Coleção pessoal de brunadevantier
Perder a viagem
Você pede ao patrão para sair mais cedo do trabalho, pega um ônibus lotado, vai para um consultório médico que fica no centro da cidade, gasta seus trocados, seu tempo e seu humor, e, ao chegar, esbaforido e atrasado, descobre através da secretária que sua hora, na verdade, está marcada para semana que vem. Sinto muito, você perdeu a viagem.
Todo mundo já passou por uma situação assim, de estar no lugar errado e na hora errada por pura distração. Acontecendo só de vez em quando, tudo bem, vai pra conta dos vacilos comuns a qualquer mortal. O problema é quando você se sente perdendo a viagem todos os dias. Todinhos. É o caso daqueles que ainda não entenderam o que estão fazendo aqui.
Estão perdendo a viagem aqueles que não se comprometem com nada: nem com um ofício, nem com um relacionamento, nem com as próprias opiniões. Estão sempre flanando, flutuando, pousando em sentimento nenhum, brigando por idéia nenhuma, jamais se responsabilizando pelo que fazem, pois nada fazem. Respirar já lhes é tarefa árdua e suficiente. E os dias passam, e eles passam, e nada fica registrado, nada que valha a pena lembrar.
Estão perdendo a viagem aqueles que, em vez de tratarem de viver, ficam patrulhando a existência alheia, decretando o que é certo e errado para os outros, não tolerando formas de vida que não sejam padronizadas, gastando suas bocas com fofocas, seus olhos com voyeurismo, sem dedicar o mesmo empenho e tempo para si mesmo.
Estão perdendo a viagem aqueles preguiçosos que levam semanas até dar um telefonema, que levam meses até concluir a leitura de um livro, que levam anos até decidir procurar um amigo. Pessoas que acham tudo cansativo, que acreditam que tudo pode esperar, que todos lhe perdoarão a ausência e o descaso.
Estão perdendo a viagem aqueles que não sabem de onde vieram nem tentam descobrir. Que não sabem para onde ir e nem tentam encontrar um caminho. Aqueles para quem a televisão pode tranqüilamente substituir as emoções.
Estão perdendo a viagem aqueles que se entregam de mão beijada às garras do tédio.
Ela também teve seu coração machucado. Dilacerado, imagino. Normal. Desse mal, meu bem, ninguém escapa. Mas o bom disso tudo é que agora consigo abrir meu coração sem rodeios. Sim, amei sem limites. Dei meu coração de bandeja. Sim, sonhei com casinhas, jardins e filhos lindos correndo atrás de mim. Mas tudo está bem agora, eu digo: agora. Houve uma mudança de planos e eu me sinto incrivelmente leve e feliz. Descobri tantas coisas. Tantas, Tantas. Existe tanta coisa mais importante nessa vida que sofrer por amor. Que viver um amor. Tantos amigos. Tantos lugares. Tantas frases e livros e sentidos. Tantas pessoas novas. Indo. Vindo. Tenho só um mundo pela frente. E olhe pra ele. Olhe o mundo! É tão pequeno diante de tudo o que sinto. Sofrer dói. Dói e não é pouco. Mas faz um bem danado depois que passa. Descobri, ou melhor, aceitei: eu nunca vou esquecer o amor da minha vida. Nunca. Mas agora, com sua licença. Não dá mais para ocupar o mesmo espaço. Meu tempo não se mede em relógios. E a vida lá fora, me chama!
Vou te contar, meu amor, porque te acho o homem mais interessante do mundo:
Primeiro, naturalmente, porque você tem esses olhos que não param de brilhar, e porque ainda não descobri se eles brilham incansavelmente ou se ficam mais brilhantes quando olham pra mim.
Depois, porque você tem essa boca tão macia que é só sua – e deliciosamente minha também nos últimos quinze meses. É uma boca que começa fininha em cima e que vai crescendo em baixo, numa combinação que me deixa maluca toda vez que a encosta em qualquer milímetro do meu corpo.
