Coleção pessoal de DAVID1952
CICLO...
... nada teria sido possível sem que
alguma explicação não o demonstrasse...
E não poderia ser diferente,
pois, se assim o fosse, tudo ainda
seria um acaso, sem vida...
As ciências não existiriam,
nem as grandes teorias, nem as teses,
nem as discussões ou filosofias...
Não haveria a hipótese, não haveria
a dúvida, nem a afirmação.
Não haveria a hora, a distinção,
nem o discernimento e tudo seria nada...
Os homens, por si só, não pensariam
e tornar-se-iam completamente
omissos, impotentes, fracos...
O mistério imensurável cresceria
e cresceria o místico, o mito
– superando tudo...
Até que a mais pequenina das coisas
e o mais insignificante dos atos,
envolvessem todos os homens
e os confundissem.
Confusos, então despertariam...
E os seus sentidos veriam
o íntimo, o próximo...
Sentiriam as sensações, a dor...
Provariam as particularidades
e, instintivamente, dariam um passo
à frente e distinguiriam as coisas...
Aí, uma vez distintas, misteriosamente
e sem explicação, retomariam sua origem
e recomeçaria tudo de novo:
o CICLO NATURAL DA VIDA...
David Ferreira
VERSOS PARA UM IMORTAL
Quando,
com amor,
se vive e,
com amor,
se reproduz
a vida,
aí, sim,
valeu a pena,
nascer...
Pois,
dar e aceitar,
agir e ceder,
amar e querer...
é como
nascer,
viver
e não morrer.
Amor é amar...
Amar é amor...
... o amor é lindo!...
Sonhador,
cobrador,
bem vindo,
infindo.
Dá saudade,
vontade
de ver,
rever...
Curtir,
compartir,
prover...
INTUIÇÃO
Tem hora que a gente sente
algo que nunca sentiu...
Que não sabe, que não viu
e, às vezes, de repente...
Uma coisa diferente
que nasce do coração.
Tem rumo, tem direção,
mas, não dá pra decifrar,
muito menos explicar...
Isso chamo intuição.
AMBIGUIDADE
Exausto de mais nada me faltar,
impõe-me a dura vida o desencanto
de ser o que, talvez – um tanto quanto –
almeje, de mim mesmo, demudar...
E pasmem! Vivo assim todo esse pranto
de ser o que não sou, sem me queixar,
talvez por ver, em vão, se dissipar
o amor antes fraterno e hoje nem tanto!
Dimana de meu eu, estranhamente,
o dúbio desprazer, enquanto gente,
de ser e de não ser, destarte nada...
E a vida, embora exímia e inspiradora,
sonega-me a missão imorredoura
de tê-la, enquanto pulse, eternizada.
Os anos são assim, vão-se, transpõem-se...
E nesse passar cíclico, virtual, trivial e passageiro,
agencia-se uma espécie de páscoa pessoal onde se comemora o ressurgir de um novo tempo, mas um tempo agora muito mais proficiente e, certamente, muito mais promissor.
E com essa experiência, colhida do ontem – já findo –
somada à boa vontade, ao trabalho, compromisso e uma boa dose de humildade, o seu novo “presente” estará, gradual e progressivamente, garantido.
POR UM FIO
Nos dias de hoje,
de tempos modernos,
a dúvida transcende a vida...
Exaltam-se as hipóteses
e os valores se sucumbem.
Dignidade, justiça (reto siso devotado),
cada vez mais importam menos.
Vale mais a euforia, o prazer imediato!
Azar dos desgraçados: excluídos,
indigentes, espoliados,
sem direitos cidadãos – a vida toda,
só deveres...
Ah! Tempo de meu espaço,
mais presente que passado!...
Meu sinuoso trajeto –mais rabiscos
que projetos – já sou todo indagação...
Ai de mim mesmo, abstrato companheiro,
se no óbvio desse suplício, esquecesse
o Dom da vida e não me sentisse um Rei.
SER POETA
Ser poeta, antes de tudo,
é ser louco, incomum,
sensível, sutil, pensante,
falar das coisas,
do abstrato, do rústico e do real,
com poesia.
É exprimir sua língua,
difundir sua dor, pela íngua.
Sentir-se eterno e
morrer à míngua,
num sentimento só seu...
Ser poeta, além de tudo,
é não saber, sensato,
se sentiu, se sonhou,
pensou ou escreveu algo...
Aí, um crítico lhe aparece
e, ao seu modo,
cômodo, imperativo,
decifra, resume e limita sua vida...
Como se lhe pudesse conhecer
ou, como tal, fosse possível.
POETA
(auto (des) afirmação)
Não sou um poeta,
seria uma ousadia,
assim pensar,
mas, sinto-me, às vezes,
como um deles – utopia, sei lá...
Carrego, de muito jovem,
o gosto pela literatura – a poesia.
Aprendi a ler,
escrever e admirá-la.
Ganhei dos poetas,
das rimas,
apenas a vocação
e, vez por outra, até me inspiro...
Raramente lírico,
realista sempre...
Poeta?... Não, não sou,
nunca fui...
Minha débil aptidão (julgo)
tem me sonegado, até hoje,
essa maravilha: o Dom de ser um poeta...
POETAR
... é entranhar-se pelas sutilezas
que a Natureza, ao despertar do sol,
reserva ao canto do seu rouxinol
e, às andorinhas num céu de proezas...
ATITUDE
Nestes dias turbulentos,
de labuta e de pressão...
Já não sobra ao coração
o melhor dos sentimentos.
Uns melhores, outros não,
são assim nossos momentos...
Cabe a quem move talentos,
transformar tudo em paixão.
Que se dê mais atinente
todo instante de incerteza
para que, solidamente,
se constate essa proeza...
Se o coração se ressente,
seus talentos, ponha à mesa!
AOS MANSOS
Se não tá escrito,
no fundo, no fundo,
tá mais pra raimundo
que é meio esquisito!...
Eis qu’algo profundo
precisa ser dito:
aos parvos, o mito;
aos mansos, o mundo...
A vida é assim:
se boa ou ruim,
sugere descanso...
Ser parvo, pra mim,
é torpe é o fim,
pois, nobre é ser manso.
Voltei ao fundo dos tempos até tocar à origem...
E vi que tudo inda é virgem, nada mudou.
Eu vi o ódio, o rancor, a ambição, o temor;
vi a tristeza, a saudade, o feio, o belo e a dor...
E vi do mesmo jeitinho, incólume, lá, inteirinho,
o que chamamos de amor.
Algo que destrói a vida,
não é o mesmo que extermina o tempo,
nem o povo, mas a carência de amor ao próximo.
Amontoados,
convertidos em dívidas e para protesto
estão, no Cartório da vida,
pilhas e pilhas de títulos de amor em seu nome.