Coleção pessoal de Barbaraquinta
As Vozes Dos Mentecaptos
volta e meia eu me sentava junto à eles e observava a falação.
eles pareciam insatisfeitos com o mundo
os lábios se mexiam como se não soubessem segurar as palavras na boca.
eles diziam
''a verdade é insuportável
a mentira é a solução''
eu nem me mexia, queria ouvir o que saia das suas malditas bocas imundas.
mas pensava na minha cabeça, como é que esses cretinos ousam falar do mundo se nem sequer o vivem?
conclui que também fazia parte dessa difamação toda.
assim como eles, eu também não vivia a vida como era pra ser vivida, eu simplesmente me sentava e impacientemente esperava algo acontecer, e não acontecia.
minha existência era miserável. incompreensível.
e nossas verdades eram encobertas por mentiras convincentes.
ninguém desconfiava, todos aceitavam como se fossem verdades absolutas.
logo pensei,
os humanos são imbecis, a existência é imbecil, somos projeto de um acaso infeliz que não deu certo.
A poesia que surge da miséria existente é a mais verdadeira poesia da humanidade. Ela por sua vez, surge dos sem-teto e dos covardes. Ela nasce na raiz podre de todos, das profundezas do submundo. Nasce na solidão errônea dos desesperados, da infelicidade dos retardados, na alegria falsificada de uma moça bonita,nas ruas sem término e nos papéis rabiscados. A poesia é tudo que não se quer ver.
eu consigo imaginar você, sentado na poltrona e trocando olhares comigo, como quem passa a impressão de saber exatamente o que faz ali e pra que está ali
mesmo sabendo que o momento não é eterno, você me encara tranquilamente de um jeito que me ilude, fazendo-me pensar que está tudo bem
seu olhar perverso mas discreto, ao mesmo tempo que me acalma, me engana.
teu toque leve sobre minha pele e teu linguajar estúpido quando se dirige à mim com mazelo, como se não se importasse com absolutamente nada, tuas palavras errôneas que de propósito me enlouquecem e me fazem pensar o que eu nunca pensara antes.
teu cheiro, uma mistura de bebida e cigarro mas por ser só seu, não é ruim.
meus dedos sobre teus cabelos macios e bagunçados, minhas pernas finas sobre tuas coxas, minha mão sobre tua nuca e por fim, meu coração distante do teu, e o que sobra é a maldita saudade.
És Tu
tu és como um mar violento em movimento que carrega tudo que há pela frente,
tu és como um furacão que passa quebrando todos os pontos fracos.
tu és não só um covarde de mãos atadas, tu também és um guerreiro de mãos fortes que não teme o desconhecido.
tu és a rejeição dos desamparados e a utopia dos mais frágeis.
tu és como a chuva forte que tenta limpar a superficialidade podre. tu és como uma floresta abandonada, onde todos querem se afastar.
tu és como um bêbado doente e sem abrigo que vive querendo encontrar o perigo. tu és ao mesmo tempo, uma criança que facilmente se perde da mãe e fica desamparada ao saber que estás sozinho.
tu és como um papel cheio de rabiscos que as pessoas não querem guardar. tu és a fotografia revelada que é guardada à sete chaves em algum lugar.
tu és um carro em alta velocidade que não sabe a hora de parar.
tu és a parte frágil de um homem forte.
tu és a anarquia de um jovem rebelde que pensa que sabe demais.
tu és a contradição da inocência.
tu és a parte melancólica de um coração em bipartida que não se mostra.
tu és o caminho mais difícil que ninguém quer traçar.
tu és um vulcão prestes a entrar em erupção.
tu és um cubo mágico impossível de decifrar. tu és o que és, e acho que disso você sabe.
Quem é escravo de pensamentos ilusórios cultiva as expectativas que lhe encaminharão ao abismo da frustração.
Cheguei a seguinte conclusão: quem muito procura a multidão é porque não suporta a si mesmo ou tem dificuldade em lidar com o seu próprio eu...o que é compreensível, mas não deveríamos tentar fugir de si mesmo sempre. Algum momento é preciso encarar você primeiro.
O medo do desconhecido é o que nos mantém estagnados numa segurança e num comodismo superficial, que na verdade não se tem.
Se você resolver mergulhar em algumas particularidades perceberá que tudo vai além do que se mostra.
Mas é muito mais cômodo deixar as coisas como estão do que ter o trabalho de pensar nisso tudo que envolve à beira do superficialismo.
se eu disser que a saudade apareceu e eu não sei o que fazer
você aparece pra me convencer
que isso é passageiro?
Eles Se Foram
''eles estão lá, e eu aqui com minha solidão
há tempos que eu fico aqui e não quero sair
eles estão lá, suando suas camisas e andando feito pragas na esquina
sem destino, estão bebendo como se o mundo fosse acabar amanhã
eles estão lá e meu corpo aqui, rijo e fraco e meu rosto apático está aqui.
minha mente está dentro de mim mas os corpos estão longe
eu me sinto bem aqui, protegida numa falsa camada superficial que me leva a loucura,
eu me encontro.
eles estão perdidos entre as mais diversas faces por aí.
eles estão lá com suas mentiras baratas e podres, esperando alguém que acredite nelas,
e eu estou aqui, com minhas verdades incontestáveis e duras.
eles estão agora compartilhando de suas ideias bobas e de seus risos agonizantes
e eu compartilho comigo a mais dolorosa e prazerosa arte da minha existência
entro em mazelo
notei que me perdi entre os dedos que suavemente me tocava os cabelos e me dizia
que a dor partiria
e que o amor eu encontraria ali
bem perto de mim,
eu não o encontrei
e fiquei, esperando até o amanhecer,
e ele, ele veio e foi embora.
eu desisti de esperar.
as ruas estão cheias de pessoas vazias e cabeças dementes
nos bares as mentes estão ocas
eles procuram palavras para vomitar de suas bocas
eles encontram a bebida e se afogam nela
eles se comunicam entre olhares, indiretamente
eles mergulham nas mais belas pernas paradas ali, eles pensam que são más e não resistem
eles se escondem na inércia da sua própria existência
a hipocrisia se infiltra no corpo como prego na madeira depois de muitas marteladas
o corpo se cansa, e eles pedem,
pedem pra parar
eles percebem que a maior diversão que encontram não estão lá e
se dão conta que não está em nenhum lugar e isso tudo não passa de uma mentira incubada numa verdade.
eles fingem dar risada
eles fingem,
eles dão risada.
eles escondem suas tristezas quando saem de casa
eles deixam suas angustias e dores e sofrimento na cama quando partem
eles se envergonham do seu desespero contínuo
eles se esquecem de que todos sofrem e fazem a mesma coisa
ninguém se mostra de verdade por medo da sua verdade
eles não demonstram fraqueza ou sequer algum incômodo
eles mentem como ninguém
eles mentem como alguém no mundo mente
e assim eles vão vivendo
como se o dia de hoje fosse o único para morrer
É bem mais fácil você enxergar os erros dos outros quando o que você não quer ver são os seus próprios erros.
No momento em que o ser humano toma consciência de que está condenado à sua própria liberdade de escolhas ele entra em estado de desespero.
O desespero pode definir o que é homem.