Coleção pessoal de CarlosAlbertoSilva

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⁠Sei da vida

Sei da vida o que a vida sabe de mim
Sei andar perdido por onde me perdi
O mundo inteiro é do tamanho que sei
A verdade inteira é do jeito que acreditei
Sei tentar e persistir
Sei errar e evoluir
Mas do mundo perfeito que existe, ouvi dizer
Nunca estive ali
Tudo o que sei da vida
É o que a vida sabe de mim

⁠Esquece o tempo

O que é o tempo?
O tempo é tudo
Ou o tempo é nada?
O tempo passa
Ou só o tempo permanece?
Quanto tempo dura o tempo?

Eu não sei do tempo

Eu não sei do tempo
Mas sei que o tempo é espera
O tempo é separação, é saudade
O tempo é ida, nunca volta
E o tempo é gigante

Mas esquece o tempo

Esquece o tempo
Deixa que passe o tempo como a tempestade
Que depois do tempo tudo renasce
Depois do tempo tudo existe
Tudo é agora
E nada é por vir
Nada está terminado

Esquece o tempo

Esquece o tempo
Que depois do tempo
O instante é a eternidade
E o instante é maior que o Universo
Importa que estivemos aqui

Então esquece o tempo

Esquece o tempo
Que o tempo é gigante
O tempo é poderoso
E o tempo é feroz
Mas sobretudo o tempo
É a única coisa que não existe

⁠Seguir em frente

É preciso seguir em frente
Não há outro modo de acontecer
Qualquer coisa que se faça
Resulta em seguir em frente
Desistir
Ainda é seguir em frente
Voltar atrás
Ainda é seguir em frente
Estagnar
Ainda é seguir em frente
Desesperar-se
Ainda é seguir em frente
É preciso portanto
Fazer a escolha inteligente
De todas as formas de seguir em frente
Apenas escolha
Seguir em frente

⁠Impreciso

Os navegadores modernos já não temem a viagem:
não é sobre mar que navegam.
E ainda que existam os piratas, os monstros e os abismos,
não há glória em demovê-los da aventura.

Queria para mim o espírito do grande poeta,
reduzida a forma para caber em quem eu sou,
para explicar esse temor que eu sinto
de uma evolução em que não haja a essência anímica do sangue
e cujo combustível seja o meu corpo e a minha alma.

Não conto gozar a minha vida;
só temo torná-la pequena
em um mundo sem o calor das afeições humanas,
onde não haja piedade, não haja paixão.

Cada vez mais assim penso:

Nas estranhas águas que nos levam adiante
e anunciam a obsolescência da nossa Raça,
navegar é impreciso, e viver é uma necessidade.

⁠Existe um erro que você não cometeu e que teria salvo a sua vida.

POESIA (II)

O poeta precisa as palavras
Precisas palavras
Vertidas em poesia
Dizem do poeta
O que palavras não podem dizer
O poeta precisa da poesia
Ela é que não precisa do poeta

⁠POESIA ( I )

O poeta pinta em palavras
Às vezes vivas
Naturezas mortas
O Poeta esculpe em versos
Às vezes em jardins
Estátuas pálidas
Em pedras nuas
Telas transparentes
Exposta a própria alma
Inepto vivente, louco
Ou nada disso
O Poeta diz o que sente
Inventa o que não sente
Diz o que pensa
E diz sem pensar
Flerta com a sabedoria
E ela às vezes flerta com ele
A inteligência, a lógica, a razão
Em sua magnitude fazem reverência
À simplicidade do poeta

⁠Ninguém é ausente por distração.

O POEMA ERRADO

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Drummond


Vou ao reino das palavras com a tranquilidade de quem trouxe de lá uma ou duas páginas valorosas. São minha permissão. Entro quando quero, extraio as palavras de onde repousam em estado de dicionário, e as acomodo para viagem na forma de poemas perfeitos. Todos se corrompem na passagem, alguns irremediavelmente. É por esse motivo que tantas linhas imprecisas são escritas. Tenho impulsos de retornar ao reino das palavras e vasculhar incansavelmente pelo poema certo. Ele ainda está lá. Mas desse já não tenho a chave, e ninguém mais a poderá ter. Perdeu-se. Olho para o poema embaralhado que possuo, sentenciado à inexistência, e me compadeço do seu destino. Sorrio. A inexistência é uma condenação impossível.


O poema errado

Com a vida diante dos olhos
Escrevi minha história
Manchei os campos com meus passos
Maculei a água com minha sede
Julguei merecer que me sorrissem
Um sorriso puro e ingênuo
Que já não sorri sem tristeza
Fui amado com um amor perfeito
Que hoje tem a marca da minha estupidez
Quisera ter entendido o que é ser humano
O que é ser imperfeito
Quisera ter entendido o propósito de todas as coisas
Segundo o qual nada existe em vão
Não se vive sem culpa
Mas não se existe sem razão
Se em tudo eu tivesse errado
Não choraria por não ter tocado
A flor que deixei morrer no jardim
A flor não temia a morte
A vida era o seu fim

⁠O tempo passa depressa

O tempo passa depressa
Quando todos os dias são iguais
Quando todos os dias se faz tudo igual
Quando não se aprende nada de novo
E tudo de antes se repete de novo
Não há lembranças para lembrar

O tempo passa depressa
Quando parece que vai devagar
Quando parece que nada acontece
Quando parece que não se envelhece
E que o tempo parou de passar
É tempo vazio que se tenta segurar

O tempo passa depressa
Quando não se lamenta uma tarde perdida
Quando em um ano não se vive uma vida
E uma vida cabe em uma lembrança

E se veste a mesma roupa
E se come a mesma comida
E se bebe a mesma bebida
E se vai aos mesmos lugares

O tempo só não passa depressa
Quando é tempo vivido, aproveitado
E quando passa é tempo lembrado
E voa e nem se vê passar
Esse é o tempo que passa devagar

⁠Esteja atento quando reconhecerem o seu esforço. É o esforço ou o sucesso que reconhecem?

