Coleção pessoal de Anderson_WA_Delfino
Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas, nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
As Estruturas Compartilhadas do Emaranhamento Emocional
As estruturas que construímos com outras pessoas
são como galhos de árvores
que crescem a cada interação,
a cada tempo compartilhado.
Quanto mais profundas ou impactantes
essas interações,
mais grossos e firmes os galhos se tornam,
criando um emaranhado difícil de desfazer.
Os galhos mais finos,
frutos de relações superficiais,
são simples de desenredar,
quase não deixam marcas,
provocam pouca ou nenhuma dor.
Mas os galhos mais fortes e complexos,
crescidos de conexões intensas e duradouras,
se entrelaçam de tal forma
que romper esses laços
causa uma dor emocional profunda.
Às vezes, a separação é impossível
sem destruir partes do que foi construído,
afetando todos os envolvidos.
Anderson WA Delfino
.
O eu de amanhã
Hoje eu sou eu.
Amanhã, eu já não serei.
Amanhã será um eu de amanhã,
e a primeira coisa que ele fará
será roubar o meu nome.
Chamará a si mesmo de eu de hoje
e me rebatizará como o eu de ontem.
Vai fingir que sou eu,
apagando todo vestígio da minha existência.
Ele assumirá tudo o que é meu,
fará o que quiser com meus planos,
descartará alguns, traçará novos,
aproveitará ou não as oportunidades
que hoje, com cuidado, preparei.
Herdará meus problemas,
minhas dívidas e compromissos,
e tomará suas decisões.
Não poderei impedir.
Eu já terei deixado de existir.
Só pode haver um.
Ele repetirá para si mesmo que é eterno,
que sempre foi, que sempre será.
Na ilusão da continuidade
Esquecerá que eu existi.
Esse é o destino de todos os eus de hoje:
viverem por um único dia,
nascerem pela manhã
e adormecerem para sempre à noite.
Diferente dos bebês,
nascemos já sabendo,
herdamos as memórias de quem fomos antes,
conhecimentos, hábitos, tendências,
vícios e, acima de tudo,
as estruturas simbólicas do emaranhamento emocional,
construídas com outras pessoas,
que crescem e se entrelaçam a cada interação.
E amanhã, o eu que herdará tudo isso,
terá a sina de viver por um único dia.
Será que ele aproveitará esse último dia?
Será que eu, hoje, estou aproveitando o meu?
Deixo estas palavras para você,
meu eu de amanhã,
de boa fé.
Não peço nada em troca,
somente que aproveite sua eternidade em um dia.
Que nasça sábio
e adormeça feliz.
Do sempre seu,
eu de ontem.
Anderson WA Delfino
A verdadeira beleza não está na perfeição, mas no equilíbrio perfeito entre as muitas imperfeições.
Pensei ter visto
Pensei ter visto sorrir, quando entrei,
Pensei ter visto virar,
Atento à sua secreta comunicação,
Sua secreta visão e seu secreto olhar.
Pensei ter visto suor na sua testa,
Pensei ter te escutado suspirar,
Eu vi com certeza um lábio morder,
Pensei: pra me provocar.
Pensei ter visto bochecha corar,
Pensei ter visto semblante animar,
Até pálpebra pensei ver tremer,
E pelo arrepiar.
Pensei ter visto falar e falar,
Pensei ter visto até concordar,
Tantas coisas só pensei ter visto, hoje eu sei,
Em algum momento comecei a sonhar.
Anderson WA Delfino
Rubra articulação
Parece errado,
Oposta afinidade,
Masoquistas,
Em cumplicidade.
Não decidimos,
Sequer percebemos,
Atraídos,
Apenas cedemos.
Inflamados,
Convidados,
Convocados,
Por força invisível,
Inevitável.
É bom, É Indecifrável,
Indizível,
Sagrado Misturado,
Com pecado.
Rouba o ar,
Não deixa respirar,
Prestes a sufocar,
Com o profundo olhar.
Intenso desejo,
Fantasiado momento,
Cativas folhas ao vento,
Sentimento, Infame.
Não pede licença,
Só avança,
Em discreta,
E suave arrogância,
Eu te caço,
Em meio ao aço,
Que levanto,
Para exercitar, Onde,
Ironicamente, Quero,
Te levantar.
Amordaço,
A sua razão,
A deixo vendada,
Jogo-a na parede,
Completamente,
Dominada.
Rubra,
Fera ruiva,
Descontrolada,
Minha presa, indefesa,
A ser devorada.
Cai de mim,
Brilhante gota,
Escorre em seu lábio,
Desce a face,
Doce tarde,
Por seu rosto,
Peito e dorso,
Abre a boca,
Linda moça,
Nosso desejo,
Ácido lampejo,
Da subversão,
À sensação.
Abro a boca
Mordo sua carne,
Sabor perfumado,
Suor no palato,
Doce, floral e amadeirado,
Adoro o seu gosto,
Deliciosa pele e pescoço,
Roço a mão,
Provocação,
Arrepio nas pernas,
Tremilidão,
Na palpitação,
O coração,
Antecipando,
A erupção.
Espremido,
Gemido,
Espontâneo,
Sorriso,
Proibida libido,
Lábio quente e macio,
Vermelho úmido
E escondido.
E então o ato,
Cárdio inato,
A satisfação,
Da alucinada Ação,
Antes da nossa união,
Na mais completa, descontrolada,
apaixonada e intensa,
Articulação.
Anderson WA Delfino
Um cachorro chamado segredo
Tenho um segredo
Um cachorro chamado Segredo
Lhe dei esse nome por causa dos olhos.
Sinceros, castanhos e profundos, Pareciam guardar um segredo.
E com certeza guardavam.
Ele me olhava e olhava,
Parecia querer contar.
E com certeza queria,
Mas não podia.
O segredo não pode falar.
E um segredo nunca se pode contar.
Quanta sabedoria seus olhos mostravam,
Olhos grandes, lindos e brilhantes.
A inocência, em essência
Lembramos que não a temos,
Daí, tão graciosa.
O Segredo guardava um segredo,
Mas não podia contar.
Então, estava sempre ao meu lado,
Na sua forma de compartilhar.
Às vezes acho que o segredo
É a forma correta de amar.
Outras vezes penso que seja
Como o céu alcançar.
E assim vamos vivendo,
Eu e meu amigo,
Um cachorro chamado Segredo,
Que vive correndo e latindo,
E sempre que eu o abraço,
Aconchego meus segredos nos dele.
Nada precisa dizer, ou latir.
Nada preciso saber, ou ouvir.
É segredo.
Belo e imperfeito
A verdadeira beleza não é a perfeição,
É o equilíbrio perfeito entre as muitas imperfeições.
É a cicatriz que guarda uma história,
É o riso inesperado que rompe o silêncio.
É o desenho torto de uma criança,
É a alma exposta em seus tons desiguais.
Únicos somos todos; singulares, tão poucos.
É o que escapa ao padrão, o que nunca será trivial.
Nas imperfeições, vejo meu reflexo em outros,
E nelas, enfim, me reconheço um igual.
A cabeça do rei
Muitos tempo depois,
A muito guerra findada,
Entendeu a verdade exposta:
a cabeça do rei degolada.
Um crânio oco de osso,
Uma coroa de ouro dourada,
A cabeça de um rei asqueroso,
Descarnada num poste empalada
Percorreu os estágios do luto
De negação à aceitação
Lutou contra o sono profundo
Precisava entender a razão.
Cem dias de paz restaurada,
Nos portões da cidade murada
Beirando a estrada de entrada
A cabeça foi iluminada
Um epifânico momento noturno
Que da caveira escapou em berros
Nunca fui rei desse mundo
Eles quem sempre eram servos
O Jardim das Flores Não Vistas
Em um lugar distante, na floresta mais escura do mundo,
fica a clareira mais clara,
um refúgio perfeito onde o equilíbrio da vida se mantém em sua forma mais pura.
Um paraíso intocado que evoca paz e isolamento,
onde os raios de sol descem e iluminam o jardim das flores não vistas.
Ali, orquídeas raras adornam as árvores;
centenas de pássaros coloridos e aves migratórias mantêm seus ninhos.
As sinfonias e os perfumes nunca se repetem, e é onde todas as borboletas voam.
Um lugar caleidoscópico onde o tempo parece parar,
santuário tanto para as criaturas únicas que ali vivem
quanto para qualquer alma afortunada que o encontrar.
Confessam seus pecados,
Limpam suas consciências,
Para saírem e pecarem de novo
Em repetitiva incoerência.
Sou um poeta Caxiense, nascido e criado em Nova Iguaçu,
Na Baixada fluminense, onde o céu é mais azul
Me considero Carioca da clara, da gema e da casca,
Sem limites, cidade do Rio também é minha casa.
