Cerrado
Farnel
A existência é um caracol
De curvas e lombadas
Tem o breu da lua e o brilho do sol
Sobe e desce e algumas paradas
E nestes altos e baixos
Deparamos com nossas caminhadas
Altivos e cabisbaixos
Tentando superar as escadas
O que não se pode perder no cordel
Neste emaranhado fio da meada
É de ter genuíno amor no farnel
Luciano Spagnol
Hesitas
Quando é, dormindo, será dia?
Quando é, noite, serei recordação?
Eu alma, a minha alma, fria
Alheio o pulsar do coração
Não sei, nada sei desta arrelia
Ou se despertarei da escuridão
Onde terá sol, ou terá só magia
E se assim, acordado, serei são
Planeja o tempo, o fado em parceria
Passará a dúvida, serei oração
E nesta angústia que me agonia
Serei curiosidade sem revelação
E na velocidade vem a vida, ironia
Descendo as ladeiras da vitalidade
Inspirando hesitas na minha poesia
De uma única certeza, um dia. Sem ser brevidade!
Luciano Spagnol
Mais um outono
Mais um outono aos amuos do vento
Desarraigando as folhas num valsar
De alento, saudade ou desalento
Que vão pelo umedecido e cinzento ar
Em pares, grupos ou solitárias
Vão se acomodando pelo chão
Em lentas e calmas romarias
Com doridas vozes em oração
Nos galhos os abraços dos ninhos
Acariciados pelos redemoinhos
Ali ficam poeirados e agarradinhos
As folhas são barcos nas corredeiras
Nos charcos descansam nas beiras
O outono costurando suas algibeiras
Luciano Spagnol
Me Deixem Chorar...
Quero uma fatia do tempo
Tirar a alma do relento
Assim o desacontecimento
Ter sentido, ter alento
E então descansar
Vendo o minuto passar
Com razão e oportunidade
Ter nova felicidade
Neste peso no coração
Sem que nada me peçam
Ou que seja em vão
Quero prantear livremente
O gemido triste ou contente
E se a dor me invadir totalmente
Que venha sem culpa ou penitência
Tirar a moral da aparência
Pois é minha e é única
E vestir o desejo com a túnica
Da superação, e ser compreendido
E não ter que ser corrompido
Mesmo que não saiba lidar com ela
Pois o novo dói sim, quero abrir a janela
E gritar ao mundo: - Sou livre! - Posso!
A vida não é um negócio...
Vou secar a lágrima e ir à luta outra vez
Quero ressurgir mais forte, ter mais lucidez
E no ato de tentar e tentar
Na fragilidade humana
Peço que me deixem chorar.
Luciano Spagnol
O tempo e eu
Tudo se tornou tão conciso
O tempo pequeno
O sonho que preciso
Um aceno...
Tudo tão distante, indeciso
Passando tão rapidamente
Meus velhos amigos, indiviso
Os cabelos brancos comumente
Eu ali diante do tempo, sem opção
Que passa velozmente, outrora recente
Aquele tempo cheio de porção
Que aos olhos era lentamente
E livre de pensamentos o coração
Abruptamente
Calcei a meninice de pés no chão
Que ficou no passado
Trancado pelo tempo o portão
Vai em frente
Diz com decisão
Friamente
Quando de repente lágrimas de emoção
Escrevem palavras de lembranças
Retratando a casa da vovó, paixão
O tempo agora, confiança
Já é tão sucinto
Mas com esperança
Acumulado no recinto
Da aliança
Do tempo e o aprender
A ter fé, nesta real dança
De que ser feliz é amar no viver.
Luciano Spagnol
A alma do vinho
Na garrafa a alma do vinho arrolhada
Transpassa o desejo de degustação
Quer mais que goles na madrugada
Quer ser lacre no fado da emoção
Bem se sabe o deleite que seduz
São néctar as papilas de puro prazer
Dando coragem que nos conduz
Nos vestindo de abrasante ser
Fogueada face em plena amiga rodada
Escorre no cristal num balé aromatizado
Estirpe que nos lábios tem elegância atracada
Que faz do espírito um eterno apaixonado
Oh! Prisioneiro do cárcere de vidro
Tu libertas o meu poetar a chilrear
Em leveduras dos amores contidos
Velho e bom amigo que vem consolar.
Luciano Spagnol
Ponto
No caminho pedras e trilho
Guiando no carril de ferro
Os fados de um andarilho
Entre planícies e cerro
Num misto de estampilho
De silêncio e de berro
Desencontros e amores
Nascimento e enterro
Constrói-se os valores
As flores, acerto e erro
De aprendizes prescritores
De vírgula, reticência
Da vida, e no fim o ponto
Cerrando a diligência
Encerrando o conto
Luciano Spagnol
Tento... Tento... Tento...