Tem também o seu cabelo que, de tão fino, insiste em cair no rosto, o que faz com que você fique inutilmente tentando deixá-lo pra cima. E nessa hora, eu aproveito pra sentir seu cabelo macio na minha mão, com a desculpa de que vou dar um jeito nele – o que nunca acontece. Nem com silicones mágicos. Sorte sua, que fica lindo desse jeito.
Depois tem a suas mãos, que tenho a impressão que estão sempre quentes. Quentes e grandes, e assim conseguem ter o que quiser de mim. Mão poderosas, com dedos igualmente poderosos, que me levam pra lugares que nem sei explicar.
Tem também o jeito que você me beija, que pode ser diferente dependendo das suas intenções. Tem aquele beijo que devora, que entra lá no fundo, que engole. Tem o beijo lento, que caminha por cada canto da minha boca, paciente, sem pressa. Tem até beijo no nariz, que é mais poderoso do que um “Te amo”.
Tem o jeito como você me olha quando entro no carro as sextas-feiras. Uma olhada com saudade, que sempre me lembra como é bom te encontrar de novo. Tem também aquelas vezes que te pego me olhando e que me divirto tentando imaginar as indecências que passam pela sua cabeça nessas horas.
Tem também a forma como você me enxerga – inédita e só sua. Uma forma engraçada porque muitas vezes mostra coisas que nem eu tinha visto. Uma forma que motiva, inspira, conforta e incomoda muitas vezes também – porque pega no íntimo, em coisas que são difíceis de cutucar, mas que você faz com maestria. Você me enxerga mais e melhor do que os outros.
Tem também o jeito que acende o cigarro e fala e mexe as mãos sem parar, principalmente quando está empolgado com mais uma das idéias brilhantes que surgem na sua cabeça. E o jeito que você fala do seu trabalho, dos seus sonhos, da nossa casa na montanha.
Tem o jeito que tira o sarro de mim quando fico com sono depois do segundo copo de vinho. E o jeito lindo que deita na cama depois de mim e me abraça gostoso, mesmo eu tendo te abandonado sozinho logo no começo da noite.
E também tem o jeito que dorme comigo. Tem o jeito que me abraça de conchinha ao mesmo tempo que encaixa todo o resto do corpo no meu, como um quebra-cabeça. E nessa hora, aproveito o silêncio pra sentir e escutar você pegando no sono e respirando na minha nuca.
Tem também as deliciosas e intermináveis horas que passamos de manhã na cama, que é o único jeito de me fazer gostar de ficar deitada quando acordo.
Tem também o jeito como vem me falar indecências no pé do ouvido, com aquela voz que me deixa maluca só de escutar. E como, mais tarde, aplica tudo aquilo de disse, de um jeito só seu. E tem o jeito que aprendeu rápido demais como eu gosto de sentir prazer.
E, finalmente, mesmo podendo ficar aqui listando muitas outras coisas, tem o jeito como você me surpreende e me apaixona todos os dias, me trazendo a sensação de que a vida é boa, e linda, e apaixonante – como você.
Acordar ao seu lado, esse eterno amanhecer por dentro, um sol interno tão aceso, essa alegria gratuita. E existe algo em nós que é tão recíproco, cúmplice e intenso. Dos nossos olhares que dizem tanto sobre tudo, silenciosamente. Um movimento de corpo que é tão ao encontro o tempo todo. Da compreensão e paciência a que nos dedicamos diariamente. E o amor que permeia tanta poesia, e a poesia que se entrega inteira pras palavras que querem dizer do abraço. Seu corpo tão moldado ao meu, natureza líquida de água e jarro. Você me conduzindo à fonte de todas as coisas, lá onde o desejo se origina. E nada míngua com o passar do tempo e mesmo acreditando não ter mais espaço, cresce, flui, se imensa clareando o que era escuro e frio.Cada vez mais e mais eu preciso dizer do amor. Dessa ternura delicada. Cada vez mais o amor sendo a melhor experiência. Cada vez mais eu percebendo que se nada no mundo é definitivo, nossa história eu sei perene. Uma primavera inaugurada a cada dia. E mesmo que nada possa ser eterno, mesmo que o "pra sempre" não exista, eu sei que vou seguir te amando, pelo menos, pelos próximos 99 invernos.
