Coleção pessoal de alanmottalins

Encontrados 13 pensamentos na coleção de alanmottalins

RELVA - CAPÍTULO 13

Encontramos um filhote de pássaro morto embaixo de uma árvore. Provavelmente caiu do ninho, os pais sobrevoavam cobrindo-o com folhas secas. O carinho e o cuidado dos pais é uma lição. Ninho vazio, eles ali estavam, solenemente preservando aquele que poderia ter sido um pássaro cantante, mas pelo acaso do destino, não pôde ser.
Observamos aquilo, Sara se emocionou e me abraçou.
Mesmo sendo a única certeza da vida. Não estamos preparados para a morte. Para o fim das coisas.
Lidar com a perda é algo que o ser humano aprende no curso da vida.
Aprender que nem tudo vai dar certo. Nem todas as histórias terminam com um final feliz. Nem todos os animais são sutis e afetuosos, alguns felinos logo após o parto, se afastam da sua prole e alguns até comem seus filhotes ainda vivos. Não por crueldade. Mas por instinto.
Ali abraçado com Sara, pensei nos meus pais, e o processo de separação que estão passando. Ambos estão colocando folhas soltas sobre mim, pra me proteger, sabem que não aprovo a separação, mas não posso ser egoísta e imaginar que eles precisam morrer em vida, juntos, apenas por minha causa.
Meu pai, sisudo, há anos, troca poucas palavras com minha mãe, que por sua vez, ameniza, dizendo que a vida é assim, "ruim com ele, pior sem ele" sempre diz.
Frase clichê para evitar a tempestade, como quem precisa sair na chuva, mas sabe o que guarda-chuva não aguentará o peso das águas e irá inevitavelmente se molhar.
Sara nem imaginava o que eu estava pensando, mas como se pudesse ler meus pensamentos, me disse:
- Levi, mesmo que um dia fiquemos sem assunto, nosso ninho fique vazio, eu amarei você com todo meu coração, nunca te deixarei sozinho.
- Te amo - eu disse.
Nos abraçamos forte e voltamos pra casa com passos lentos apreciando a paisagem e o canto dos pássaros.
Pássaros que não caíram do ninho. .
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 12

Minha retina conhece seus contornos, te reconheceria no escuro, sei as nuances do aroma dos seus cabelos..
.
(Não sei se escrevo isso..) .
.
Sara.. seus olhos me lembram as águas calmas do oceano, me perco dentro de mim, me encontro quando te acho
.
.
(Seria grandioso demais, talvez..)
.
Sara, quero ter você em meus braços e poder viajar pelo universo colado nos seus beijos
.
.
(Astronômico demais..)
.
.
Amor, você me tira o ar, e me devolve o oxigênio puro que eu preciso pra poder sobreviver debaixo das águas desse sentimento que nos envolve
.
.
(poético e hídrico demais...)
.
.
Sara, sua voz é a o canto que me anima e me faz querer viver mais e mais, pra poder te ver, quero te fazer feliz.. ( Simples demais... )
.
.
Difícil dizer pra quem ama, coisas simples, a gente sempre tenta enfeitar as palavras, perfumar os versos, que embora fiquem bonitos, são muito mais belos quando são sinceros
.
.
Quanta beleza existe na sinceridade, no falar simples, na espontaneidade do: gosto de vc, do não me me importo, do pode chorar, isso é normal.. ou o isso passa.. .
.
.
Sara.. só queria dizer que TE AMO, com letras maiúsculas, simples como seu sorriso, simples como seu anel de pedra azul, simples como suas tranças num dia de domingo
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 11

