Cerrado
SONETO NU
Ando nu, apenas enroupado
Da poesia pura dos sentidos
Tal nuvens no céu do cerrado
Tinos inocentes e retorcidos
Em que o tormento é tirado
Do peito de amores sofridos
Que no ermo é tão chorado
E com os pesares divididos
Nunca para vigar as dores
Apenas choro, choro contido
Que escorrem pelo soneto
Que com frases sem cores
Poisam no escrito esvaído
Encomiando o revés preto
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
30 de março de 2020 - Cerrado goiano
Obrigado
Pelos dons oferecidos, poeto
(o meu poetar é no cerrado)
Pela inspiração sou inquieto
Obrigado!
Pelos devaneios, as venturas
Em sua formosura e pecado
Pelos versos com aventuras
Obrigado!
Pelo afeto com suas rimas
Horas más, as sem agrado
Também, pelas com estimas
Obrigado!
Pelo ipê no sertão em flor
Nos versos não ter faltado
Ó singelo trovas de amor
Obrigado!
E tu, que és alento constante
No estro o desejo acordado
Ai! sempre do sonho diante
Poesia.... Obrigado! Obrigado!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
02/04/2020, 07’50” - Cerrado goiano
Paráfrase Pedro Homem de Melo
AMOR & POESIA (soneto)
Cuidei que o afeto voasse
Pelo céu do cerrado afora
E para versar então agora
Inundei o senso de enlace
Perdido no diluvio da hora
E para que tudo não passe
De uma ilusão sem classe
Trovei paixão para aurora
Porém, insoniava, malfada
A vil opressão que só trazia
Incerteza no peito sufocada
E, assim, que alvorou o dia
Afago embalou a madrugada:
E aninei com amor a poesia!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
02/04/2020, 04’15” – Cerrado goiano
SONETO INDOMÁVEL
Ó pranto! À dor, quando, entranho
Fico sem rumo certo pelo cerrado
O anoitecer, quando, chega calado
Tudo é solidão, e em nada é ganho
Tristura, fria, que pesa no passado
O vento é poeira de ardor estranho
E a hora lenta e tão sem tamanho
Que o olhar vazio, alheia, fissurado
No meu alvo silêncio, rude insônia
Clamo por todo o arrimo, em vão
Nada escuta, indigente cerimonia
Invento um verso, tento, e tento
E rasgo-o, continuas sem demão
Tudo é indomável no sentimento
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
04 de março de 2020 – Cerrado goiano
O BALÉ INCOERENTE DAS LABAREDAS
NO BIOMA CERRADO GOIANO
O clarão das labaredas ergue-se na madrugada ao longe.
Os estalos da vegetação retorcida pelas chamas
São o grito surdo da flora à matança em série.
Num balé incoerente exsurge a peleja de aves e bichos,
Onde a vida, sem defesa, se exaure no bioma cerrado,
Sob a égide da incoerência e estupidez humanas.
Os olhos e ouvidos estão lá nas mídias.
Impassíveis, impotentes, atônitos, ou indiferentes
Ao último gemido nas cinzas e carvão do solo sagrado.
Felizmente, nem tudo é purgatório ou inferno de Dante.
Alguns Anjos bons se misturam nas labaredas
E, do fogo ardente, surge o milagre da vida daquilo que se restou
O sertanejo, o roceiro, perderam o alimento, o abrigo, o labor.
O cidadão urbano herda o eterno remorso pela apatia.
Feiras, armazéns, peg-pag estão sem frutos, hortaliças e cereais.
No chão esturricado não há habitat e nutrientes para a fauna.
O gado perde o pasto, o riacho seca, e os peixes morrem.
O cerrado não é só mato, vegetação pobre, ou rasteira.
Ele é caju, manga, pequi, araçá, murici, mangaba, buriti.
É manancial de rios, riachos, lagoas, queda d´água, cachoeiras.
A vegetação cerrado vai além da beleza dos ipês.
