro?
- Sim, bem mais rápido.
- E o cheiro?
- Será melhor quando distante.
Debaixo da chuva espero que enterres a verdade, porque ela sangra e machuca.
Machuca tanto que eu choro.
Choro tanto que soluço.
Soluço porque tenho medo do vômito.
E quando vomito fico mal.
Mal por saber que morrerei.
Morrendo aos poucos sem você.
Você que me amava tanto.
Tanto que me fazia chorar, debaixo da chuva, onde eu enterrei a verdade porque ela sangrava e machucava.
Era só ele entrar, em qualquer lugar, pro meu sorriso aparecer.
- Café com cigarro não faz bem pra saúde.
- Amar alguém sem nada em troca também.
Rimos. Nos abraçamos.
- Mesmo que me esqueças com o passar do tempo, eu ainda te amarei.
- Talvez um dia eu aprenda a te amar.
Ele riu, me olhou fixamente e disse:
- Deixa que eu te amo.
Eu respondi, bem baixinho:
- Deixo, mas e depois?
- Depois a gente inventa.
E o amor que a gente sentia um pelo outro se foi, junto com o café frio que escorre pela pia suja ao encontro de outros cafés frios de outras pessoas que perderam o amor da sua vida, como eu, num dia tão triste que se chamou desamor.
Caçou-me, como um leão faminto caça uma gazela fraca.
Tomou-me em seus braços, como uma mãe amorosa toma o seu bebê sonolento.
Roubou-me assustado, como um ladrão medroso, numa casa repleta de ouro.
E no fim, deixou-me, como uma casca de banana suja, numa lixeira quebrada, numa rua sem vida.
Cansei de fazer pedidos à estrela cadente desejando amar e ser amado.
O caminho do amor se desfez no final do corredor e a saída se fechou quando eu estava me aproximando.
Ele fechou a entrada do meu coração e engoliu a chave.
Agora eu fiquei preso entre ir e vim, entre amor e desamor e entre uns versos que eu escrevo e depois rasgo.
Traga-me cigarros, não estou bem. O amor que eu sentia por ele se escondeu em um lugar onde eu não quero achar.