Coleção pessoal de alinemariz

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n°1 ou sem título

Tampo os ouvidos,
mas não há silêncio:
ainda escuto a bagunça
do lado de dentro
que ainda anda
batendo no compasso
do meu coração

Zumbido:
ESCUTO UM BARULHO DE COISA QUEBRADA
é como que baixo
e lento
mas constante

Existem vozes também
- misturadas:
escuto meu nome no meio do rebuliço de palavras

Escuto sentimentos
que me são fortes

Escuto
a força
do
v a z i o

edoamor

(sempre há o amor,
mesmo que pelas pequenas coisas)

Escuto minha respiração
e o desespero embaralhado
na minha cabeça

o silêncio
o silêncio
o silêncio

é

s u r d o

TENRO

suave, cedo e doce:
afável

essa coisa tão delicada
e dúbia
quanto os corações
que facilmente se partem
e nos cortam

nós:
alma branda
e carne mole

nós:
como crianças,
sensíveis aprendizes,
sendo roídas pelo tempo
e mastigadas pela vida

nós:
volúveis e voláteis
(esse pleonasmo inconstante
e ainda assim contínuo)
enroscados e presos

mas nunca
frívolos

EU, erva daninha

nasci onde não devia
me meti nos tempos trocados
insisto em ser errada

COCOON


gosto do som dessa palavra em inglês
mas em português
é só um casulo,
nulo

quase como esconderijo
quimera fosse abrigo

pro meu coração pupa

Absorta

Imersa em ti
e alheia de todo o resto,
te vejo passando
por detrás dos meus olhos

Ver-te no verde
Sorver-te nos cachos dele
Absorver-te nas diversas características
[as mais opostas
[e iguais
[daquele outro
Resumir-te,
como que numa troca,
sem nenhuma explicação

SUMIR:
fazer-te desaparecer
te trazendo pra mim

Lembrar teu som,
teu riso,
teu carinho
.
.
.

E ser teu dengo
no extravio dos meus pensamentos

Contrações e contradições

O coração
O vazio
A dúvida
O amor

A divisão de mim
refletida nos outros

A mão treme, a caneta escorrega
A indecisão constante e acelerada

Preciso me contrair inteira
para esvaziar-te de mim:

sístoles

desse meu coração pretérito,
seco ao sol,
passado

Preciso afrouxar as manias,
deixar fluir,
dar preferência à minha origem líquida,
escorrer, preencher:

diástoles

o coração enfraquece
e fortalece
nos intervalos de tempo

Reverberações

Teu reflexo
já não me causa nós:
tudo foi desamarrado de mim

Nem tua luz nem teu calor
continuam por perto
Só teu brilho,
que reflete batendo dentro do meu olho
e da minha alma

O único laço
é todo feito de memórias
TODAS ELAS
reverberam fortemente aqui dentro
(nem que de vez em quando)
- e, eventualmente,
escorrem pro lado de fora,
juntamente com os gritos
ou sussurros
de uma canção qualquer

(qualquer música
que eu invente de cantar
vem acompanhada
desse teu rosto
imbecil)

Conselho calado


olha, menino,
eu se fosse tu,
tomava cuidado com essa mulher

tu brinca de mergulhar nos olhos castanhos e pequenos dela,
como se nunca fosse se afogar
tu brinca de achar graça nos rodeios que ela te dá,
como se não quisesse ir direto ao ponto
tu brinca de deitar no chão e deixar ela passar por cima,
como se nada te machucasse

olha, menino, cuidado,
que mulheres,
principalmente dessas geminianas,
são indecifráveis demais

tu não devia deixar essa menina
brincar com teu coração,
que isso é dessas coisas quebradiças demais

olha, eu se fosse tu,
tomava cuidado com essa menina-mulher-em-construção
porque de coração quebrado, menino,
a gente já guarda caco demais

EU:


redundante, tautológica, pleonástica
repetidarepetidarepetida

excessiva em inúteis repetições:
mesmas memórias,
mesmos ciclos,
vai-e-volta

perissológica
e sem lógica nenhuma

Esclarecimento para os de fogo

eu sou água:

evaporo e sumo - ou me deixo ser guardada nalgum canto
escassa e exagerada, líquida e sólida, fria e quente
doo, a mim e em mim – seja por mudança ou presença, seja por transformação ou estagnação, seja por necessidade ou não.corro, escorro, caio: só paro se congelada – mas aí já é prisão.

