Clarice Lispector Viver
O horrível dever é ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver a própria realidade. Descobrir a verdade. (...) Pois não posso mais carregar as dores do mundo.
Viver é o meu código e o meu enigma. E quando eu morrer serei para os outros um código e um enigma.
Despenhadeiros.
Eu não sabia que o perigo é o que torna preciosa a vida.
A morte é o perigo constante da vida.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo.
Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? E a resposta é: não é só isto, é exatamente isto.
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz.
O tempo corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se esta minha vida fosse eterna.
Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.
Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal.
O futuro é meu enquanto eu viver.
Sim, descobriu divertida... Por que não? Por que não tentar amar? Por que não tentar viver?
É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?
Procuro me manter isolada contra a agonia de viver dos outros.
Vou perder o resto do medo do mau gosto, vou começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.
Sinto que viver é inevitável.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?
Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de... de viver sem fatos? de viver. Cumpri cedo os deveres de meus sentidos, tive cedo e rapidamente dores e alegrias – para ficar depressa livre do meu destino humano menor? e ficar livre para buscar a minha tragédia.
Está faltando o sonho no que eu escrevo. Como viver é secreto! Meu segredo é a vida. Eu não conto a ninguém que estou viva.
Viver é extremamente tolerável, viver ocupa e distrai, viver faz rir.
E então eu soube: pertencer é viver.