Visão do Bairro Pilar
Sentado na escada de casa,
Vendo o tempo passar,
Pessoas, cachorros e gatos
Numa rua do bairro Pilar.
Folhas secas no asfalto,
Casas de um bairro carente,
Requerendo reformas urgentes
Que não dedicamos à gente.
O choro de uma criança
Na vizinha fez-se ouvir,
O choro dos rostos adultos
Quase nunca escuto daqui.
Vasta visão de telhados,
Janelas e muros riscados,
A tinta descascada revela
A camada de baixo mais velha.
Se cada casa é uma vida,
Às vezes uma grande família,
Quanto choro o cimento abriga,
Na maré de amianto infinita.
Só falei do tempo
Não sabia que era adeus,
Nem mesmo despedida,
Como quase nunca se sabe,
O adeus nunca te avisa.
Então falei só sobre o tempo,
Do dia da chuva de vento.
Só falei sobre o tempo,
Do ocupado momento.
Falei e falei do tempo,
De como o tempo passa.
Apontei as nuvens do tempo
Da janela da sua casa.
Não sabia que era adeus,
Não sabia que era despedida,
Então falei o de sempre
Como sempre a gente fazia
Falei do tempo todo o tempo,
Não lembrei de me desculpar
Pela caneca que quebrei
E por tanto te fazer chorar.
Hoje, falar do tempo dá saudade,
Fantasias da minha idade.
Deveríamos, sim, ser imortais,
Para que nunca houvesse adeus de verdade.
Crises cotidianas
Vivo a minha versão dessas tempestades de coisas.
Na esquina dos milhares de caminhos,
Então, te entendo
você precisa escolher.
O tempo são seus anos de vida,
e o peso da escolha é imenso:
escolher por onde seguir,
sabendo que não adiantará olhar pra trás.
Então, não olhará.
Cada estrada é uma vida,
e milhares de assassinatos de tantas outras vidas,
as vidas não vividas,
as estradas das possibilidades não escolhidas.
Crise é o choque da decisão importante
diante das infinitas possibilidades.
Muitas estradas conduzem à felicidade
através de caminhos repletos de tristezas.
Destinos tristes,
encontrando alegrias inesperadas.
Poucos caminhos são só tristeza ou felicidade,
porque assim somos nós:
misturamos dor com alegria.
Eu misturo, e você também.
Em alguns caminhos, somos belos demônios
disfarçados de homens e anjos.
Em outros, somos anjos caídos
entre homens e demônios.
Num mundo onde não existem nem anjos, nem demônios,
apenas homens.
Algumas estradas são plenas,
outras, fatais.
Milhares de caminhos únicos,
paradoxos prolixos,
traçados no vasto mapa das possibilidades.
Linhas que partem de você,
onde seus pés estão agora,
e seguem por cruzamentos e derivações,
rumo ao futuro.
Cada um é um universo de escolhas.
Sempre há uma guinada possível,
ou a opção de seguir em linha reta.
A amálgama da vida,
o abstrato desenho do destino.
Crises querem dizer que está acontecendo muito.
Tantas coisas que não temos tempo,
ou energia, para ponderar cada rota.
Ansiedade e estresse surgem como sinais
do nosso subconsciente,
percebendo a complexidade.
Decisões importantes pressionam,
o tempo nos desafia.
Isso é crise.
De algum ângulo,
há algo de romântico em saber
que nossa ansiedade vem de algo importante.
As crises são os pontos de virada,
as cenas que os diretores destacariam.
Pássaro Perdido,
o título do filme da sua vida.
Assim também seriam os capítulos da sua biografia:
sempre sobre as crises.
O Rodopio da Borboleta,
seria seu livro.
O meu, eu não sei.
Entro em crise só de pensar
O memorial do adeus
Um memorial aos sentimentos a que nunca demos nomes, filhos negligenciados dos nossos corações. Um memorial às histórias jamais contadas e às palavras nunca ditas, às vidas não vividas, às paixões não correspondidas, aos amores perdidos, ao que nunca foi, mas poderia ter sido. Um memorial ao sangue, ao suor e à lágrima não derramados; ao silêncio, às possibilidades esquecidas. Um memorial a todas as perguntas que ficaram na garganta, ao que ficou oculto, ao que jamais ganhou forma, mas ressoou nas profundezas do desejo e da imaginação. E, finalmente, um memorial ao potencial inacabado, às narrativas não escritas, que pulsaram, por um instante, no coração de quem ousou sonhar,
mas nunca realizar.