É a fotossíntese diária pelos angicos, aroeiras, acácias.
É o chão plantação, colheita, moradia e dignidade.
A cada queimadura de terceiro grau neste bioma.
A rede existencial, que interliga o cerrado, se desvincula
Desconectando fauna, flora, rios, peixes, ar e homens.
A vida, que coexiste no todo, se encolhe e se apequena.
Sem conexões, a sustentabilidade ambiental se fragiliza,
Pois, na rede sistêmica, tudo se une, reflete, e se comunica entre si
Após a chuva, o chão resiliente reergue-se para prosseguir a marcha.
Entre brasas, pó e fumaça, os galhos, ossos retorcidos, estão lá!
Eles serão a eterna imagem do equívoco, incoerência e indiferença.
A vida segue nos planos mineral, vegetal, animal e hominal.
Essas escalas evolutivas são inexoráveis na senda da viagem.
E, na volta à Casa paterna, o bem que se fez será sempre o fiel da balança.
Zilmar Wolney Aires Filho
(Prof. Univ., Espec. em Proc. Civil; Mestre em Dir. Civil e Doutorando em Dir. Socioambiental)
CERRADO DO GOIÁS
Quando, a primeira vez, lhe vi a vastidão
uma confusão fiz de sua sinuosa mesmice
e quedei-me ao parecer de quem visse
e sentisse, o desigual em plena evolução
Depois, no andejar, ao olhá-lo, disse:
é graça, é sertão na minucia e razão
do encanto, magia, mistério e criação
este chão, tão menino, na sua velhice
Os tortos galhos e secos barrancos
riscam planícies e maçudo abrigo
e o céu nos seus rubentes e brancos
E, ao aprecia-lo, agora, então digo:
vendo-lhe, diverso, e seus trancos
hoje o sinto poetificando comigo!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
06/10/2020, 20’49” – Triângulo Mineiro
TORNAR
Agigantado cerrado, quão alterado
te vejo e vi, e ainda assim, resiste
te vejo a ti, em um suspirar triste
e tu no rogo suplicante e calado
A ti foi-te na quentura devastado
teu chão sugado, no penhor caíste
a mim o olhar aflito em que consiste
os teus dias, sufocado e tão mirrado
Já que somos no azar participantes
sejamo-los na mansidão, na espera
do suave, e tuas relvas verdejantes
Que venha a revirada da atmosfera
aí, tu será a ser quem eras dantes
e eu, quiçá serei quem dantes era.
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
10/10/2020, 19’53” – Triângulo Mineiro
paráfrase Francisco Rodrigues Lobo
AFLIÇÃO
Pulsa no cerrado o horizonte imenso
Num entardecer purpúreo candente
No desanimo surges, tão lentamente
Lembranças, molesto e tédio denso
Que eterniza a agonia e sentir tenso
De um passado caprichoso e ardente
Embora aqui presente, está ausente
Na emoção. Turrão ainda é extenso
E o pôr do sol é tormento e nostalgia
Em um acre perfume, árduo expiro
E a uma sensação aflitiva me contagia
Nesse anseio a saudade n’alma arde
És um passado de amor feito suspiro
Suspiro e caro pesar no cair da tarde!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
Araguari, MG – 26/07/2021, 18’00”
SONETO À GOIÁS
Saudação cerrado! Bom dia alvorecer!
Ouço o vento árido numa brisa quente
Que vem do planalto numa só vertente
Circunvalando os galhos num retorcer
Ipês amarelando o chão, ali cadente
Que divinal, a arte do desigual a ser
Numa beleza que o diverso é prover
Dum céu apinhado de estrela luzente
Boa noite! Pôr do sol da cor do açafrão
Da caliandra que enfeita todo o sertão
Onde a gente vai do cinzento ao lilás
Águas cascalhadas, de som e canção
Timbrando o capim santo em exalação
Numa superfície, num só lugar: Goiás!
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
Agosto de 2016 - Cerrado goiano
PASSANDO ...