(E se ainda eu não consigo explicar você pra mim, eu simplesmente aceito e agradeço).
Celebro o amor e elejo um pensamento bom por dia. Percebo a força que palavras doces têm. E sei que o que recebo é sempre um eco.
Gosto da tua voz ao telefone, ao pé do ouvido, na gravação daquele vídeo. Gosto de cada bobagem que nos faz rir, do papo cabeça antes de dormir, da poesia inaugurando o dia, gosto dessas nossas sintonias.
Depois das nossas brigas, compreendi uma porção de coisas. Compreendi, por exemplo, que eu estava mitificando e mistificando você; que estava também me anulando perto de você; que estava aceitando tudo o que vinha de você somente por achar você bacana.
Com gente feliz ao seu redor. Com chuvas de sorrisos e de olhares que vem da alma. Não importa se grandes notícias não virão hoje. Que também não venham as más. Que seu dia seja de paz. Que você esteja em paz. E que você olhe os problemas de cima, e as pessoas que você convive, com olho no olho. Que as palavras do dia sejam ‘leveza’, ‘doçura’, ‘calmaria’, ‘tranquilidade’. E que suas próximas horas sejam carregadas de pensamentos positivos e muita paz no coração. Só vim te desejar um ótimo dia. Colorido e florido.
É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha me perturbado tanto.
Eu sou uma eterna apaixonada por palavras. Música. E pessoas inteiras. Não me importa seu sobrenome, onde você nasceu, quanto carrega no bolso. Pessoas vazias são chatas e me dão sono. Gosto de quem mete a cara, arrisca o verso, desafia a vida.
Eu sou criança. E vou crescer assim. Gosto de abraçar apertado, sentir alegria inteira, inventar mundos, inventar amores. O simples me faz rir, o complicado me aborrece.
Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.
Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és...
Eu te amei muito. Nunca disse, como você também não disse, mas acho que você soube. Pena que as grandes e as cucas confusas não saibam amar. Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas — se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso. Essas coisas não pedem resposta nem ressonância alguma em você: eu só queria que você soubesse do muito amor e ternura que eu tinha — e tenho — pra você. Acho que é bom a gente saber que existe desse jeito em alguém, como você existe em mim.
"Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que sim".
Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena.
Remar.
Re-amar.
Amar.
Mas não te procuro mais, nem corro atrás. Deixo-te livre para sentir minha falta, se é que faço falta… Tens meu número, na verdade, meu coração, então se sentir vontade de falar comigo ou me ver, me procura você.
Dizem que a gente tem o que precisa. Não o que a gente quer. Tudo bem. Eu não preciso de muito. Eu não quero muito. Eu quero mais. Mais paz. Mais saúde. Mais dinheiro. Mais poesia. Mais verdade. Mais harmonia. Mais noites bem dormidas. Mais noites em claro. Mais eu. Mais você. Mais sorrisos, beijos e aquela rima grudada na boca. Eu quero nós. Mais nós. Grudados. Enrolados. Amarrados. Jogados no tapete da sala. Nós que não atam nem desatam. Eu quero pouco e quero mais. Quero você. Quero eu. Quero domingos de manhã. Quero cama desarrumada, lençol, café e travesseiro. Quero seu beijo. Quero seu cheiro. Quero aquele olhar que não cansa, o desejo que escorre pela boca e o minuto no segundo seguinte: nada é muito quando é demais.
Fico quieto. Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada. Se você começa a espalhar aos sete ventos, crau, dá errado. Isso porque ao contar a gente tem a tendência a, digamos, "embonitar" a coisa, e portanto distanciar-se dela, apaixonando-se mais pelo supor-se apaixonado do que pelo objeto da paixão propriamente dito.
Não me lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não começamos pelo começo. Já era amor antes de ser.
O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Está tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Tá limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar.