Coleção pessoal de cacaubraga
Se o mundo acabar mesmo o ponto de encontro será onde? Ninguém pensa em coisas práticas? Pensei num lugar que temos certeza que exista... tipo a caverna do dragão... combinado?
Meu amor nasceu numa gota de chuva
Numa nota bonita
No barulho da rua
Meu amor descobriu que brotou de repente
Que caiu do espaço
Que nadou com a corrente
Meu amor já surgiu sem saber esperar
O passado era fogo
O futuro era mar
COTOVELO
Ontem me peguei pensando no quão inútil o cotovelo é! Se fosse substituído por um parafuso ou algo do tipo, ninguém sentiria falta. Uma das partes do corpo mais desobedientes e indisciplináveis! Desobediente porque antes que se perceba já está se apoiando em algo – normalmente onde não deveria apoiar-se – e indisciplinável porque é impossível puni-lo, visto que o cotovelo praticamente não sente dor alguma! Por mais que a mão se esforce ao beliscar, ele sempre passa ileso. As mãos também têm lá sua incômoda independência... Quem as dá o direito de tapar os olhos na melhor cena do filme?! Falta ao corpo comunicação, certamente, ou o que explicaria as palavras que a boca solta, sem perguntar aos pensamentos, sem deixar o ar sair, sem que a memória tenha tempo de guardá-las?! O que explicaria a dança dos pés prestigiando uma música que o cérebro rejeita? O cérebro, responsável por tudo o que acontece em cada centímetro do corpo, não consegue controlar seus pupilos, mesmo usando estratégias desleais como sonhos ruins, crises depressivas que resultam em atitudes involuntárias... A verdade é que o corpo só obedece a uma voz, que às vezes passa dias, meses e até anos sem dizer uma só palavra, mas que, quando resolve mandar, até o esquecido cotovelo obedece sem questionar. Essa voz confunde desde o dedão do pé até os escondidos tímpanos, faz os olhos mudarem de opinião quanto à beleza das coisas e a pele fingir que está frio em pleno dia de sol! Então, quando tudo parece que vai sair do controle, a voz paralisa cada músculo, cada pensamento e diz pro cérebro que o nome disso é amor. E é nesse momento que cada célula do corpo entende que a única ordem impossível de se ignorar é a do coração.
Todo momento se faz eterno
Em tudo o que se move há encanto
E a vida circula afoita sem fatigar
Ela existe em todo grão que se atreve
E cada gota d’água tem o seu mar
Há sabedoria em embalagens de chiclete
E atitude nas sementes que aprendem a voar
Há rumores em grandes desertos
Mesmo que o vento os desfaça e se vá
E se os anos se arrastam ou correm
E a felicidade não os quer contar
É porque todo momento se faz eterno
Dentro do brilho de cada olhar
Tantos os números e palavras
Somei, analisei, interpretei e descobri
Que a vida é uma bolinha numa pauta
Naquela manhã...
Levantou da cama rasgando um sorriso bobo de preguiça. Olhou para o relógio preso na parede, mas não reparou na hora. Aos domingos o grande controlador do tempo só não era ignorado por força do hábito. Arrastou os pés até a cozinha, esquentou as mãos na xícara de café. Mirou seus grandes olhos verdes no centro da sala vazia... Entre a cadeira e a porta. Entre o tapete e a lâmpada. Entre o sorriso e o beijo. Entre o passado e o presente. Bem ali, naquela manhã, ele bebia o café e sentia o gosto do futuro.
O criador de sonhos
Já era tarde da noite... A lua, que era sempre tão clichê, soava até original coberta pela neblina que entristecia o ambiente. Esse era o cenário que eu via pela fresta da janela. No outro ponto de luz fraca estava eu brigando com as pálpebras para manter-me acordado; sentado no chão, com as mãos em seus movimentos repetitivos emaranhadas nos finos fios de cabelo dela... Era do que ela gostava. Era o que a fazia dormir feliz. Eu não me importava com a constante batalha que eu travava contra o sono, nem com o frio do piso; eu queria estar lá quando o sono dela chegasse. E toda manhã, ela acordava, corria para o meu quarto como um gato e me surpreendia com um beijo. Assim aconteceu até o dia em que ela pacientemente esperou que meus olhos se abrissem sozinhos, e disse: “eu te amo”. Então eu soube que, enfim, a minha espera tinha valido a pena. Eu tinha entrado nos sonhos dela.
A Cidade Cinza
Primeiro era um aperto. Ela descrevia como um enlace de duas mãos pressionando o coração, com uma delicadeza cruel e quase sádica. Sentia uma desorientação de sentidos, de pensamentos e buscava desesperadamente um abrigo num ponto qualquer onde o olhar pudesse sentir-se seguro. Era em momentos como aquele, distantes dela mesma, que a fraqueza de não se pertencer a vencia covardemente. Um dia, num desses perfeitos dias de sol talvez, ela levantará da cama, porá os pés na madeira agradável do chão do quarto e sentirá uma liberdade pura, a sensação de ser, de estar em si, de estar no mundo sem ser tomada por ele. Num domingo de sol... Num verão ou numa primavera... Num dia azul... E o aperto voltará? Ele virá com a chuva... Mas o sol sempre voltará a brilhar na grande cidade cinza.
Uma saudadezinha sem sentido algum...uma ponta de vontade de não sei o que...uma fome sentida pelos olhos ou pela pulsação...nada explicável, mas você entenderia se sentisse.
Artista não é aquele que consegue se imaginar num barco voando...é quem consegue fazer uma outra pessoa sentir que está dentro do barco também!