Sulca-me as frontes já rugas encanecidas
Olhar embaçado eu vejo o velho cerrado
Torto, “pedregado”, arbusto tão delgado
No tempo vou em velocidades incontidas
Cabelos brancos, vá, não seja tão abusado
O meu espanto, quanto as tuas investidas
Tão fugaz, minhas queixas enfraquecidas:
Lamentos, surpresa, pavor, sem resultado
Tive antipatia, tive inocência, e repulsa
Com a estranheza furiosa da mudança:
No espelho a figura avelhantada pulsa
E, atendo ao inevitável, já, só lembrança
Passou, vai passando, e a história incursa
Ao passado, a temporada de ser criança...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
Abril de 2021, 12’45” - Araguari, MG
A ÁRVORE DA SERRA (soneto)
A árvore, da serra, no cerrado, tem encanto!
E essa árvore tão colorida que o olhar acalma
Aderna a sequidão e rega o fascínio da alma
Avindo entre ipês, buritis num belo recanto
Ó manacá da serra! Que brota sem trauma
No cerrado. Num brilho de sedução, tanto
Florescendo e entalhando por cada canto
Que pelo chão do planalto, graça espalma
Tão longe de sua vivenda, vai albergando
Num poema transposto, prófugo e brando
Trajando o cerrado com as vestes da serra
De branco e lilás, a flor, de lampejo santo
O manacá, cá tem, no sertão tal um manto
Influindo em mais um espetáculo da terra!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
23/07/2020, 11’33” - Cerrado goiano
TANGARÁ DA SERRA: Nosso `Vale do Silício` na paisagem do cerrado. `Capital do Médio Norte`, esteio de um grande estado.
Onde as águas do opulento Sepotuba, trançam os campos de alvos algodoais, com formosos girassóis e seus verdes cafezais.
Onde o intrépido pioneiro e o resiliente Parecis, alimentam a esperança, de um jovem aprendiz.
Com sua gente heroica, que não reluta em sair às ruas, para defender as bandeiras suas.
Com suas festas tradicionais, seus desfiles cívicos e as canções dos festivais.
Da labuta de seu campesino, que de madrugada deixa sua roça e para a feira segue em destino.
De seus bairros tradicionais: Shangrilá, Portuguesa, Esmeralda, Tarumã, Horizonte, Arapatunga, e tantos outros mais ...
A cada ano, sua área é expandida; a cada início de dia, nova construção é erguida. Suas largas avenidas, imponentes e floridas, levam a um novo destino, a uma vila recém-nascida, a um sorriso de menino.
Sua pedra, ainda Solteira, do alto da cordilheira, recebe seus viajantes (com seus sonhos e semblantes) encantados com as cachoeiras, de belezas exuberantes.
Se não bastasse tanta fartura, Deus ainda lhe deu a honra, de nascer em 13 de maio, na abolição da escravatura.
TOCAIA (soneto)
Ao sopro do vendaval no cerrado
No céu azul da vastidão do sertão
Segue veloz os sonhos do coração
Entre os uivos do já e do passado
A quimera, se acautela na ilusão
Prudente, contra o sentir errado
Tenta equilibrar estar apaixonado
Pra não sufocar a sofrida emoção
Na procela no peito esganiçada
Brami uma dor abafante e escura
Que perambula pela madrugada
E, em aflitivos véus da sofrência
Dando-lhe, assim, ar de loucura
No amor valência é ter paciência
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
24/07/2020, 15’15” – Triângulo Mineiro
CONFIDÊNCIAS (soneto)
Eu fui falar, vexado, da minha solidão
Ao cerrado; e aos arbustos torcidos
Querendo pacificar a minha emoção
Dessas pequenas queixas e alaridos
Incomovido permaneceu sem alusão
Não quis a lamentação dar ouvidos
Nem cessar as cantilenas na imensidão
Pôs-se indiferente aos meus sentidos
Mas, devagar passou a prestar atenção
Aquietou-se mais, e mais ainda contido
Arregalou-se para a carrancuda aflição
E, em um ato inesperado, assim, dizia:
- Caro poeta acabrunhado e, aturdido
Da melancolia me converto em poesia...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
26/07/2020, 07’30” – Triângulo Mineiro
É noite de Lua Cheia
que atravessa
o quê restou do Cerrado
que pelas
mãos dos Homens
foi quase destruído,
e em nome do lucro
será esquecido
no absoluto do mundo.
