Citações de Clarice Lispector
Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.
Somente uma coisa me faria bem agora. Seria adormecer com a cabeça no seu colo, você me dizendo bobagenzinhas gostosas pra eu esquecer a ruindade do mundo.
Eu também não sei não pensar. Acontece sem esforço. Só é difícil quando procuro obter essa escuridão silenciosa. Quando estou distraído, caio na sombra e no oco e no doce macio nada-de-mim.
Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.
E todos os dias ficarei tão alegre que incomodarei os outros.
O verão está instalado no meu coração.
Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? esgotaram-se os significados.
E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.
Nota: Trecho da crônica As crianças chatas.
...MaisMistérios de um sono
Estou dormindo. E embora pareça contradição, suavemente de repente o prazer de estar dormindo me acorda num sobressalto também suave. Estou acordada e ainda sinto o gosto daquela zona rural onde subsolarmente eu espalhava de minhas raízes os tentáculos de um sonho.
Não acusar-me. Buscar a base do egoísmo: tudo o que não sou não pode me interessar, há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente –; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo; se a civilização dos Maias não me interessa é porque nada tenho dentro de mim que se possa unir aos seus baixos-relevos; aceito tudo o que vem de mim porque não tenho conhecimento das causas e é possível que esteja pisando no vital sem saber; é essa a minha maior humildade, adivinhava ela.
Andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos.
Não, não quero mais gostar de ninguém porque dói. Não suporto mais nenhuma morte de ninguém que me é caro.
Meu mundo é feito de pessoas que são as minhas - e eu não posso perdê-las sem me perder.
Quando de noite ele me chamar para a atração do inferno, irei. Desço como um gato pelos telhados. Ninguém sabe, ninguém vê. Só os cães ladram pressentindo o sobrenatural.
Se me abandonar, ainda vivo um pouco, o tempo que um passarinho fica no ar sem bater asas, depois caio, caio e morro.
Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Saber desistir. Abandonar ou não abandonar – esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando.
Pois há um tempo de rosas, outro de melões, e não comereis morangos senão na época de morangos.