Às vezes com, as vezes sem alento
Acerto, erro, sustento
Nem sempre com advento
Mas sedento de crescimento
Afinal a vida é dos de talento
Assim invento
Rápido ou lento
Sou rebento
No amor acrescento
Na vida contento
Tento... Tento... Tento.
Luciano Spagnol
Ruminar
O início terá meio e fim
O ontem, foi hoje e passou
E assim,
O fado traçado caminha, caminhou
Em suas alternativas
Nada ou muito nos deixou
Antes de tudo são apenas: planos, sonhos e expectativas...
Luciano Spagnol
O silêncio da alma
Escondido nos segredos do coração
A doce melodia de silenciosa canção
Se escuta na arte da contemplação
Apagando os sons do tempo, da vida
Nos transportando além da tranquilidade
Adormecendo a dor de uma partida
E o sossego da felicidade...
Quando se alcança esta harmonia
Tudo se completa, tudo é alegria
É beleza na diversidade do amor
E sabedoria no perfume de uma flor
Num maná oferecido ao espírito
De bênçãos quem vem a ti
Pelas mãos do Criador, que não exclui
Dando mais energia a emoção
E mais paixão a respiração
Pois somos tudo num só e nada num todo
O bem e mau que inquieta e acalma
Nodoados no silêncio da alma...
(Questão de escolha... Opção!)
Luciano Spagnol
Analogia
Quando o olhar fala
A alma por todo cala
O corpo se veste de alegria
O abraço em laço irradia
Nos fazendo melhores
Imperfeitos e maiores
É o amor em sintonia
Como em uma poesia
Luciano Spagnol
Bloco da saudade
Lá vai o tempo, lá vai
Na mão confete e serpentina
Junto a nostalgia com ele sai
Vão os pierrôs e colombianas
De mãos dadas pela cidade
É bloco, vai menino vai menina
Um dia de folião, outro saudade
Agora olheiro... Vai também o amor
Pelas ladeiras da mocidade
Se perde, se acha, puro suor
Toca o agogô, cuíca, berimbau
Peço passagem ao condutor
Quarta feira não é mais o final
Já passou, passou minha folia de carnaval
Luciano Spagnol
A Sagrada Arte do Ikebana
A flor arrumada
Em ordem e respeito
Faz da arte sagrada
Repousar-se no leito
De uma poesia calada
Nas mãos do eleito...
Que é dos deuses maná
Em refletir o sentimento
Da pessoa que o vivificá
Luciano Spagnol
VETUSTO.
É ali, é lá, acolá, é cá
O tempo nunca foi planejar
É solto no ar, é patuá
Corre pra todos no pedalar
Por obediência o seguimos
E ele sem rima é caminhar
E neste túnel submergimos
Da ingenuidade a vetustez
Um dia aqui outro partimos
A certeza que temos, nossa vez
Nos tornamos memórias
Somos enroupados e nudez...
Luciano Spagnol
Se fala tanto em tempo
Como se o tempo fosse cura
Como se fosse uma estrutura
Alterável e não mutável como é
Pois ele devasta, afasta e avança
Tem pressa, se torna lembrança
Num piscar de olhos é só recordação
Então tenha no tempo mais emoção
E neste tempo para tudo
Use o amor como escudo
Luciano Spagnol
Balanço
Um dia se aprende a achar
No outro sabe como é perder
Um dia o silêncio põe a falar
No outro como é escolher
É o fado nos ensinando a caminhar
Nos fazendo dar e receber
E a entender que o que vale é amar...
No balanço do nosso viver!
Luciano Spagnol
A saudade está impressa
Nas lembranças do mar
A vida com a sua pressa
As levou do meu sonhar
As trouxe cá pro cerrado
Estribou no galho torto
O fado pelo fado versado
Fazendo aqui de meu porto
Luciano Spagnol
Abraço
Dos gestos o mais lido é o abraço
Envolvem a alma em laço
Tem amarração e proteção
Embrulha o corpo de carinho
Nos braços tecem o ninho
Do bem querer, do bem receber
De coração a coração, afeto no viver!
Luciano Spagnol
Tristura
Eu estava a chorar
E na tristura e lágrimas
Pus a alma a pensar
Das angústias e lástimas
E nesta sumarenta dor
Escorrendo em desestimas
O que me alentou foi o amor
Luciano Spagnol
Manifesto
Então soletre-me atentamente
Cada letra o som do meu olhar
Leia-me e guarde mentalmente
Estes versos que querem amar
Por eles os faço solenemente
Luciano Spagnol