Clarice Lispector Liberdade
Brasília (...) Uma prisão ao ar livre.
– Ela é tão livre que um dia será presa.
– Presa por quê?
– Por excesso de liberdade.
– Mas essa liberdade é inocente?
– É. Até mesmo ingênua.
– Então por que a prisão?
– Porque a liberdade ofende.
Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.
E, antes de aprender a ser livre, eu aguentava – só para não ser livre.
Por que é que um cão é tão livre? Porque ele é o mistério vivo que não se indaga.
É determinismo, sim. Mas seguindo o próprio determinismo é que se é livre. Prisão seria seguir um destino que não fosse o próprio. Há uma grande liberdade em se ter um destino. Este é o nosso livre-arbítrio.
Preciso ser livre - não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto.
Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como
aviso de que somos livres.
A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.
Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma.
E, livre, nem ela mesma sabia o que pensava.
Estou cada vez mais viva, soube vagamente. Começou a correr. Estava subitamente mais livre, com mais raiva de tudo, sentiu triunfante. No entanto não era raiva, mas amor. Amor tão forte que só esgotava sua paixão na força do ódio.
Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais livre somente por não recear mais a falta de estética...
Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.
Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo como profunda forma de te atingir. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado.
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.
Com uma amiga chegamos a um tal ponto de simplicidade ou liberdade que às vezes eu telefono e ela responde: não estou com vontade de falar. Então eu digo até logo e vou fazer outra coisa.
Está fazendo um dia lindo de outono. A praia estava cheia de um vento bom, de uma liberdade. E eu estava só. E naqueles momentos não precisava de ninguém. Preciso aprender a não precisar de ninguém. É difícil, porque preciso repartir com alguém o que sinto. O mar estava calmo. Eu também. Mas à espreita, em suspeita. Como se essa calma não pudesse durar. Algo está sempre por acontecer. O imprevisto me fascina.
Ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem.
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