Cerrado
O ipê florado no cerrado
Orvalhado, é um aparato
Um alvorecer encantado...
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
Abril - Cerrado goiano
CERRADO E EU
Céu, vastidão e ventos, encanto dispersos
Pequizeiros, buritis, campinas verdejantes
Sertão de cascalhos, fontes borbulhantes
Lenhosos grossos, galhos tortos diversos
Fascínio e graça. Místicos antros imersos
Gramínea, ipês floridos, relvas rastejantes
Abundante é a fauna, cristais coruscantes
E vós, cerrado, que velais os meus versos
Cá estou tomado, e então te faço saber:
Saudade eu senti, e não posso esconder
O tal sofrer que na saudade é sem fim...
Cá estou, e suplico, ao extenso horizonte
As cachoeiras, o entardecer no desponte,
Que te conte: - sempre estiveste em mim!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
06 de maio, 2021, 09’22” – Araguari, MG
REPICAR
E os sinos dobram com melancolia
Na tarde do cerrado, triste sensação
E outras tristezas, aquela contrição
Hórrido vão que o pôr do sol esfia
O aperto na alma, a sombria poesia
Vazia, sem qualquer uma inspiração
Ao canto do entardecer, fria canção
Brandindo solitária emoção gentia
Dobram, e dobram. Saudade e prece
Funéreo sentir que nem mesmo sei
Donde vem, e pra onde então finda
E eles choram a sofrência que tece
As mágoas que na desilusão eu hei
Dando ao repicar mais tritura ainda!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
Maio, 13, 2021, 20’09” – Araguari, MG
REPOUSAR DO CERRADO
Em redor do cerrado brinca o encantado
Alegre, vário, lindo, folgazão, divertido
Aguardando o ir do sol no céu abrasado
No entardecer, no horizonte escondido
No cenário rubro, do belo arrebanhado
Murmura o fascínio poesias ao ouvido
Prosando o sentimento tão acalentado
Em um mistério, sem qualquer ruído...
Obriga então o planalto altivo e airoso
A desfazer-se em penumbra caprichosa
Pra as estrelas surgirem em convulsões
E no cerrado o fulgor esvai melancólico
Escorrendo na imensidão tão anabólico
Em sensação, também, cheio de ilusões
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
20 maio, 2021, 06'10" – Araguari, MG
MADUREIRA
Minha Madureira, além cerrado, lamento
Tê-la deixado, no passado, saudade havia
Em cada ideia, indo mais longe a cada dia
Silêncio, falta do agito, penoso detrimento
Para ti, então, voltar não mais alimento
Nem nos sonhos, nem na ávida fantasia
Certo de contar é envelhecer na agonia
Que há de trovar memória e sofrimento
De toda a dor, pudera eu em ti caminhar
Olhar, estar e sentir o movimento, enfim
Esperar é navegar na ilusão, eu bem sei
Porque por não te ver é que vivo a poetar
E nem a poesia é um conforto para mim
Pois, por tuas ruas, julgo, não mais andarei...
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
21 maio, 2021, 15'15" – Araguari, MG
CERRADO, da sua maneira
O belo dentro do cerrado perfumado
Canta o vento andante, canta, alheio
Entre tortos galhos, lá, bem no meio
Do sertão duro, ressequido e areado
E de encanto teus arbustos é armado
Gorjeia a vida, pulsa, do vário cheio
De uma imensidão o planalto adveio
É diversidade no cenário cascalhado
Da mesma beleza a variação do prado
Floresce o ipê, quaresmeira e lobeira
Desenhando as fronteiras do cerrado
Chove, seca, trovoa, a brenha inteira
É o agreste no seu santo apostolado
Encantado, imenso, da sua maneira...