Finalzinho de tarde, nos encontramos no casebre.
Um local onde os pais de Sara guardam ferramentas,
um pouco distante da casa principal, gostávamos de ficar por lá
quando crianças, brincando.
.
.
Hoje, nossas brincadeiras mudaram. Sara e eu, estávamos desejosos
de um momento a sós. Depois que voltei da internação. Depois que
nos beijamos de uma forma singular e inesquecível. Depois que comecei
a enxergar e ver o quanto ela é linda. .
.
A sós. Nos beijamos. Nossas mãos tocaram um ao outro, e mesmo podendo
enxergar, fechamos os olhos. Mãos aquecidas tocando o corpo, Sara abriu
o botão da blusa, expondo seu sutiã de renda, tirei a camisa e nos abraçamos.
.
.
Mesmo vendo. De olhos fechados. .
.
Incrível como fechamos os olhos ao beijar e experimentamos a sensação
de só sentir, olhar o toque, perceber o cheiro. Enxergar a alma.
.
.
Estávamos constrangidos, sim, mas desejosos, um pelo outro.
Corações em pulos, felizes, viajando em nosso universo
.
.
Não aconteceu nada além de beijos e caricias, mas o suficiente
pra que eu soubesse; Sara é a mulher da minha vida
.
.
Eu a escolheria
de olhos fechados.
.
. .
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 10

Quando nos encontramos pela primeira vez depois da cirurgia de Levi, ele ainda de óculos escuros me olhava com tom de surpresa. Até hoje não sei se era um olhar de agrado ou decepção. Dias depois quando não precisava mais usar óculos, Levi me observava sempre como se quisesse me dizer algo. Me deixando até sem graça as vezes. Olhar de contemplação como se eu fosse um quadro estranho ou um fantasma.
.
A verdade é que se apenas olharmos, não vemos, ver, requer de fato, um senso de reflexão. Analisar o que vemos e realizarmos nossa própria leitura. De forma geral, a gente vê, o que quer ver
.
.
- Eu te amo - disse Levi. - Oi? respondi surpresa.
Levi tem esses rompantes de surpresa de vez em quando, do tipo de quem pensa alto e acaba falando o que sente.
- Isso mesmo Sara, você ouviu. Das coisas que passei a ver, depois que voltei a enxergar, você é a mais linda. Fisicamente e principalmente de alma.
.
.
Abracei o elogio e Levi com um abraço apertado. Nossos corações batiam juntos
.
.
- Te amo também Levi. Com um amor tão grande que não cabe no meu peito. - Boa Tarde crianças! - disse meu pai como um juiz de futebol interrompendo uma partida. Nos desabraçamos rápido como se tivéssemos 12 anos. Meu pai adora nos ver constrangidos, fazendo graça, é óbvio que ele sabe que eu e Levi temos uma ligação. Mas como ainda não assumimos um namoro formal, pra ele somos apenas amigos. .
.
Todo namoro começa com amizade, cumplicidade, carinho. Toda casa bem firmada é construída sobre um bom alicerce .
Quando os alicerces de uma casa se destroem, por mais bem arrumada e mobiliada, em algum momento ruirá
.
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPITULO 9

De todas cores que agora vejo, a mais bonita é o azul do peixe beta que está no aquário em meu quarto. Minha mãe a chama de Luna, embora eu ache engraçado chamar um peixe pelo nome como se fosse um gato ou um cachorro. .
Luna, tem sido minha companheira. Ela em seu aquário sob a cômoda e eu no meu aquário chamado quarto. Somos assim. Cada um de nós leva a vida semelhante ao peixe que me refiro. Temos nosso próprio habitat limitado
.
Nossas amizades aquário.
Nosso trabalho aquário.
Relacionamentos Aquário.
.
Qual de nós não conhece alguém que vive pura e simplesmente por aparência, com a vida cheia de flores de plástico, pedrinhas simulando o fundo do mar, Luna tem um boneco simulando um mergulhador soltando bolhas vinte e quatro horas sem parar. Rotina insana. Falso oxigênio. Embora mórbido. Luna parece feliz, desliza o dia inteiro pela extensão do quadrado de vidro. Vez ou outra adormece e fica em um cantinho. Logo se acende quando minúsculos grãos de atenção caem na superfície da água
.
.
Nós humanos somos assim, vivemos em nossas vidas aquário, nossas lágrimas se misturam à água do aquário cotidiano
.
Meus pais são assim, vivem uma vida de aparências, a mais de 25 anos. Me sinto culpado pela infelicidade deles. Permaneceram juntos "para-cuidar-do-filho-cego" todo esse tempo; hoje não mais. Agora que enxergo. Sou a carta de auforria dos dois. Porém algo me diz, que mesmo infelizes, eles continuarão juntos. Convivendo na mesma água. Vida de plástico, sem cor. .
.
Eu e Sara faremos um trato, de não permitir que nossa vida seja um aquário, somos peixes de oceano
.
.
Amor Oceano
.
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPITULO 8

