Coleção pessoal de almaespelhada
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!
4º Motivo da Rosa
Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verás, só de cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
Inscrição na Areia
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma.
A Esperança
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença do fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro -- avança!
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!
A Voz Do Silêncio
Paula Taitelbaum é uma poeta gaúcha que acaba de lançar seu segundo livro, Sem Vergonha, onde encontrei um poema com apenas dois versos que diz assim: "Pior do que uma voz que cala/É um silêncio que fala".
Simples. Rápido. E quanta força. Imediatamente me veio a cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas. Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim.
É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento. Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado.
Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: "diz alguma coisa, diz que não me ama mais, mas não fica aí parado me olhando". É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro.
É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças dos shows do Sepultura, o silêncio é uma megasena. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz. O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate a nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.
TIRE-O DA CABEÇA
Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?
Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!
Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você.
Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta, mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na pista de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva.
Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.
Viajar. Quem vai na bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente.
Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai.
O amor não acaba, nós é que mudamos
Um homem e uma mulher vivem uma intensa relação de amor, e depois de alguns anos se separam, cada um vai em busca do próprio caminho, saem do raio de visão um do outro. Que fim levou aquele sentimento? O amor realmente acaba?
O que acaba são algumas de nossas expectativas e desejos, que são subtituídos por outros no decorrer da vida. As pessoas não mudam na sua essência, mas mudam muito de sonhos, mudam de pontos de vista e de necessidades, principalmente de necessidades. O amor costuma ser amoldado à nossa carência de envolvimento afetivo, porém essa carência não é estática, ela se modifica à medida que vamos tendo novas experiências, à medida que vamos aprendendo com as dores, com os remorsos e com nossos erros todos. O amor se mantém o mesmo apenas para aqueles que se mantém os mesmos.
Se nada muda dentro de você, o amor que você sente, ou que você sofre, também não muda. Amores eternos só existem para dois grupos de pessoas. O primeiro é formado por aqueles que se recusam a experimentar a vida, para aqueles que não querem investigar mais nada sobre si mesmo, estão contentes com o que estabeleceram como verdade numa determinada época e seguem com esta verdade até os 120 anos. O outro grupo é o dos sortudos: aqueles que amam alguém, e mesmo tendo evoluído com o tempo, descobrem que o parceiro também evoluiu, e essa evolução se deu com a mesma intensidade e seguiu na mesma direção. Sendo assim, conseguem renovar o amor, pois a renovação particular de cada um foi tão parecida que não gerou conflito.
O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa.
" O que mais dói quando se alma alguem é imaginar tudo o que não conseguimos realizar juntos. O que vivemos é um tesouro que nunca se apaga da memória, mas é o que não construímos que nos entristece e mata."
".. Acredita que o tempo em que estamos com aqueles que nos querem bem é sempre um tempo ganho, como quem acumula pontos de felicidade para o futuro. .."
" O nosso amor é de papel como as flores que me deste, e no papel há-de ficar, para sempre escrito nas minhas palavras. E se vier a transformar-se em qualquer outra coisa, será sempre numa outra forma de amor: o papel vem das árvores, mas o amor vem do amor e nunca morre, mesmo depois de cortado, prensado e transformado. Amar é como plantar uma semente e tu já plantaste a tua no meu coração. "
É também peculiar o sentimento da duração
em face de certas coisas pequenas,
quanto mais simples mais impressionantes:
daquela colher
que me acompanhou em todas as mudanças de casa,
daquela toalha
pendurada nas casas de banho mais diversas,
do bule e da cadeira de verga
durante anos guardados numa cave
ou arrumados em qualquer outro lado
e agora, finalmente, de novo no lugar,
não no que era habitual, é certo,
mas apesar disso, no seu lugar.
E finalmente:
Feliz todo aquele que tem os seus locais da duração;
porque, mesmo que para sempre seja forçado a partir de uma terra estranha,
sem esperança de regressar ao seu próprio ambiente,
não será jamais um expatriado.
Perdoar e esquecer equivale a jogar pela janela experiências adquiridas com muito custo. Se uma pessoa com quem temos ligação ou convívio nos faz algo de desagradável ou irritante, temos apenas de nos perguntar se ela nos é ou não valiosa o suficiente para aceitarmos que repita segunda vez e com frequência semelhante tratamento, e até de maneira mais grave. Em caso afirmativo, não há muito a dizer, porque falar ajuda pouco. Temos, portanto, de deixar passar essa ofensa, com ou sem reprimenda; todavia, devemos saber que agindo assim estaremos a expor-nos à sua repetição. Em caso negativo, temos de romper de modo imediato e definitivo com o valioso amigo ou, se for um servente, dispensá-lo. Pois, quando a situação se repetir, será inevitável que ele faça exactamente a mesma coisa, ou algo inteiramente análogo, apesar de, nesse momento, nos assegurar o contrário de modo profundo e sincero. Pode-se esquecer tudo, tudo, menos a si mesmo, menos o próprio ser, pois o carácter é absolutamente incorrigível e todas as acções humanas brotam de um princípio íntimo, em virtude do qual, o homem, em circunstâncias iguais, tem sempre de fazer o mesmo, e não o que é diferente. (...) Por conseguinte, reconciliarmo-nos com o amigo com quem rompemos relações é uma fraqueza pela qual se expiará quando, na primeira oportunidade, ele fizer exactamente a mesma coisa que produziu a ruptura, até com mais ousadia, munido da consciência secreta da sua imprescindibilidade.
O tempo é a forma graças à qual a vanidade das coisas aparece como a sua instabilidade, que reduz a nada todas as nossas satisfações e todas as nossas alegrias, enquanto nos perguntamos com surpresa para onde foram. Esse próprio nada é portanto o único elemento objectivo do tempo, ou seja, o que lhe responde na essência íntima das coisas, e assim a substância da qual ele é a expressão.
O motor principal e fundamental no homem, bem como nos animais, é o egoísmo, ou seja, o impulso à existência e ao bem-estar. [...] Na verdade, tanto nos animais quanto nos seres humanos, o egoísmo chega a ser idêntico, pois em ambos une-se perfeitamente ao seu âmago e à sua essência.
Desse modo, todas as acções dos homens e dos animais surgem, em regra, do egoísmo, e a ele também se atribui sempre a tentativa de explicar uma determinada acção. Nas suas acções baseia-se também, em geral, o cálculo de todos os meios pelos quais procura-se dirigir os seres humanos a um objectivo. Por natureza, o egoísmo é ilimitado: o homem quer conservar a sua existência utilizando qualquer meio ao seu alcance, quer ficar totalmente livre das dores que também incluem a falta e a privação, quer a maior quantidade possível de bem-estar e todo o prazer de que for capaz, e chega até mesmo a tentar desenvolver em si mesmo, quando possível, novas capacidades de deleite. Tudo o que se opõe ao ímpeto do seu egoísmo provoca o seu mau humor, a sua ira e o seu ódio: ele tentará aniquilá-lo como a um inimigo. Quer possivelmente desfrutar de tudo e possuir tudo; mas, como isso é impossível, quer, pelo menos, dominar tudo: 'Tudo para mim e nada para os outros' é o seu lema. O egoísmo é gigantesco: ele rege o mundo.
No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles são entendidos de modo autêntico e completo. Pensamentos alheios, lidos, são como sobras da refeição de outra pessoa, ou como as roupas deixadas por um hóspede na casa.