Coleção pessoal de AlguemOuNinguem

1 - 20 do total de 21 pensamentos na coleção de AlguemOuNinguem

A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.

Como dizia o poeta

Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai

Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não

Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer

Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.

Não necessariamente ser forte, mas se sentir forte.

Tem gente que passa a vida inteira travando a inútil luta com os galhos, sem saber que é lá no tronco que está o coringa do baralho.

Sociedade alternativa, sociedade novo aeon, é um sapato em cada pé.
É direito de ser ateu ou de ter fé.

Ter prato entupido de comida que você mais gosta. Ser carregado, ou carregar gente nas costas. Direito de ter riso e de prazer, e até direito de deixar Jesus sofrer.

Querer o meu, não é roubar o seu:
Pois o que eu quero é só função de eu!

Já não há mais culpado, nem inocente. Cada pessoa ou coisa é diferente
Já que assim, baseado em que, você pune quem não é você?

Pois se uma estrela há de brilhar, outra então tem que se apagar.

Definiu César toda a figura da ambição quando disse aquelas palavras: "Antes o primeiro na aldeia do que o segundo em Roma!'' Eu não sou nada nem na aldeia nem em Roma nenhuma. Ao menos, o merceeiro da esquina é respeitado na Rua da Assunção até à Rua da Vitória; é o César de um quarteirão. Eu superior a ele? Em quê, se o nada não comporta superioridade, nem inferioridade, nem comparação?

É César de todo um quarteirão e as mulheres gostam dele condignamente.

E assim arrasto a fazer o que não quero, e a sonhar o que não posso ter, a minha vida (...), absurda como um reló- gio público parado

Aquela sensibilidade tênue, mas firme, o sonho longo mas consciente (...) que forma no seu conjunto o meu privilégio de penumbra.

A tragédia principal da minha vida é, como todas as
tragédias, uma ironia do Destino. Repugno a vida real como
uma condenação; repugno o sonho como uma libertação ignóbil.
Mas vivo o mais sórdido e o mais quotidiano da vida
real; e vivo o mais intenso e o mais constante do sonho. Sou
como um escravo que se embebeda à sesta — duas misérias
em um corpo só.

O patrão Vasques. Vejo de lá hoje, como o vejo hoje de
aqui mesmo — estatura média, atarracado, grosseiro com limites
e afeições, franco e astuto, brusco e afável — chefe, à
parte o seu dinheiro, nas mãos cabeludas e lentas, com as
veias marcadas como pequenos músculos coloridos, o pescoço
cheio mas não gordo, as faces coradas e ao mesmo tempo
tensas, sob a barba escura sempre feita a horas. Vejo-o,
vejo os seus gestos de vagar enérgico, os seus olhos a pensar
para dentro coisas de fora, recebo a perturbação da sua ocasião
em que lhe não agrado

O patrão Vasques. Tenho, muitas vezes, inexplicavelmente, a hipnose do patrão Vasques. Que me é esse homem, salvo o obstáculo ocasional de ser dono das minhas horas, num tempo diurno da minha vida? Trata-me bem, fala-me com amabilidade, salvo nos momentos bruscos de preocupa- ção desconhecida em que não fala bem a alguém. Sim, mas por que me preocupa? É um símbolo? É uma razão? O que é?

Às vezes, quando ergo a cabeça estonteada dos livros
em que escrevo as contas alheias e a ausência de vida própria,
sinto uma náusea física, que pode ser de me curvar, mas que
transcende os números e a desilusão. A vida desgosta-me
como um remédio inútil. E é então que eu sinto com visões
claras como seria fácil o afastamento deste tédio se eu tivesse
a simples força de o querer deveras afastar.
Vivemos pela ação, isto é, pela vontade. Aos que não
sabemos querer — sejamos gênios ou mendigos — irmananos
a impotência. De que me serve citar-me gênio se resulto
ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer
ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio,
mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos
do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que
ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio.
O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois
de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser.
Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e
não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem
qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não ficarem
ali ?

A intriga, a maledicência, a prosápia falada do que se
não ousou fazer, o contentamento de cada pobre bicho vestido
com a consciência inconsciente [?] da própria alma,
a sexualidade sem lavagem, as piadas como cócegas de macaco,
a horrorosa ignorância da inimportância do que são...
Tudo isto me produz a impressão de um animal monstruoso
e reles, feito no involuntário dos sonhos, das códeas úmidas
dos desejos, dos restos trincados das sensações.

Nada há mais indicador da pobreza da mente do que não
saber fazer espírito senão com pessoas.

Qualquer deslocamento das horas usuais traz sempre ao
espírito uma novidade fria, um prazer levemente desconfortante.
Quem tem o hábito de sair do escritório às seis horas,
e por acaso saia às cinco, tem desde logo um feriado mental e
uma coisa que parece pena de não saber o que fazer de si

Senti-me inquieto já. De repente, o silêncio deixara de
respirar.

Há dias em que cada pessoa que encontro, e, ainda mais,
as pessoas habituais do meu convívio forçado e quotidiano,
assumem aspectos de símbolos, e, ou isolados ou ligando-se,
formam uma escrita profética ou oculta, descritiva em sombras
da minha vida. O escritório torna-se-me uma página
com palavras de gente; a rua é um livro; as palavras trocadas
com os usuais, os desabituais que encontro, são dizeres para
que me falta o dicionário mas não de todo o entendimento.
Falam, exprimem, porém não é de si que falam, nem a si que
exprimem; são palavras, disse, e não mostram, deixam transparecer.
Mas, na minha visão crepuscular, só vagamente
distingo o que essas vidraças súbitas, reveladas na superfície
das coisas, admitem do interior que velam e revelam. Entendo
sem conhecimento, como um cego a quem falem de
cores.

Passam com toda
as atitudes com que se define a consciência, e não têm consciência
de nada, porque não têm consciência de ter consciência

Vai inconsciente. Vive inconsciente. Dorme, porque todos
dormimos. Toda a vida é um sonho. Ninguém sabe o que
faz, ninguém sabe o que quer, ninguém sabe o que sabe.
Dormimos a vida, eternas crianças do Destino