O tempo que Levi estava internado me fez sentir tanta saudade dele. Branquelo aguado tão amado. Tudo o que faço lembrava ele. Fui para a escola todos os dias apenas meu corpo, minha mente estava no sétimo andar acima dos céus .
Céus coloridos, de quem sonha colorido, ele sempre me disse isso - Sara - Sonhe colorido o céu é seu. Otimismo é algo que ele transborda. Mesmo em meio a tantas adversidades, nunca olhou a vida com maus olhos
.
Agora ele está em recuperação e eu aqui na grama esperando o dia que ele vai poder estar comigo novamente
.
Sinto falta do som da sua voz, do cheiro de shampoo quando vem com seu cabelo molhado ligeiramente desarrumado, ostensivamente lindo
.
Sinto falta das manias, das indicações de livros, dos pensamentos tão "fora da casinha"
.
Preciso contar um segredo, e tenho certeza que ele compartilha do mesmo desejo - quero que a minha primeira vez seja com ele - ah, como eu quero. E ele também quer. Eu sei disso. .
Vamos nos preparar para que seja um momento lindo, mas não vamos apressar as coisas
.
Tempo ao tempo
.
Leve Levi
Me leve
Pra perto de ti
.
Doce perfume de Jasmim
Cantarolar de um bem te vi
Som que te traz pra mim
.
Leve Levi
Me leve
Pra perto de ti
.
.
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPITULO 7

Acompanhe a luz amarela. Tente não piscar.
Percebi a tal luz "amarela" sobrevoar meu rosto da direita para a esquerda, cima e baixo. Amarela. Depois piscando como se fosse um disco voador em inspeção. O calor da lâmpada aqueceu meu rosto. O cheiro de álcool e resto de sopa de macarrão me dá náuseas.
.
.
Após apagada a lanterna, tudo escuro novamente, mesmo estando de olhos abertos. A cirurgia não deu certo. Presumo. Talvez agora nem vultos eu veja mais. Cheiro de macarrão sem sal horrível.
.
- Levi - tudo bem? - Sim - respondi. Como se estivesse falando com um espírito.
- Aqui é o Doutor Gabriel, chefe da equipe que fez a sua cirurgia. Preciso dizer que correu tudo muito bem. No entanto veremos seu progresso nos próximos dias. Por enquanto a sala ficará a mais luz, e nós iremos aos poucos aumentar a intensidade da luz. Para não agredir sua visão. Mas posso garantir. Você já tem cem por cento de visão. Descanse e se recupere.
- Obrigado doutor - respondi com a alegria de um detento com a porta aberta à sua frente após cumprir sua pena.
.
.
Comecei a reparar alguns detalhes nítidos da sala, mesmo no escuro. Frestas de luz, sombras, até enxergar nitidamente um relógio digital, uma confusão de traços que não fazem muito sentido afinal, fui alfabetizado em braile
.
.
Levi? Estou aqui. Me assustei. Seria mais um espírito? Não. Era a voz mais doce que um favo de mel escorrido sobre torradas quentes.
Sou eu Levi. Sara. Senti seus dedos quentes me tocarem a mão fria. - Lhe disse que estaria contigo. Todos os dias. Aqui estou. Relaxe e descanse. Temos muitas coisas pra papear. .
.
Uma lágrima emergiu do meu rosto, enquanto sons de pássaros harmonizavam fora do quarto. .
Bem te vi
Bem te vi
.
.
Pareciam me dizer:
Vem Levi
Vem Levi
.
.
Por dentro respondi:
Estou indo.. estou indo. .
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPITULO 6

