Clarice Lispector Vida
Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado.
Que é que eu faço, é de noite e eu estou viva. Estar viva está me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro.
Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água.
Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela.
Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem; e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível.
Essa noite – de ventania – sonhei um sonho tão gratificante. Era um menino de 14 anos e uma menina de 13 que corriam um atrás do outro, se escondendo atrás de árvores, e às gargalhadas, brincando. E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar.
Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Se eu tivesse que dar um título à minha vida seria: à procura da própria coisa.
Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor.
Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas – porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste.
A vida é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte.
A minha própria vida tem enredo verdadeiro. Seria a história da casca de uma árvore e não da árvore.
Uma vida é curta: mas, se cortarmos os seus pedaços mortos, curtíssima fica ela.
Vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer. Morrer é ininterrupto. Mas ver matéria inerte lentamente tentar se erguer como um grande morto-vivo... Ver a esperança me aterrorizava, ver a vida me embrulhava o estômago.
Acontece que sou tão ávida da vida, tanto quero dela e aproveito-a tanto e tudo é tanto – que me torno imoral. Isso mesmo: sou imoral.
Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida.
Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida.