Cidadão
Não tente fazer o que é diário se tornar temporal, pois a porção diária é mais eficaz que uma grande porção de tempos em tempos.
Apesar de tudo, mantenha-se inabalável em justiça, paciência e honestidade, pois a única paz absoluta é o sono sem dívidas morais.
NOITE DE NATAL
Quando o barulho cessa,
o vazio existencial ecoa.
É no cerne do calabouço,
que é nossa mente,
que se processam as angústias,
mágoas, dores e dissabores.
Na noite de Natal,
geralmente abastecida
e com muitas cores,
sorrimos, abraçamos e comemos.
Mas depois de tudo,
o vazio se aprofunda.
Não há intrépida
adoração ou exaltação
que consiga parar
essa madrugada de reflexão.
É com quem você escolhe se deitar
que vai definir suas razões
para, então, continuar.
SOBRE PAGAR
"Aqui se faz, aqui se paga"
dizem alguns e, nos últimos tempos,
também venho crendo nisso.
Não muito, pois sou existencialista,
mas o suficiente para achar
que todos os pisões que estou levando
na vida em geral e no amor
são resultados da dívida do passado,
de um comportamento nefasto,
negligente e abusador.
Quisera eu que isso cesse.
Sempre me pergunto:
quando vou me dar bem no amor?
Só quero paz, um abraço quente
e alguém pra sentir o calor.
Mas nessa imensidão da minha dívida
acho que há justiça no cobrar.
Pois em Cristo, meu Redentor,
eu todo posso suportar
e, melhor ainda,
ver o Amor me transformar.
ÁLCOOL
Ela bebia, tinha vida social,
muitas ligações, convites e opções.
Ela era progressista,
antirracista e feminista.
Por um segundo quase eterno
pairou um silêncio de espanto
assim que ela me perguntou
se eu havia bebido ou bebia.
Pra ela foi choque, talvez a sentença:
eu não tinha essa compatibilidade
e talvez pra ela fosse muito importante.
Não sei, mas sinto que as coisas mudaram
e eu gostaria de saber
em que parte eu tenho dificuldades
de aceitar que ela não me quer.
Talvez encontrando motivos
que nem sequer existem
ou encontrando valores que
nem ela declarou ter.
Será que o álcool nos separa?
Foi a pergunta que comecei a fazer.
É estranho, mas não deveria ser.
CURRÍCULO
Num dos dias de nosso cursinho
- esse foi o nome carinhoso que ela deu -
passamos pelo meu currículo
e ela, então, se impressionou.
Ah, quão doce seria
se por currículos, meros currículos,
tivéssemos chances no amor.
Eu continuaria a estudar
e de tudo participaria
para me qualificar àquele bom amor.
Mas fico pensando:
se não vale para o amor,
é muito idiota, é tosco.
Mas no final desse exercício,
esqueço-me dessa incompreensão.
Sei, sim, que encontrarei
a rainha do meu coração.
Espero do currículo dela,
disponibilidade para amar
e para uma carreira crescente
de cogestão do nosso amor.
TERAPIA
Ela me mandou
voltar à terapia
só porque um dia
se assustou com toda
a conversa que tinha.
O que ela não sabia
era o quão terapêutico
é, justamente, ter ela ali,
sempre, todo dia.
Ela me estressa às vezes
e isso é um bom sinal.
Ela me tira sorrisos
e me faz perder o juízo,
eis outro bom sinal.
Nessa coisa de tantos bons sinais
surge um não tão bom assim:
é hora de voltar à terapia
para tratar de mais uma paixão
que aqui dentro encontrou espaço,
mas nem folheada a outro
terá resposta positiva pra mim.
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