Fui ao oftalmologista. Parece surreal mas eu quase cego vou quase que semanalmente ao oftalmo, recebi uma notícia essa semana que me deixou com um sentimento estranho .
.
Nós nunca queremos enxergar as coisas como elas são, sempre maquiamos para que melhor nos sirva, amizades interesseiras, vizinhas fofoqueiras, palavras não ditas. Sempre fingimos não ver. Mesmo vendo. É incrível como somos capazes de negar o que está bem diante dos nossos olhos
.
.
- Sara, fui ao oftalmo ontem - diz Levi com voz cansada deitado na relva.
- Hã, e aí? Novidades? - Sim. Tenho novidades. Farei um transplante de córnea em 2 meses e após 20 dias de recuperação. Irei enxergar normalmente.
- COMO ASSIM?? VOCÊ ESTÁ FALANDO SÉRIO? Sara pula por cima da cerca e abraça Levi com um aperto que o fez rir com o susto e com a cena. - Sim, e as chances de sucesso são altas. - LEVI ISSO É MARAVILHOSO!!! - Sim, Sara também estou feliz, mas assustado também. Não sei como vou me adaptar a enxergar o mundo como ele realmente é. Igual aquele livro que te emprestei lembra? O escafandro e a borboleta. Me sinto daquele jeito, como se estivesse prestes a sair de um coma. Para uma nova realidade.
- Ah, Levi.. bobagem. Eu estarei perto de você. Te mostro esse novo velho mundo.
.
.
Sara beijou levemente o rosto de Levi que sorriu como se procurasse de onde havia vindo aquele toque sutil .
.
.
.
Como eu amo esse garoto, me dá vontade de explodir de chorar em tanta alegria ao saber que ele vai poder sair do casulo e ver o mundo. Quero estar ao lado dele em cada pôr do Sol, cada cor nova que ele descobrir. Eu estarei lá.
.
.
.
Pintamos a vida com a paleta de cores que nos dão. Busque novas cores.
.
.
.
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPITULO 5

Arethusa foi um blefe. Quando perguntei pra Sara qual seria um presente ideal, na verdade eu queria sondar e fazer um pouco de ciúmes nela. .
Bobagem, mas alguns homens fazem isso, o famoso "jogar verde" pra colher maduro. Pra saber se realmente ela está gostando na mesma intensidade. As vezes funciona, as vezes não. Mas sempre é tosco, isso é fato.
.
Sara é uma pessoa linda, quando estou ao lado dela meu mundo fica colorido, comparar ela com Arethusa foi surreal, bem mais do que presentear alguém com uma jaca.
.
.
16h12
.
.
- Desapaixonei. Diz Levi reclinado na grama ainda úmida da chuva no dia anterior
- Da professora?
- Sim.
- Que bom Levi, você realmente não combina com ela. - Ah, Sara, somos cheios de amores improváveis, platônicos. - Sim, a gente se apaixona pela lua, de longe, ou pelas estrelas só pelo brilho.
- E o brilho da estrela é só o passado, sempre que vemos brilho, contemplamos o passado, pois elas estão tão distantes que o que enxergamos é a luz do que um dia ela foi. A maioria não existe mais.
- Levi, se a gente for pensar tudo é efêmero mesmo. Só não meu amor por você.
Levi mexeu sua cabeça na direção de Sara tentando enxergar e acreditar no que tinha ouvido, seu coração batia tão forte que ficou com medo que ela ouvisse os tambores dentro do seu tórax - Sara? Repete por favor
- Levi não vou repetir nada
- Você ouve bem até demais - disse ela - escorrendo a mão pela grama entre a cerca até tocar os dedos de Levi. Sara tinha unhas pintadas de preto, contrastando a pele branca leite, não mais branca que a pele albina de Levi. Agora pálido pela declaração.
- Ambos apertaram a mãos antes frias agora aquecendo a ponta dos dedos como um cobertor quente em dia de inverno. O coração de Levi volta ao normal, o de Sara se enche de ar. Ambos deitados na grama apenas ouvem o som das folhas e dos pássaros. Um fragmento bom de uma vida em paz. Juntos ali em seu universo particular
.
Levi pensa que acreditei na história da paixão pela Arethusa. Bobo. Eu sei que estamos ligados. .
Nossa vida é assim.
Dias de chuva.
Dias de sol.
.
Aproveitemos o hoje
Só temos ele
O eterno, agora.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 4

Quando escrevo, meu pensamento voa, me deixo guiar pelo vento interior, desembaralhando as letras colocando cada uma no lugar que melhor lhe cabem naquele dia
.
.
Meus pensamentos inquietos resvalam em dúvidas internas, esbarram em conflitos até colidirem em cheio com minha vontade de voar, vontade essa que percorre meu corpo até a ponta dos meus dedos escorrendo a tinta sobre a folha de caderno velho .
.
16h44
.
.
Hoje está chovendo, não irei encontrar Levi na cerca que divide nossas fazendas. Combinamos que sempre que houvesse chuva, iríamos procurar algo novo pra fazer e compartilhar no dia seguinte .
Resolvi escrever sobre algo que vi
.
.
.
Leve
em um bater de asas inquietas
sobrevoa o jardim
como um peixe livre
mergulhada em um oceano ar
.
Leve
solta ao vento, linda e frágil
assim como nossa vida é
voa ágil entre as folhas
nas asas pólen e esperança .
.
Leve
pousa em flores
sob o som
de todas as marchas
as nupciais e as fúnebres
Sempre está lá.. .
.
.
Leve
borboleta amarela
Leve
carregue até ele
meu desejo embuçado
Não te falte coragem
para pousar
entre meus dedos ou
nas costas do Leão Branco
.
.
Leve
minhas letras
Leves
.
.
Leve meu recado
através da brisa leve .
.
.
Levi pensa que não sei que ele é apaixonado por mim, eu também sou por ele, mas temos medo de assumirmos a acabarmos até com nossa amizade.
Infelizmente quando relacionamentos acabam ambos querem se afastar e até se tornam inimigos, não quero isso com Levi. Se for pra acabar nossa amizade. Nunca iremos namorar
.
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 3

Quando perdemos o básico, então valorizamos o mínimo, quando não temos nada, qualquer coisa é muito .
.
Só percebemos o ar, na falta dele, percebemos a importância da luz do sol, quando caminhamos em uma estrada na madrugada, a ausência nos amplia a visão .
.
Assim como a falta de luz nos cega, o excesso também. As vezes as coisas estão tão claras que fica difícil de enxergar o óbvio .
.
15h59
.
.
- O que você tanto escreve nesse livro, Sara? - Poemas, poesias e letras vazias -responde ela.
- Aposto que são cartas de amor.
- Não deixam de ser.. - Lê uma poesia pra mim.
- Nunquinha Levi, nunquinha
- Sara, que bobagem. São apenas 26 letras organizadas da forma que você quer. Escrita é isso. Apenas isso. - Sim, mas derramo meu coração nessas letras, tem meu perfume nelas. Um dia leio algo pra você.
- Hum, vou esperar então.
.
.
Você percebeu que hoje o dia está mais úmido? Acho que vai chover - diz Levi fechando os olhos sentindo o cheiro do ar. O barulho do vento entre as folhas está diferente
.
.
Muitas vezes na nossa vida somos avisados pelo perfume do destino sobre o que vem pela frente, nós não damos valor e perdemos as oportunidades de nos preparar
.
.
- Preciso sair do sol
- Mas já Levi? - Sim. Vou lá, diz ele, batendo as mãos na bermuda cheia de folhas - Vou ficar aqui mais um pouquinho - diz Sara
- Até.
- Até..
.
.
.
Sara observava Levi voltando pra casa alegre e feliz apesar de tantas circunstâncias difíceis, uma borboleta amarela o seguia, como que guiada por ele
.
.
.
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 2

