Coleção pessoal de Azanha
Não observa as orientações da metodologia científica, tão pouco os padrões do raciocínio lógico. Rege-se apenas pela vontade de arquitetar uma pseudo explicação que traga conforto quando me propor, mais uma vez, imaginar o que vem depois do epílogo da vida.
Convenço-me, e por esse motivo busco fundamentação no mundo empírico que reforce o raciocínio, de que com o fim deste ciclo, outro terá início. Assim mesmo. Sem padrão. Sem cogitar como. Apenas outro começo. Com cenários e atores diferentes.
Tomei consciência das minhas limitações intelectuais em relação a capacidade de responder perguntas assim e, por conveniência e alento, procuro dar sentido ao que me proponho como verossímil.
Sinto-me feliz assim. Sei que a verdade está distante e que talvez não exista, mas não posso renunciar a tarefa de preencher essas linhas com alguma resposta e, se sou eu quem as escreve, por que não torná-las fonte de tranquilidade?
Assim, a morte, sempre indesejada, representa um fim atrelado a um novo início. Instiga. Provoca curiosidade e traz a sensação de que experiências inéditas batem à porta.
P.S.: Se perguntarem, esta religião chama-se liberdade. Experimente com cautela.
- E a felicidade?
- Esse é um tópico muito complexo, talvez você tenha dificuldade para absorver tudo o que tenho pra expor a respeito. Quer mesmo se sentir completamente perdido enquanto explico?
- Sim. Estou animado para te ouvir, Pai.
- Certo, Pequeno, espero atender suas legítimas expectativas:
Sempre reservei atenção especial a tudo que se aproxima desse tema que provoca muitíssima curiosidade. Como você, desde tenra idade, escrevi o vocábulo repetidas vezes sem cogitar dominar seu alcance e significado.
Com maior idade, tive oportunidade de escutar o que os mais velhos diziam a respeito, ouvia com atenção suas reflexões e as reproduzia para quem, estranhamente, demonstrava interesse na mini pesquisa.
Os dias sucediam-se. Julguei-me entendedor. Capaz de produzir material autonomamente.
Pura fantasia. Não conhecia nada, decorei alguns trechos e escrevi alguns outros, mas (no fundo eu sabia), não tinha a mínima noção do que se tratava. Iludia-me. Afinal, era prazeroso acreditar que sabia o que era a felicidade: simples compilação das informações que eu havia colhido.
Imbecilidade.
Novamente em frente ao computador, e agora portando essa lucidez, passei a examinar com maior responsabilidade todo o conteúdo que esbarrava. Com a minha idade, todos já tinham se aventurado escrevendo sobre felicidade. Eu acompanhava a produção dos colegas e, sincronicamente, cultivava ardida instigação: não havia padrão; não respeitava nenhum critério. Tratava-se de um mar de declarações provenientes de pessoas que guardavam maior dedicação na obtenção de respostas, mas não extrapolava os limites que já conhecíamos.
Ninguém escreveu algo extraordinário e convincente. A pergunta permanecia sem resposta. Entretanto, surpreendentemente, alguns já estavam satisfeitos. Alimentaram sua ambição em relação às respostas que buscavam com algo que me escapava.
Isso silenciosa e lentamente provocou-me, mais do que nunca, profundo espírito investigador. O que conheciam que eu não sabia? Por que não dividem a informação para que eu conclua minha averiguação e sinta o mesmo alento que demonstram?
Mais uma vez, com as anotações sobre o colo e os pensamentos inquietos, compreendi: não se trata de um conceito, não tem padrão ou forma delineada. Apenas um nome, palavra vazia, substantivo abstrato sem significado independente. Felicidade é uma caixa grande e vazia. Colocamos dentro dela o que desejarmos e, em seguida, assumimos, de acordo com a mínima noção que temos de tudo, que o conteúdo daquela caixa é a própria felicidade.
Felicidade é o que você quiser que seja. Sinta-se feliz. Isso é felicidade. E só pra você assim é. Foi você quem a inventou. Você é quem a compõe e a sustenta, Pequeno.
- Legítimas expactivas? Não entendi.