Tal como água, só sirvo se limpa: que seja claro.
Odeio poeiras:
incertezas, inseguranças, indecisões, imprevisões, ins quaisquer que me trazem a confusão - que já tenho em mim e que só faz crescer com os outros.

EU SOU ÁGUA:
apago-te ou incendeias logo tudo de uma vez.

Fim de agosto

Últimos minutos. Toda vez é isso: INterrogações.

As lembranças passam correndo na cabeça: filme malfeito, errado, não escolhi assim.

As palavras reverberam feito sol de meio dia botando fogo no corpo inteiro.

Os olhinhos, meu bem, sempre mais claros do que nunca, sempre daquela luz do dia clareando cedo.

Permanecem as dúvidas, os infelizes traumas e mágoas, o medo de escolher o caminho.

Me encho mais ainda de imagens passando pelas retinas, as telas de projeção do coração. Toca "queixa" do lado de fora. Está escuro, de claro só minhas imagens do lado de dentro de mim, onde tem esse corre-corre, essacoisasempausa essas imagens borradas tudotãorápido que eu quase não vejo mais nada direito tudo passa correndodemais e eu nãoentendomaisnada sóconsi gosen tiresentir dói: mas ainda conta.

Sentir o que é velho, sempre, apesar da capa de coisa nova. Sentir é esse meu sentimento antigo, talvez mais velho do que eu – sabe-se lá como, talvez ele tenha nascido antes de mim -, esse sentimento antigo que só faz trocar de pele. De peles. São sempre as mesmas memórias repetidas e esquecidas cronicamente; são os mergulhos em diferentes e iguais poças; é jogar-se na vida como criança que ainda está aprendendo as consequências para suas ações, e repeti-las sempre, apesar da dor e da agonia do erro.


Memórias morrem na nossa retina, nós morremos na retina. Mas ainda conta: o coração continua batendo descompassado e desesperado pelo outro que também se esquece e nos esquece só pelo propósito de acontecer de novo.

Morada


O amor mora
naquele que se faz casa
em cada olhar

Sideral


O silêncio da noite
no interior
decifrado no preto do céu
mesclado com os incontáveis pontos brilhantes

Tua estrela,
aquela que te dei
e desenhei troncha
no contorno dos teus sinais,
tua estrela
estava lá:
longe dos meus olhos,
inalcançável,
mas imersa
- lá em cima
e no fundo escuro
e inatingível
de mim


(in)atingível:
in:
dentro:

entre.
me ache.
mergulhe.

Queda


Jogar-se
ou desabar

Mergulhar no chão,
no mar,
ou no outro

CAIR
como uma criança
que rala joelhos e cotovelos
e num instante depois
esquece

Céu da boca

Como quem quisera uma vez determinar o futuro
e descrer de quaisquer outras possibilidades
que não a das estrelas,
teu lábio é astro:
projeta a certeza mais incerta das visões astrais
e das superfícies planas de um rosto,
como o astrólogo antigo
ao usar o astrolábio,
girando os globos e os céus,
para demonstrar o fenômeno celeste
do encontro de almas

EXPLODIR

Tanta coisa na cabeça que não tem fim não tem tamanho não tem pausa apenas mais e mais pensamentos e conexões e possibilidades e quando é que isso tudo vai parar e será que a cabeça aguenta e o coração aguenta também e se a gente explodir e se a gente parar e se a gente correr demais e não puder ver mais nada e se a gente estragar tudo onde é que moram tantas perguntas para onde vão os pensamentos que são esquecidos será que podem caber tantas lembranças dentro de uma pessoa só e se a gente cansar e se a gente se esgotar e se a gente nunca parar



.
.
.


Quebra de pensamento, mudança de fluxo. Mas e o que eu quero agora? Será que sei? Por que sempre existem tantas perguntas dentro de mim?

Eu queria ter certeza das coisas.

