Clarice Lispector Solidão
Estou cansada de pessoas e sozinha me aborreço. Eu mesma não sei o que quero.
Quando eu ficava sozinha não havia uma queda, havia apenas um grau a menos daquilo que eu era com os outros, e isso sempre foi a minha naturalidade e a minha saúde.
Vou fazer um pedido para vocês: todas as vezes que vocês sentirem solitários, isto é, sozinhos, procurem uma pessoa para conversar. Escolham uma pessoa grande que seja muito boa para crianças e que entenda que às vezes um menino ou uma menina estão sofrendo.
De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom – como um estremecimento apenas perceptível de alma – um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída.
Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo.
Se eu ficar sozinha demais procurarei o nosso Consulado. Para rever brasileiros e poder de novo usar a nossa difícil língua. Difícil mas fascinante. Sobretudo para se escrever. Asseguro-vos que não é fácil escrever em português: é uma língua pouco trabalhada pelo pensamento e o resultado é pouca maleabilidade para exprimir os delicados estados do ser humano.
Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente – como em dores de parto – e vi que a menina em mim estava morrendo.