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
2021 maio, 24, 05'55" – Araguari, MG
NUMA TARDE
Dentro do crepúsculo no horizonte
Do entardecer do cerrado luminoso
No céu espalha o devaneio ramoso
Encanto peculiar, e plural viva fonte
Entrelaça-se, nas cores, em monte
Em um sintoma mágico e viçoso
Se vestindo de um atrativo fogoso
Corando o ar no dia em desmonte
O silêncio da tarde corre fugidio
As pombas gorjeiam no beiral
E o sol empalidece num arrepio
É a noite saindo do véu virginal
E o vento em um afiado assobio
Poetando um entardecer casual...
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
Numa tarde, 2020
Sertão da Farinha Podre, Triângulo Mineiro
Cheira o Cerrado
O cerrado é desengonçado, e cheira bem
Ipês, pequis, caliandra bom cheiro tem
Na madrugada cheira o manacá
Na queimada cheira fumaça, e o jatobá
Cheiro bom, tem! Secura e chuvarada
Cheira também. Aqui a saracura tem morada
E o lobo guará, cheiro forte da mata vem
É cheiro do cerrado, autocrata, cheira bem
Quaresmeiras matizam o chão cascalhado
E perfumam também, é encantado, alado:
- O sol no horizonte um cheiro provém
É o cerrado, cheira bem!
Cheiro de vida tem!
Saudade, infância, ao seu lado
Inspiração detém, cheira o cerrado
Um prezar refém, faz ir além
Sentir o cheiro que ele tem...
Cada canto tem cheiro e magia
O cerrado exala cheiro de poesia
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
04/06/2020, 16’34” – Triângulo Mineiro
Sertão da Farinha Podre
paráfrase César de Oliveira
Vatapá do Cerrado
Um dia ele chegou e disse:
— Acabou! Não volto mais.
Saí da caixa das comodidades e perguntei:
— Por quê?
Ele disse:
— Não sei, falta... Tempero.
Saí depenada na partilha, minha única herança:
Um velho livro de receitas.
Mas havia um sentido ao acontecido:
Casa dividida
Filhos partindo
Amigos indecisos
Família desconfiada
E eu sozinha...
...e o pior, ser acusada de ser sem tempero!
Realmente, naquele lugar, não havia espaço para que eu pudesse descarnar minha alma e retemperar minha vida.
Passei pelo quarto de minha AVÓ, que disse:
— Tenha fé! Se tivesse pernas lhe acompanharia.
Parti.
De lembranças: mudas de alecrim, coentro, manjericão, ora-pro-nobis.
Talvez a outra fosse assim:
Com a boca besuntada de manteiga de cacau, escorrendo ignorância, pele cor de açafrão de tanto vadiar ao sol, cabelos negros como tinta de lula.
Mas...
Eu tinha as faces cor de pimenta rosa e um modo de fazer diferente.
Precisava remexer e fazer um VATAPÁ e mostrar a todos que o amanhã é outro dia.
Desossei uma galinha, desfiei sua carne e modifiquei meu "penteado".
Coloquei um quilo de camarão, imaginando que o mar é grande...
Deitei azeite de dendê em abundância para lustrar meu ego.
Despejei leite de coco, pensando que o vento no coqueiral, vira a qualquer hora.
Apertei os tomates maduros para que não sangrassem antes da hora.
Piquei e chorei junto às cebolas e acreditei que elas exorcizam o ambiente.
Com parcimônia no sal (à gosto) e acreditei em Deus e na criação.
Usei alho em lâminas para espantar a inveja
Salsas e cebolinhas trituradas para dizer que tenho tempero.
Abracei a azeitona para dar um toque aveludado à vida
Troquei... era hora... o amendoim dominado pela suavidade do baru do cerrado e acreditei no equilíbrio do sabor.
Retemperei e acreditei na receita, estava tudo pronto... mesa posta e farinha de mandioca para engrossar minha intuição.
Cansada, eu agora, precisava de um banho, de um mergulho. No quintal uma banheira jazia também abandonada.
Lustrei vida nova a ela. Forrei com alecrim para perfumar meu corpo.
Cerrei as vistas de curiosos, com lençóis, para que não criticassem minha nudez e filtrassem somente bons ventos;
Mergulhei!
E foi assim: era fim de outono, as folhas caíram na virada da tarde.