Ter deficiência visual nos coloca em situações engraçadas, muitas pessoas acreditam que não estamos percebendo o que está ao nosso redor, mas ninguém imagina que não enxergo mas ouço dez vezes mais que os outros, então, os cochichos, as pausas na fala, a velocidade e a entonação da voz tomam forma
.
Dificilmente erro ao apontar que alguém está mentindo, seja por excesso de detalhes nas historias ou pela falta dos mesmos, sempre percebo a estrelinha, toda história tem um perfume, e muitas não cheiram bem como parece
.
16h12
.
- O que eu deveria dar para uma mulher se estivesse apaixonado?
- Sei lá, Levi.. algo bonito, que você goste muito? - Tipo uma Jaca?
- Que mulher gostaria de receber uma Jaca de presente? Diz Sara em um tom cansado debochado - Você está apaixonado Levi? Impressão minha? - Acho que estou ficando.
- Por quem?
- Arethusa.
Sara se ergue em tom de surpresa sob a grama verde. - A professora de Arte? Levi. Ela tem pelo menos o dobro da sua idade. É linda. Admito. Mas jamais ficaria com você.
- Ficaria sim. Uma jaca encantada e ela seria minha para sempre. Eles riem.
- Sara, ela é a única que me trata como alguém normal. A maioria dos professores falam comigo como se eu tivesse problema mental, sendo extremamente didático. Acho isso péssimo. Dia desses Arethusa chegou perto de mim e percebi o cheiro do cabelo dela. Parecia amêndoas e baunilha. Desde então sempre que ela está próxima eu reconheço e meu coração dispara.
- Levi, você está se iludindo. Ela não te quer. Nem você, nem a jaca.
- Sara, um homem que ama uma mulher sente isso de longe. O cheiro do cabelo dela deve ser reconhecido e admirado. Pode ser um amor platônico. Sim. Mas tenho direito de sonhar. Não? Sou praticamente cego, e é no escuro da alma que nossos sonhos mais íntimos se realizam
.
.
.
.
Sara imagina que tenho dez por cento de visão, devo ter bem menos, nunca disse isso à ela, provavelmente eu perca toda a visão em um ano. Vejo tudo em vultos. Vejo a vida em silhuetas. Sei que Sara tem cabelos castanhos e a minha altura. Não mais que isso. Mas sei que os lábios dela são doces como uma romã madura.
.
Imagina como? .
.
.
CONTINUA

RELVA - CAPÍTULO 1

O cheiro da relva tem sido testemunha dos meus maiores segredos, a grama rasteira palco para minhas confusões e confissões, tenho compartilhado com meu amigo, Levi, minhas angústias
.
Nos encontramos todo final de tarde na cerca de nossas fazendas, somos vizinhos. Aqui no interior não se tem muito o que fazer além de ir pra escola pela manhã e tentar ser útil pela tarde
.
Meus pais apesar de não aprovarem muito minha amizade com alguém do sexo oposto, não veem problemas maiores entre eu e Levi, pelo fato de termos a cerca de nossas propriedades nos separando e pelo fato dele ter deficiência visual
.
Ele nasceu com albinismo, só enxerga dez por cento em cada olho, além de um branquelo super gatinho é um rapaz mega inteligente, meio pessimista as vezes mas ele é legal
.
15h42
.
- Você me acha bonita? - Te acho jeitosinha, Sara.
- Não vale, você nem enxerga direito.
- Enxergo o suficiente pra saber que aparência física não é o que define alguém bonita ou não, responde ele.
- Eu não tenho peito nem bunda.
- Sara, você tem peito sim, quando realmente precisar usá-los para amamentar, a natureza se encarregará de deixá-los enormes, e quanto à sua bunda, você tem carne suficiente pra amortecer sua queda caso caia de um cavalo. Relaxe com isso.
- Estou cansada, Levi. Os meninos só olham para as meninas com peitos e bundas grandes.
- Sara, você é linda. Tem dentro do peito algo que te faz a mais linda de todas.
.
Um bom homem vai saber admirar o seus atributos internos.
.
.
Quando eu perder toda a minha visão, terei de escolher uma companheira sem a ver de fato. Missão difícil a minha não? .
Será que vou conseguir fazer sexo antes de perder toda a visão? Levi pergunta lançando um pequeno galho entre a fresta da cerca
.
Ah, sei lá. Acho que sim, retruca Sara deitada de olhos fechados na relva .
O bom que é que pouca diferença vai ter de um casal normal, afinal, a maioria transa no escuro
.
Hahaha - ambos riem.
.
Levi, você não existe.
Sara você tem cheiro de leite. .
Saraaaa!!! Ouve-se o grito de longe vindo do casarão da fazenda .
- Preciso ir.
- Eu também.
.
- Se cuida.
- Até.
.
.
.
.