Coleção pessoal de beatriz-fagundes
É patético ser normal.
Me vi cega no escuro, sentando em tudo que é muro, sentindo medo do nada, acordando na madrugada. Não era eu ali, eu não era assim. Adaptei-me ao ambiente, temendo ser diferente e, feito um camaleão, camuflei-me. Estava vazia, igual e normal. Não era eu ali, eu não era assim. Certo seria se eu fosse eu e não um camaleão idiota que tem medo de tudo. Certo seria se eu criticasse o amor quando ele por mim passasse, certo seria se eu subisse no palco e recitasse uma poesia, se eu contasse até dez, cem ou mil quando fosse provocada, se eu cantasse sob o chuveiro quente um inglês embaralhado, se eu inventasse palavras e passasse a usá-las no cotidiano, se eu gostasse mais de mim, se eu sonhasse todas as noites, se eu não entendesse piadas e pedisse pra me explicarem. Se eu ouvisse alguém falar algo e mesmo assim fazer cara de “hã?”, aí seria certo, aí seria eu. Acho que estava cansada demais, transbordando, sem espaço pra fazer/ser diferente. Acomodei-me e camuflei-me. Estava normal, como todos. Aceitando tudo, deixando coisas pra amanhã ou para o mês que vem. Estava igual. Igual e patética. Patética sendo normal. Havia me camuflado tanto que não me via mais no espelho do meu quarto. Não era eu ali, eu não era assim.
Sofro por antecipação.
Vejo coisas onde nada existe.
Especulo olhares, palavras, sem nada saber.
Eu mesma me faço sofrer.
Abri a porta dos fundos
Porta que dá para um mundo
Onde a fé nunca existiu.
Dou de cara com o cinza
Onde não se veem estrelas brilhando
Nos olhares das pessoas descrentes
Só brilha no céu
A esperança
Que se esqueceu de ir ao chão.
Desistem antes de tentar
Abaixam a cabeça no primeiro tropeço
Não sabem do Arquiteto do Universo
Nem do pontapé, O Começo.
Se perca e é tido como morto
Ame e é tido como louco
Destrua e engane
Aí será normal
Num mundo onde vence o mal
E o bem não faz parte da batalha.
Plantei no chão cinza
De terra infértil e seca
Uma flor amarelinha
Onde brota a esperança
Na sutil tentativa
De brotar nas mentes
Uma cor viva que brilhe no escuro.
Nada nasce
Pois só chove
Uma água que corrói
E não alimenta
Não ressuscita
Os rios mortos na puberdade.
A fumaça das fábricas invade os pulmões
Embaça a visão
Mas não faz tão mal
Quanto a desunião
De quem deveria se juntar
E passar a acreditar
Que a vida não acaba
Com o fechar longo dos olhos.
Os dias passam voando
Neles
Poucas palavras são ditas
Entram por um ouvido e logo saem
Correndo
Para procurar um lar
Onde a chuva caia limpa.
Pessoas robôs
Trabalham para pagar
O jantar no restaurante
Para impressionar
A amante
Louca
Por amar
E se perdeu
Morreu
Num mundo onde a fé não existe.
Ando embaraçada. E me perco nas histórias. Minto e acredito. Escondo e não acho. Escrevo e não entendo. Ando embaraçada. Tropeçando no ar e segurando nas palavras para não cair. Choro por causa da curta vida da borboleta. Enraiveço-me com um bom dia atrasado. Ando embaraçada. Sem querer amar ninguém, só o sono, que vez ou outra vem, pra aliviar meu dia amarrotado de barulho. Silêncio, se eu pudesse viver nele… Sem ninguém pra me acordar de um sonho comprido. Sem ninguém pra dizer que hoje o meu cabelo está de mal comigo. Sem ninguém pra cobrar nada de mim. Ando embaraçada. E meus dias estão mais secos, sem encontros inesperados, sem beijos roubados, sem carinho nas maças do rosto. Ando embaraçada. Muito quero, até conseguir, depois a graça de esvai. Sou contraditória. Quero pessoas até que elas sejam minhas e quero silêncio, silêncio com cor, mas eles não andam lado a lado e eu ainda insisto em apresentá-los. Ando embaraçada. E fico sempre estressada, quando gosto de quem não está nem aí. Fico fraca, chorona e não me reconheço no espelho. “Não sou eu aqui”. Ando embaraçada. E um tanto cansada de nunca cansar de quem, tão rápido, se cansa de mim.
Como de praxe
fez planos pro futuro
pra salvar um presente
que se esqueceu de ser bom.
Afasta-te das mentes inférteis, garota
espanta, espanca, tampa o ceticismo
desfaz os nós da garganta
e tenta ser, sem medo
diferente nesse mundo
onde costumam dizer
que fadas não existem.