Pétalas coloridas inundaram a banheira e eu me senti importante com tantos confetes!
Na verdade, ele me perdeu, o tempo avisou que as folhas velhas cairiam, dando lugar às folhas verdejantes e elas inundaram a banheira. E eu cheirando a alecrim, engatei uma nova estação e pensei:
“Amor requentado
amigo reconciliado
nunca dão um bom-bocado”
Aceite e acredite na sua receita.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury
SETEMBRO
Do pôr do sol neste horizonte rubente
Eu perco-me, é tarde cálida no cerrado
O pensamento ao vento e tão passado
Numa contemplação remota e ausente
A sensação se encole, e o vazio espora
Ergue ao longe uma solidão perturbada
E da saudade se ouve uma voz chorada
Sussurrando ao ouvido agrura que cora
Num segundo o céu tornou-se agreste
E as minhas sofreguidões tão sozinhas
Se espalhando por todo canto celeste
Setembro. Sua rima nas prosas minhas
É! ... falam de amor, como se me deste
De novo a flor, que pro amor avinhas...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
2021, setembro, 11, 18’27” – Araguari, MG
SUCUPIRA
Florir no cerrado ou no ressecado recanto
Ou mesmo em chão cascalhado, de feitio
Sedutor, nobre no sertão, dum lilás manto
Que se destaca dentre outras. Bela e sutil
Quando desabrocha ao olhar, um espanto
Entre a profusão mil, e as passifloras mil
Ela, singela, que nascida é pra o encanto
Adorna as planícies do planalto do Brasil
É de vê-la ímpar, de tal graça, ao vento
Tocando a alma, dum magnetismo total
Sucupira, árvore cheia de encantamento
E, de vê-la arroxeada copa tão colossal
Que aviva cada canto do árido cinzento
Aprazia, sacia, numa poética sem igual...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
12/09/2021, 19’41” – Araguari, MG
PASSANDO 2
Escrevo diante do cerrado pálido
É setembro, há pó nas venezianas
No pensamento, rubras filigranas
Orlando o sol no horizonte cálido
Na sensação, uma dor doidivanas
De melancolia, que tem hora certa
Misturando tons, emoção e oferta
Desenhando as ilusões cotidianas
Desponta ao longe aquela saudade
Que me faz esquecer do que fazer
Do que pensar. Da minha vontade
Vago inquieto, e vou devaneando
A poesia vazia, sem sabor, prazer
E nos minutos o destino passando
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
21 setembro, 2021 - 09’00” – Araguari, MG
O CERRADO LÁ FORA
Quanto o manto da noite veste o cerrado
O silêncio invade a alma numa melodia
Num versar tão sensível e tão sossegado
Tal uma sensação de uma erudita poesia
As estrelas no céu, alvacentas e luzidias
Numa harmonia em seu encantado voo
Bailam pra lua em parceiras companhias
Celebrando a magia dum dia que acabou
Escura, sombria, duma vastidão gigante
Odorante, e de um singular inteiramente
Belo, significante, muito a todo instante
E nesta quietação mouca dorme a flora
Numa sedução, e fascínio tão inocente
Do embalar da noite no cerrado lá fora...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
26 setembro, 2021, 20’44” – Araguari, MG
DESPEDAÇADO
Vejo os cacos de mim, cá derramado no cerrado
Enrabichado, me perdi, nem mais sei quem sou
Na poesia, o pesar é vivo, e se vivo ainda estou
Me restou o sentimento no pedaço despedaçado
É o desejo quebrado, e uma solidão tão gigante
O meu sussurrar de paixão não pode ser ouvido
São tantos suspiros que no coração foi perdido
Que a inspiração emudece numa aflição falante
Oh, sedutor amor, custoso, se acaso você existe
Dá-me a paciência e a tranquilidade dum aporte
Pois, cá na emoção me esgotei de estar tão triste
E do viver, a melancolia é o meu pesado motivo
Frágil, manso, suxo e duma ilusão não tão forte
Sou só um poeta sonhador que do amor é cativo
© Luciano Spagnol poeta do cerrado
02 outubro, 2021, 05’27” – Araguari, MG
NOITE....