Inexplicável

Batida imprevista e indizível de um coração com o outro
ou dessas coisas violentas dentro da gente:

solavanco da alma

Dos amores e verbos

Embrutecer-se,
tecer corpo, alma e coração juntos
Brotar em si o bruto,
construir paredes,
fortaleza corporal e interna

Esquecer das flores, do céu, do mar
Enxergar cinza e alto,
como os prédios da cidade

Deixar ir as coisas passadas
e amar apenas o que restar,
ainda que nos poços mais fundos de nós mesmos
- e falhos, como tudo que é humano

Embrutecer como quem escolhe esse caminho
não porque quer,
mas porque precisou
e teve que catar a coragem
(aquele milésimo de segundo de coragem)
para seguir de pé firme com a decisão

Ir-se embora
e se endurecer de si mesmo,
invenção como que num piscar de olhos,
como que na contradição do tempo:
demora-se tanto e pouco, ponteiros param e correm
do mesmo jeito que o amor nos fere
e aos trancos,
embrutece

Turbilhão

Escuta o final de uma conversa ao telefone, quando se senta ao lado de uma mulher no ônibus:

- Mas olha, Valmir, eu vou ter que desligar. Meu bônus tá acabando e eu ainda tenho que falar com…

Mas deixa a conversa alheia para lá. Mergulha nos sentimentos daquela música que ainda cantarolava desde que saiu de casa. Era de Caetano (sempre), I’ts a long way. Pegou dois ônibus para chegar ao seu destino e, na metade do caminho do segundo, um da linha 500 e alguma coisa, repetia, já cansada:

- “We’re not that strong, my lord, you know we ain’t that strong. I hear my voice among others…”

Mergulha não só nos sentimentos que essa música lhe causa, mas cai de cabeça na sua vida. Dói. Ela sempre dói. Sempre falta alguma coisa, sempre tem algo de errado. Ela, menina. Ela, mulher. Ela tão confusa. Incompreensível até para ela mesma. Dói. Sua cabeça bagunçada. Entorpecida, nada disso lhe vem à tona. Mas assim, pegando dois ônibus de uma vez só e triste com as coisas que não tem controle sobre, pensa em tudo. Sempre se entristece. Sempre acha que tem algo errado. O que seria? O que será? O que é?! As perguntas sempre lhe angustiaram. Mil imagens passam pelos seus olhos abertos que fingem observar as coisas que passam borrando pela janela. Mas não dá tempo de entender nada, ela pede parada, tem que levantar logo porque o ônibus tá lotadíssimo de gente, tá apertado. Desce, anda pela rua de pedras pretas e brancas, observando o anel no dedo do seu pé. Pensa que é melhor deixar para lá… são só coisas da sua cabeça, invenções que ela nunca compreende mesmo. Tem tempo para essas loucuras mínimas - ou máximas -, não. Vai embora, esquece a perturbação momentânea que teve. Já não sabe mais direito o que é sossego. Mas pensa que pode amar, ainda. Quem sabe esteja chegando a hora de novo. Pensa que daqui a dois ou três dias estará meditando e tomando banho de cachoeira. Pronto! Contenta-se com as coisas que lembra, assim, do nada. Mesmo quando são as memórias saudosas da sua breve vida. Conversa com as outras pessoas e brinca, sorri, dança. Passou. Pelo menos por enquanto.

O verdadeiro amor é vão

Surge,
fura,
entra.

Faz moradia,
constrói o lar.

Dá-te um travesseiro,
te cobre com o lençol dele.
Diz umas palavras bonitas pra gente gravar na memória
e doer depois.

Dorme,
acorda,
ama.
Come,
vê tv,
ama mais e outra vez.

É casa, é morada
Mora-se no sentimento,
naquilo que foi projetado.

Fura de novo
e entra mais
mais
mais
mais
ais
ai
e
sai.
Vai.

Fica
o que foi projetado
o que foi lar
o que foi lençol
o que foi junto
o que foi palavra

Fica
o que virou buraco,
quando só existe a falta

Fica
o que foi amor
.
.
.

Surge,
fura,
entra.

Acolhe,
acrescenta,
mora.

Estraga,
bagunça,
dói.

Vai embora.

- e a gente espera a hora
em que vai começar tudo outra vez