Se te acalma
eu era como tu és
fazia planos também
pensava sempre além
do que eram capazes de acreditar.
Queria mudar o mundo
e vez ou outra esquecia
que ele não queria mudança
queria mudar as pessoas
e elas também queriam
me fazer parar de escrever
e crer.
Levanta-te, garota
desse chão gélido
vai ouvir uma boa música
se é que elas ainda existem
e não deixa que te moldem
e te ponham interrogações
sobre a existência das fadas
sobre dor nos corações.
Eu estava sempre à espera
De um amor que nunca vinha
De uma vida a dois que não era
E nem será, tão cedo, minha.
Mudanças não resgatam pessoas
Será que tenho a chance
de viver aquele romance
contigo outra vez?
Sem pisar no seu pé
quando a música começar
sem desistir
antes de terminar.
Eu só quero tentar novamente.
Só quero ler a sua mente
e saber se você quer também
quero não mais magoar
quero viver de verdade
só ao seu lado
só aos seus braços
só com você.
Mudei
agora estou disposta
posso ser um tanto torta
mas quero te fazer feliz
como nunca antes fiz
e como você tentou me fazer.
Sou burra
Ingênua
me fechei
e teve quem se abriu
teve quem sorriu
e te fez sorrir também.
Mas será que tenho a chance
De viver de novo o romance
mais bonito que já vi?
Sem pisar em seu pé na dança
sem deixar você cair
e sair
pra não voltar tão cedo…
Otávio D'aspas
Era complicado
Entender o que se passava
Na cabeça daquele homem.
De tanto por medo nos outros
Ficou com medo do espelho
Onde via seu reflexo
Aí quebrava
E se assustava
Com os sete anos de azar.
Usava aspas
No lugar do chapéu
E quando queria
Pintava o céu
Todo de preto
Para dormir no escuro.
Sentia frio
Quando o sol queimava
Mas sempre recitava
Todo estridente
Uma rima incoerente
E diziam
Que ele falava com o Rei
O que manda no sol
E faz chorar as nuvens.
Eu temia
Pagar pra ver
E acabar sob seus braços
Ser jogado, aos pedaços
No chão da sua sala de estar.
Ora ria
Ora chorava,
Mas sempre fechava as portas
Quando a lua dizia “olá”.
Devia ser alérgico
Ao sereno da noite
Ou aos casais apaixonados
Amantes das estrelas
Que ele pintava de preto.
Talvez ele só gostasse
Dele e das suas rimas
Que recitava, estridente
Inacabadas e incoerentes
Mas significavam muito
Pra quem usava aspas no lugar do chapéu.
Amanhã vou andar de bicicleta. Vou ao parque com os amigos. Vou sorrir das sete às vinte e três horas. Vou dar bom dia a todos que passarem por mim. Vou escrever uma poesia para o velhinho que gosta de ler. Vou cantar pra quem quiser ouvir. Vou ver um filme de ação e rir de uma cena mal feita. Vou matar uma aula na escola. Vou falar que sinto sua falta. Amanhã vou pintar a minha casa de azul e branco. Vou perder a vergonha de falar. Vou acabar com a preguiça que mora aqui dentro. Vou para uma festa. Vou dançar só com você. Amanhã eu faço tudo isso… Hoje estou cansada.
Apegavam-se a achismos
E esqueciam-se de perguntar
O que eu sentia
O que eu queria
O que eu era, afinal.
Apegavam-se a achismos
E esqueciam-se que eu era igual
Eu era normal
Só era complexa demais
Pra ser compreendida.
Sonhei
Com você
Me dizendo
Que seria real
Quando meus olhos se abrissem
Seria normal
Quando você me visse
Quando você sorrisse…
Sonhei
Com as flores que você me deu
Sentado na praça
Dizendo ser meu
Sentindo
O que nunca quis sentir
Como agora quer sentir?
Era tarde,
Momento em que meus olhos
Deveriam se abrir
Eram tolos
Não tinham a certeza
De que você estaria ali
Estaria a sorrir
A me esperar
Sonhei com você me falando
Que era sonho demais
Viver comigo te amando
Sonhando ser tão capaz
De viver comigo sorrindo
Me fazendo feliz, desde então
Sonhei com você me amando
Me levando ao céu e ao chão.
Era tarde
Momento em que meus olhos
Deveriam se abrir
Eram tolos
Não tinham a certeza
De que você estaria ali
Estaria a sorrir
A me esperar.
Eram tolos
Não tinham certeza de nada
E ainda assim não paravam
De acreditar…
De querer te amar…
De sonhar com você…