Antes que a noite desça e o cerrado invada
O silêncio na vastidão, buritis prenda divina
Cuincando ao vento, na vereda da estrada
Aprecie o feérico entardecer em sua sina
Mergulhe na imaginação, se a te agrada
Rubra teu espanto que o carmim imagina
Há de ser encanto, assim, toda alumiada
Tão simples, tão grandiosa, e tão vitrina
Pousa o teu olhar no horizonte adormecido
Um poema de sensação que no céu se faz
Deixe tua alma se soltar no negror diluído
Esse cair da tarde do supremo entardecer
Só cá no planalto está joia rara e primaz
Cuja na lembrança não se pode esquecer! ...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
27/01/2021, 18’30” – Triângulo Mineiro
Pause. Desfaça o punho cerrado por enquanto.
Faça um chocolate quente, um coque torto,
um acalanto.
Parar também é seguir – resistente.
Deixar para lá também é bater de frente.
Às vezes, não se mexer por um tempo,
também é andar por um monte.
Sinta a brisa e o azul, se ouça, se confie e se conte.
Tire o tênis depois da longa caminhada
e sinta o alívio nos pés.
Ficar descalça e relaxadatambém importa para ir à luta.
Veja a metáforadas folhas e a analogia das marés.
Façauma nova receita, veja o que agora escuta.
Deixe a música tocar e só receba – busque
as respostas nas perguntas, observe.
Veja o que parece quente, mas, perceba, o que,na verdade, nunca ferve.
Deixa, um pouco,a vida resolver. Ela só quer mesmo o que faz valer.
Respire por agora, deixe de olhar
–para poderencarar com atenção.
Mude o que precisar
e veja, então, que a única coisa que você precisa
continuar sendo
é vulcão.
EXPLOSÃO ...
Se o cerrado é imensidão, seja então
Mais vida, e a diversidade fomento
Ao diferente, inclusão em comunhão
Um só instante de puro sentimento
Ele hoje morre ao sabor do contento
Progressiva a sua leviana destruição
Se em combustão ou não, violento
Quando a mão do avança é em vão
Açula-se, a tristura em um dolo frio
É destruição que provoca arrepio
Choro e pesar, tal chaga duma dor
Que na extinção que se olha aqui
Os versos enturvam e não mais ri
É uma explosão de vil desamor! ...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
07/01/2021, 17’39” – Triângulo Mineiro
AGOSTO NO CERRADO ....
Não é sempre está melancolia
o morno mormaço, esta fereza
de agosto, a secura que tristeza
no cerrado, agridoce dura poesia
Bela diversidade a sua natureza
um vendaval de cores e de magia
devaneio, como é vária sua beleza
e seu renovo, insistente teimosia
Dia e noite, noite e dia, feitiça fonte
vencedor de borrasca e de empeço
e lá se tem o pôr do sol no horizonte
Tão inarrável, encarnado, inconfesso
o qual da glória doura-me a fronte
ao arrostá-lo, pasmo e fulvo excesso ...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
14/08/2020, 18’01” – Triângulo Mineiro
ENLACE ....
No cerrado titã e rubro, a sensação pura
Dos galhos tortos, irregular na sua rudez
Sente no cessar o abraço de sua ternura
Que envolve a noite no agreste timidez
Como o entardecer alastra sua formosura
Que para o anoitecer, tão caprichoso, fez,
A lua e as estrelas, entregam-se à belezura
No céu, da graça que vem pela primeira vez
Quando surge, por fim, a tenra alvorada
O sertão, bulido pela sombra orvalhada
Recorda, assim, tal uma luxúria nupcial
E o cerrado, saciado, rubro e gentio
Vai, frente ao dia, divertido e ébrio
Celebrando este feito matrimonial! ....
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
19/01/2021, 05’37” – Triângulo Mineiro