Slow motion heavy metal

Fim de tarde de uma qualquer sexta-feira
Como tantos prenúncios de festa
As pessoas caminham nas ruas sem pressa
O cansaço do trabalho é endorfina
E o sinal vermelho é só alegoria
No rádio, um heavy metal envelhecido 12 anos
Toca suave
​ E um pedaço de minha vida
O passado imperfeito
Passa perfeito em câmera lenta
Mais que perfeito
Meus fiéis companheiros na odisseia de uma noite
O sorriso vencedor de quando éramos imortais
​ O direito de viver intensamente
E a ingenuidade suficiente para perder metade de tudo
E tudo era importante
As novas e pequenas grandes coisas
E pequenas grandes causas
As roupas sem grife
Os rostos sem marca
O som ao vivo no barzinho
Cada letra um hino, um manifesto
Cada gesto um pretexto, uma outra intenção
Conquista, afirmação
Entre uma e outra brincadeira de criança
Brincadeira de correr, brincadeira de brincar
Meninos e meninas, a calçada e o violão
A tristeza injustificada
Aliviada em qualquer canção
A vontade maior do que todas as possibilidades
E sempre no fim a força e a alegria
A coragem de quem tinha o futuro como arma
E o futuro era certo e distante
Mas o último era mulher do sapo
E nós crescemos
E o futuro se fez, de causas e canções
E a história se fez, por mãos de aprendiz

⁠Não são tanto os nossos desejos e habilidades que determinam a nossa trajetória. Antes, há carências e limitações que nos impulsionam na direção contrária do que acreditamos ser incapazes — e tantas vezes somos. Inconscientemente nos afastamos de tudo o que nos causa medo ou desconforto. Alguns limites, com persistência serão superados. Outros não. Existe uma matemática oculta em tudo o que é abstrato, e não importa o quanto nos esforcemos, há caminhos que nunca serão percorridos. De fato, não conheci tantas pessoas que não desejassem ter feito o melhor. Algumas fizeram e mesmo assim falharam. A falha quase nunca foi uma escolha, mas um acontecimento. E ao fim de tudo, somados todos os erros e acertos, aconteceu apenas o que era possível acontecer.

⁠MEU MUNDO
Meu mundo pequeno é bem grande
Pequeno por fora e grande por dentro
Cada lado tem seu tanto de ilusão
Ilude-se quem o vê pequeno
Iludo-me por vê-lo tão grande
Meu mundo pequeno tem portas
Meu grande mundo e suas portas fechadas
Jamais precisei abri-las
Espero não estejam trancadas

⁠A ação nunca precisou de justificativa. A reação “nada justifica”.

⁠Compreender o outro não é fazer com que ele caiba no seu entendimento, mas ampliar o seu entendimento de forma a alcançar a real dimensão e complexidade do outro, em individualidade e circunstâncias.

⁠Para uma vida feliz

O segredo para uma vida feliz
é essencialmente simples:
consiste em compreender o fato
de que as tartarugas nascem
e caminham para o mar.

“Ah, mas eu sou pássaro e quero voar!”

Há muitas metáforas para a vida,
veste a tua fantasia e voa, ela é real;
veste a tua fantasia e voa, ela cheira a cetim
e brilha como estrelas;
veste a tua fantasia e voa,
como só tu podes voar.

Mas quando vier a noite
e ela trouxer a tempestade,
não bate as asas,
lembra-te: os teus pés estão na areia
e tu caminhas para o mar.

⁠Nós somos os cães que ladram

Das verdades que nos trouxeram até aqui, muitas ficaram pelo caminho, presas ao seu próprio tempo. Nenhum pensamento jamais supôs o mundo como se tornou, e os que persistiram perderam-se na vastidão de ideias. Não somos a caravana, somos os cães que ladram, e a despeito de nós a história segue o seu curso. Ainda assim, cada um de nós tem um plano para salvar o mundo, sabe o que está errado, o que basta mudar. Pensamentos que nos prendem ao nosso tempo. Em que outro tempo houve pessoas como nós? Os cães ladram para defender o que lhes é precioso, e é nobre e justo que o façam. Mas o futuro vem rapidamente condenar nossas verdades, julgar-nos com a mesma fúria com que o fizemos. Nossos erros mudaram de forma e já não os percebemos, mas haverá, muito antes do que imaginamos, quem os perceba e os condene. Eu vi o futuro; e o futuro depois do futuro; e a caravana ainda segue o seu curso, e os cães, valentemente, defendem os seus tesouros.

A falta de empatia é o reconhecimento da sua própria miséria.

⁠As pessoas observam o que você faz, não o que você fala.