Citações de Clarice Lispector
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza.
Se sou um escritor há muito tempo, só posso dizer quanto mais se escreve mais difícil é escrever.
Sou imatura bastante para não suportar bem um prazer frustrado.
Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida.
Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha.
Os suicidas muitas vezes se matam porque têm medo de morrer. Não suportam a tensão crescente da vida e da espera do pior – e se matam para se verem livres da ameaça.
Parece que esperança não tem olhos (...), é guiada pelas antenas.
Só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser matéria d’Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade.
O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.
Através de meus graves erros – que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles – é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.
Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
Nada escapa à perfeição das coisas, é essa a história de tudo. Mas isso não explica por que eu me emociono quando Otávio tosse e põe a mão no peito, assim. Ou senão quando fuma, e a cinza cai no seu bigode, sem que ele note. Ah, piedade é o que sinto então. Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo. Piedade das coisas que acontecem sem que eu saiba.
Era cruel o que fazia consigo própria: aproveitar que estava em carne viva para se conhecer melhor, já que a ferida estava aberta.
E eis-me aqui dura e silenciosa e heroica. Sem menina dentro de mim.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal.
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.