Coleção pessoal de anac2bj

Encontrados 18 pensamentos na coleção de anac2bj

⁠Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos hirtos, lógicos, sem emoção até o fim…

⁠Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção. Em cada um dos seres humanos o espírito adquiriu forma, em cada um deles a criatura padece, em cada qual é crucificado um Redentor.

⁠(...) as angústias e opressões de minha vida pregressa e da realidade que eu deixara à margem oprimiam pesadamente meu coração.

⁠Aquele teatro mágico, estava percebendo, não era nenhum paraíso. Todo o inferno estava reunido sob sua bela superfície. Oh, Deus, também aqui não havia redenção?

⁠Senhor, dai me castidade e continência, mas não hoje.

Pois homens não são apenas eles; são também a região onde nasceram, a fazenda ou o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos que brincaram quando eram crianças, as lendas que ouviam dos mais velhos, a comida que se alimentaram, as escolas de que frequentaram, os esportes de que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que acreditavam. Todas essas coisas fizeram deles o que são e essas coisas ninguém pode conhecê-las somente por ouvir dizer, e sim se as tiver sentido. (O Fio da Navalha)

Hermínia e Maria me haviam assinalado em sua inocência esse jardim, e eu fora seu hóspede agradecido; mas em breve seria tempo de sair dele, pois me sentia confortável demais nesse jardim. Era meu destino continuar aspirando pela coroa da vida na expiação de seus infinitos pecados. Uma vida fácil, um amor fácil, uma morte fácil – tais coisas não eram para mim.

⁠Posso jurar que comecei a gostar mais da vida desde que sei que tenho nas mãos a alavanca para finalizá-la. Por essa razão, os momentos triviais acabaram para mim. Qualquer coisa que eu faça hoje tem um ar estimulante de despedida. De repente, tudo faz sentido (sim, Patamanca; sim, Camus), pois tudo acontece em relação a um ponto exato de referência. Agora, sim, agora é que acho realmente que a vida (os sete meses que me restam) merece ser vivida. A certeza do suicídio a torna apetecível, talvez porque, depois de experimentar o doce sabor da aceitação e da serenidade, eu me sinta liberto do que chamam do sentimento trágico da existência. Não tenho mais amarras. Nem as ideias, nem as coisas me prendem. O mundo seria, não sei se mais bonito, mas com certeza mais pacífico se todos soubessem desde a infância a hora exata da sua última inspiração de oxigênio.

⁠A solidão, como se sabe, é indulgente, mas a longo prazo tira mais do que dá.

⁠No meu entender, a felicidade é parecida com aquilo que algum romancista que não lembro o nome escreveu: o resultado, com consequências físicas e mentais altamente prazerosas, de colocar uma pedra no sapato, andar um quilômetro suportando a dor – momento crucial! – tirar os sapatos.

⁠Os andorinhões só vão voltar na próxima primavera. Eles me deixaram sozinho com todo esse monte de humanos que me oprime e me exaspera. Li que os andorinhões emigram para além do Saara, chegam até a altura de Uganda, por aí, e que passam a maior parte da vida no ar. Exatamente o que eu queria: não tocar no chão, não tocar em ninguém. Se eu pudesse ter optado entre nascer homem ou andorinhão, depois de ter visto tudo que vi, escolheria a segunda alternativa. (...) Que bela filosofia existencial: sair de um ovo, cruzar os ares em busca de alimento, olhar o mundo de cima sem ser atormentado por questões existenciais, não ter que falar com ninguém, não pagar impostos nem contas de luz, não se achar o rei da criação, não inventar conceitos pretensiosos como eternidade, justiça e honra e morrer quando chegar a hora, sem assistência médica nem honras fúnebres.

– Você é um cara legal, sempre foi, putaquepariu.
Gorka já estava saindo quando se lembrou do recado de Josune.
– Se você não tem nada para dizer a ela.
Nesse momento Joxe Mari já estava dando as primeiras pedaladas.
– Diz a ela pra seguir com a vida.
E os dois amigos foram embora, e Gorka, dezesseis anos na época, os viu avançar nas bicicletas em direção à estrada, Joxe Mari com o casaco de lã que lhe pedira emprestado, o outro com os seus sapatos. Gorka teve uma sensação repentina de mau agouro.

Joxe Mari se deixou guiar. Recebeu ternura, carícias, palavras amorosas sussurradas no ouvido, e gostou. Esse foi o problema. De noite, sem conseguir dormir, entendeu de repente, e foi como se o teto da cela tivesse caído em cima dele, que estava perdendo o melhor da sua vida. Não é que não tivesse pensado nisso antes. É que então teve pela primeira vez a sensação física de que havia jogado fora sua juventude. (...)
Tempos depois, Aintzane parou de escrever. Bem, deve ter encontrado outro. São coisas que acontecem. Só que na cadeia elas doem mais.

Saiu do ETA, dormiu bem. Ele já andava balançado em suas convicções de uns tempos para cá. Tudo influi: a solidão carcerária; as dúvidas, que são como mosquitos de verão que não param de rondar; certos atentados que, por mais que se esprema, não cabem no espaço cada vez mais estreito das justificativas habituais; os companheiros que considerou desertores num primeiro momento e agora compreende e, em segredo, admira.

Para quê? A resposta o enchia de amargura: para nada. Depois de tanto sangue, nem socialismo nem independência nem porra nenhuma. Tinha a firme convicção de ter sido vítima de uma fraude.

Constatou: pedir perdão exige mais coragem do que disparar uma arma, do que acionar uma bomba. Essas coisas qualquer um faz. Basta ser jovem, ingênuo e ter sangue quente.

Como as mulheres sabem nos manipular. Deitado na cama, com a mente em branco, Joxe Mari olhava o quadrado de céu azul da janela. Ficou um bom tempo ali imóvel, em atitude apática, com as mãos enlaçadas atrás da nuca. Por fim lhe vieram pensamentos. Ou melhor, imagens. O tempo, de repente, retrocedeu a grande velocidade. O tempo era um filme que mostrava a sua vida de trás para a frente. Saiu logo da cadeia e entrou em outra e depois em outra, foi torturado, depois preso, voltou à luta armada, à tarde chuvosa em que Txato olhou nos seus olhos, ao pub onde atirou pela primeira vez em um homem, à França, à vila e, chegando aos dezenove anos, as velozes imagens mentais pararam de repente. Imaginou então um destino diferente, que culminava com a realização do seu grande sonho: jogar no time de handebol do Barcelona F.C.

(...) um homem cuja única paisagem são as quatro paredes de uma cela, agoniado sob o peso do que fez em nome de princípios que outros conceberam e ele, obediente, ingênuo, adotou.