Em noites de Lua Cheia
e em dias de Sol,
Ter visto uma arara
sobrevoando o Cerrado
em liberdade
foi um dos primeiros
gigantes sentimentos
que desfrutei
plena como brasileira.
É numa noite de Lua
como está que medito
sobre a minha Pátria
capturada por homens
de espírito mesquinho
que fizeram além
do Cerrado todo o lugar
de respirar desaparecido.
Em noites de Lua Cheia
como esta sinto
a nostalgia do Cerrado
como quem escreve
um soneto de amor
repleto e profundo
que resiste miúdo,
todo triste e encolhido.
A alma ganha essência
No entardecer do cerrado
Sabiás cantando em cadência
E João-de-barro sempre ocupado
Na obra de sua subsistência...
desenham o nosso cerrado!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
15/08/2014, 18'00" - Cerrado goiano
A SERIEMA
Falam que a seriema, quando desata
O seu canto, no cerrado ali tranquilo
A viola do roceiro, chora, a segui-lo
Roncando esmorecimento pela mata
O retinir, longo, tal um sino de prata
Quando soa, longe, se pode ouvi-lo
Num tal solfejo, em aguda sonata
De um aristocrático canoro estilo
Quando a cantata, ressoa amolada
No coração do sertão, bem fundo
A saudade dói, e no peito faz morada
E o que mais neste canto se espanta
É que o canto de apenas um segundo
Na alma do sertanejo se agiganta...
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
2020/agosto, Triângulo Mineiro
A QUARESMEIRA
Pra Quaresmeira ser louvada, não basta
No cerrado, trovar os dotes do encanto
Tem de ter na poesia, o instinto tanto
Da magia e sensação que o belo arrasta
De um esplendor e uma tal delicadeza
Nesse sertão de diversidade tão vasta
Seu destaque de flor preciosa e casta
Do lilás dos cachos, adorno da natureza
Exaltação aos olhos, de florada ligeira
Chama da paixão, graça, poesia acesa
A essência sedutora da quaresmeira
Na admiração, um trescalar misto:
De funesto fase, reflexão e beleza
Em cortejo do martírio de Cristo!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
18/08/2020, 09’43” – Triângulo Mineiro
ONDE O CERRADO MORA
Uma secura à beira de um barranco
No entorno: ipês, buritis, e o pequi
Por todo lado o agigantado céu rubi
No horizonte, um devaneio franco
O dia acorda na alva, num só tranco
Onde ouve o canto da brejeira juriti
E o passeio do solitário macho quati
Ali, alvoraçando a vida num arranco
À tardinha, em romaria, o regresso
A melancolia deitada na rede, espera
O entardecer mais bonito, confesso!
Se crês na quimera, ela existe, porém:
É no torto do cerrado de falsa tapera
Onde mora, que há encanto também!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
18/08/2020, 15’17” – Triângulo Mineiro
VELHO CERRADO
Olha este velho cerrado, tão belo
De savanas cascalhadas e, antiga
Quanto mais desigual mais se diga:
- Triunfante na idade e no singelo
Buritis, ipês, horizonte no paralelo
Arranjam, livres, e o diverso abriga
Em sua melancolia e a árdua cantiga
Do vento nos tortos galhos em duelo
Não choremos, sertão, a tortuosidade
Admiremos cada traço, admiremos
Como obra prima deve ser admirada
Na glória do vário és tu, majestade
Governando o encanto que vemos
No mago fascínio da meseta velhada
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
29/08/2020, 13’49” – Triângulo Mineiro