Citações de Clarice Lispector

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Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa a mais preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem, pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usufruía de tudo, da arduamente conseguida solidão, do rádio de pilha tocando o mais alto possível, da vastidão do quarto sem as Marias. Arrumou, como pedido de favor, um pouco de café solúvel com a dona dos quartos, e, ainda como favor, pediu-lhe água fervendo, tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou. Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter tédio — um tédio até muito distinto.

Clarice Lispector

Nota: Nota feita pela própria Clarice no 117º parágrafo do livro "A hora da estrela".

O telefone não toca. Dói. Mas é Deus que me poupa.

Clarice Lispector
Todos os Contos. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

Nota: Trecho do conto Brasília.

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Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chama talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica A surpresa.

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Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Sei que o que escrevo aqui
não se pode chamar de
crônica nem de coluna nem
de artigo. Mas sei que hoje é
um grito. Um grito! de
cansaço. Estou cansada! É
óbvio que o meu amor pelo
mundo nunca impediu
guerras e mortes. Amar
nunca impediu que por
dentro eu chorasse lágrimas
de sangue. Nem impediu
separações mortais. Filhos
dão muita alegria. Mas
também tenho dores de parto
todos os dias. O mundo
falhou pra mim, eu falhei
para o mundo. Portanto não
quero mais amar. O que me
resta? Viver automaticamente
até que a morte natural
chegue. Mas sei que não
posso viver automaticamente:
preciso de amparo e é do
amparo do amor.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O grito.

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Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

(...) às vezes me parece que estou perdendo tempo, às vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

As boas maneiras são a melhor herança.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

E só estou triste hoje porque estou cansada.

Clarice Lispector
Clarice Lispector em entrevista concedida ao repórter Júlio Lerner, na TV Cultura, em 1977.

Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector

Nota: Trecho adaptado do livro "Um sopro de vida".

Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O “amar os outros” é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica As três experiências.

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Fico com medo de me afastar da Ordem e cair no abismo povoado de gritos: o Inferno da liberdade. Mas continuarei.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Ângela é doida. Mas tem uma lógica matemática na sua aparente doidice. E se diverte muito, a escandalosa. Aguça-se demais e depois não sabe o que fazer de si. Que se dane. Entre o “sim” e o “não” só há um caminho: escolher. Ângela escolheu “sim”. Ela é tão livre que um dia será presa. “Presa por quê?” “Por excesso de liberdade”. “Mas essa liberdade é inocente?” “É”. “Até mesmo ingênua”. “Então por que a prisão”? “Porque a liberdade ofende”.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Vou me acrescentando em folhas.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.

Abro o jogo! Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.

Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves.
Por favor me poupem.

Clarice Lispector

Nota: Os dois primeiros pensamentos pertencem ao livro "Água Viva" (1998). O terceiro é um trecho do conto Brasília, presente no livro "Todos os Contos" (2016).

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Ele disse: não chore que chorar enfraquece. Eu disse: mas às vezes é como a chuva de que se precisa quando tem estiagem demais e tudo fica muito seco.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Um instante fugaz.

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Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Nota: Trecho do conto Tentação.

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