Coleção pessoal de alexpagli
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Chora-se sozinho, e não se sabe:
Sofre-se lindamente.
Com tal dignidade que dói em quem olha
As núpcias com a dor presente.
O olho do outro nunca é destino do olhar de fuga
Do feio, do torto, do doente
Pois estes estão sempre perdidos, pra lá da janela
Pensando em amor, engolindo a dor, silente.
O sorriso, fingido com maestria
É resposta à pergunta impertinente
Pois todo silêncio, é prece
Que se cala contente.
Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(Do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.)
Como me sinto? Como se colocassem dois olhos sobre uma mesa e dissessem a mim, a mim que sou cego: isso é aquilo que vê, essa é a matéria que vê. Toco os dois olhos sobre a mesa, lisos, tépidos ainda, arrancaram há pouco, gelatinosos, mas não vejo o ver. É assim o que sinto tentando materializar na narrativa a convulsão do meu espírito, e desbocado e cruel, manchado de tintas, essas pardas escuras do não saber dizer, tento amputado conhecer o passo, cego conhecer a luz, ausente de braços tento te abraçar.
Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.
"Perdão, eu te peço à distância, pela indigência das palavras, essas, que eu não falo e levo em mim e pouso sobre as tuas pálpebras cada vez que recostas a cabeça e fechas os olhos sem que saibas que eu te olho. Dizem coisas, essas palavras mudas, dizem teu nome entre meus lábios, adivinham tua respiração próxima ao meu rosto e o cheiro dos teus cabelos quando amanhece o dia. Falam das minhas mãos e dos teus rumos, essas palavras não-ditas, que perdem-se uns nos outros e do gosto que suspeito ter a tua língua pelo meu pescoço. Perdão, eu te peço à distância, e torço para que me surpreendas no verde amarelado da íris, instantes antes de eu deitar novamente incógnito meus segredos sobre teus olhos."
Quando o amor vacila
Eu sei que atrás deste universo de aparências,
das diferenças todas,
a esperança é preservada.
Nas xícaras sujas de ontem
o café de cada manhã é servido.
Mas existe uma palavra que não suporto ouvir,
e dela não me conformo.
Eu acredito em tudo,
mas eu quero você agora.
Eu te amo pelas tuas faltas,
pelo teu corpo marcado,
pelas tuas cicatrizes,
pelas tuas loucuras todas, minha vida.
Eu amo as tuas mãos,
mesmo que por causa delas
eu não saiba o que fazer das minhas.
Amo teu jogo triste.
As tuas roupas sujas
é aqui em casa que eu lavo.
Eu amo a tua alegria.
Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.
Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.
Eu te amo pelas crianças e futuras rugas.
Eu te amo pelas tuas ilusões perdidas
e pelos teus sonhos inúteis.
Amo teu sistema de vida e morte.
Eu te amo pelo que se repete
e que nunca é igual.
Eu te amo pelas tuas entradas,
saídas e bandeiras.
Eu te amo desde os teus pés
até o que te escapa.
Eu te amo de alma para alma.
E mais que as palavras,
ainda que seja através delas
que eu me defenda,
quando digo que te amo
mais que o silêncio dos momentos difíceis,
quando o próprio amor
vacila.
Eu te amava desde sempre nas imperfeições dos outros que não tens e nas que tens, porque em ti elas têm um outro significado, o sentido do vivo, do imperfeito, da real dimensão do humano. Te amava desde muito antes, antes de conhecer o som do teu riso, uma água que despenca do telhado num dia de chuva, antes das minhas mãos espalmadas sobre teus seios, pássaros famintos a revoar sobre campos de trigo. Te amava mesmo quando menino aprendia a ler as palavras que um dia tu me mostrarias a cor verdadeira, quando via pela primeira vez as coisas do mundo que tu reinventarias num olhar. Te amava sempre, sempre, sempre, quando ainda estavas ocupada no teu ofício de me encontrar, sem saber que me procuravas e eu ainda me ocupava em evitar que me encontrasses até que pudéssemos nos reconhecer. Te amava pelas esquinas onde não estavas, pela minha vida que ia se fazendo secretamente cada dia mais perto da tua, pelas conspirações do mundo que nos enlaçavam, nos enredavam, nos libertavam e iam nos preparando para sermos um do outro. Te amava tanto desde sempre porque já amava a mim nessa altura e aqui estavas tu, comigo, no que seríamos nós.
"Garimpo palavras aqui dentro para me fazer expressar e em algum lugar da consciência, encharcada de vontades, eu seleciono o que falar e não peneiro meu ouvir. Não quero que o medo respingue entre nós e apague a nova brasa desse incenso. Quero mais cheiro, quero calor, quero incêndio! Quero, por pouco, pouco mais do que queria querer. E isso não é capricho, é verdade pra se saber.
Pode até ser conseqüência da saudade, mas é verdade e é honesto.
É uma possibilidade da minha existência, como quem enterra o pé na areia e vai sentindo a dormência que o calor do sol intenso causa na pele disposta a arder.
É como água a quem tem sede
Como quem se rende vendo olhos verdes."
Despedida
E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.
Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.
É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
Poema de trás para frente e vice versa
Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
(Agora leia de baixo para cima. Este texto possui duas interpretações distintas conforme o fluxo da leitura)
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.
Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.
Há momentos
Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.
Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar,
porque um belo dia se morre.