Cem Sonetos de Amor
INCÓGNITA
Porque te disse: amor! Contudo, demente
Por teus beijos de fogo, alucinado...
E nem ainda a senti a boca; simplesmente
Por teu corpo de ouro – fonte de pecado!
Porque te disse ainda: ventura tanta!
E nem o teu calor senti tão perto...
Por tua voz que aos meus ouvidos canta,
E que’u nem sei donde vem ao certo!
Eu só quero o teu amor, desconhecido...
Eu só quero a tua paixão, seu amor perdido
Que canta aos meus ouvidos teus desejos...
Eu só quero m’enroscar na tu’alma louca...
Ao meu vigor intenso, dar-te a boca
O que de amor fosse a ti, primeiros beijos...
O ENCANTO D’ELA
Depois, que ao amor, amo você,
Minha tristeza se vai de mim...
Mas quando o amor nos chega ao fim
Na solidão volto a sofrer...
Em melancolia, tristeza tanta...
Não me há beleza, não me há estrelas;
O amor em mim só se levanta
Quando ao seu amor estou de vê-las...
Não há por quem esse sentimento
Qual de você eu sinto tanto,
Nem paixão, nem movimento
Com tão amor, com tão espanto
Qual de você num só momento
Hão de fazer em mim, sofrer-de-encanto.
ELA FOI UM SONHO!
Ela me mentiu, em passos leves de amor;
A verdade era uma lógica sem saída.
Era tanta paixão! — um desejo sem vida!
Que tanto atormentava o meu fulgor...
Tinha tanto brilho, mas uma luz sem cor;
Ofuscada em sentimentos, e comovida
Ela tinha tantos planos... sem que partida
Viesse sentir ao coração o meu primor!
“Prisioneira dos sonhos... não realizados!”
Tornando-nos espectros condenados,
De amores fúnebres a perecer na solidão...
— Ela se foi, como um conto de saudades!
E os teus anseios loucos de vaidades
Perderam-se nas falsas luzes da ilusão...
BEM-AVENTURADO
Abençoado é aquele que de esperança sonha,
Que de julgo é julgado por amor e honra;
Que encontra na fé, a vida; que vive e inconha,
O calor do imenso sol; que a noite, desonra.
Abençoado é aquele que de quietude prega,
Que de alento absoluto ao coração disponha;
Que de mágoas, não devolve mágoas; que cega,
Do fruto execrável o teu sentir à peçonha...
Abençoado é aquele que das águas se banha,
Que das flores, aos jardins se veste em perfume;
Que ensinaste aos humildes tua sã coragem...
Abençoado é aquele que dentre as montanhas,
Dos seus ideais, de bondade reflete o lume,
E que de existência se cria a Deus sua imagem...
MIRAGEM
Ser um amor alegre entre os amados,
Ter um destino jurado e bendito,
Ser um modesto à não andar restrito,
À jamais pedir perdão dos pecados...
Ser um santo em meio aos malvados,
Ter na paixão tatuado um só grito
Como um sapo no frescor dos banhados
A esperar seu grande amor infinito...
Ter o que o Homem afirmou ao luar:
“Eis p’ra cada um uma estrela a brilhar...
Em toda vida há um vultoso plano.”
Ser simplesmente uma razão de viver...
Ter dum Poeta, o verso, um querer;
Que tanto no mundo eu sou um engano.
INGÊNUO
Quem sabe, então, o que antes fostes,
Um encantamento as delícias de amor,
Dizeis-me a notar-me outro furor,
Sem que cousas vossas me encostes...
Que sei, no entanto, que de esplendor,
Outrora, apenas, quando pentecostes:
Festejo que anjos em celebridade postes
À memória dum único que amar fuor...
Então, não me inventam cousas outras;
Dizeis-me que fizestes dum encanto
O afeto que por todos os ventos sopras...
Bem como me vago, a pântanos afora;
Que dum Poeta me notado canto
Ao Deus de amor e por tos que chora...
MEU PRECIOSO AMOR
Vem, amor, para quem te ama tanto!
Para quem não sabe mais o que fazer,
Nem mesmo sabe mais ficar sem ter
Os teus sorrisos belos e o teu encanto...
Vem, que te desejo não sabes o quanto,
Vivo por tua paixão, por teu querer...
Sim, amor, sonho e vivo por teu viver,
Sou da tua canção o teu vultoso pranto!
Choro e canto, mas a chorar sem dor...
Na face escorres as lágrimas de amor,
Por tão humilde alma que há em mim!
Tu és da minha vida o tudo que já amei,
A essência mais rara que tanto esperei
Estar aprisionada no meu amor sem fim!
OBSESSO
Há no meu amor um desejo e uma lenda,
Que são de ‘spasmos fiéis e de conflito,
Que são de paixões e de oferenda;
Que me tornam na vida um ser bendito.
Há na minh’alma um fulgor e uma emenda,
Que são por um conforto de infinito,
Que são de louvores à minha contenda;
Que são por todo plano o meu grito.
Espíritos me rondam os espaços mais cruéis,
Por vaidades que bendizem verdadeiros;
Por razões me confundir de amor e sonho.
No meu amor, se passam como fortes leis
A provar, de mim, recantos altaneiros;
Que por Deus, é o forte amor qu’eu disponho.
SONETO DA PAIXÃO
Não te darei a chama de amor tanto
Nem poder a julgar-me por te amar...
Quero-te em mim de acalanto,
Do teu corpo em fogo o inflamar...
Não te darei a canção do meu canto
Nem a razão de me ouvir cantar...
Quero-te a me ouvir num espanto,
Aos meus versos loucos te encontrar...
Quero-te infanta em tu’alma louca
A cantar-me ao ritmo de fervor
Quando o beijo eu der-te a tua boca...
Amo-te, oh, fulgente virgem do amor
Na chama que me deste a voz rouca,
Na paixão em que te ama o esplendor!
O NOSSO AMOR
O nosso amor, querida, não morreu!
Secou-se apenas a água que nos tinha
Como secam as flores, oh, alma minha,
Ao inverno, num instante, se perdeu!
Apenas secou-se, querida, não morreu!
O nosso amor não se foi, passarinha,
Voa, oh, amada! Voa como andorinha...
A espera de uma nova era, se rendeu!
Cansado, amor, ele estava tão cansado,
Agora busca um hastear, num jardim
Onde possa refletir o que era amado...
Espera, oh, querida, que entre tu e mim,
O nosso afeto que estava tão esfalfado
Voltará a viver, amor, pra não ter fim!
SEGREDOS DE AMOR - III
Veja, amor, claramente e sem medo
O tão lindo sentimento que nos mantêm,
Veja as rosas belas, cá também,
No tão belo jardim o nosso segredo.
Assim que cantamos o dia em ledo;
De tão sorrisos às flores que nos contêm,
Quais tantos outros desejos; quem
As terão de odor se as tiver de enredo...
Dia ordeiro, sem quer tristeza, e tanto
Amar... viver; num formoso canto
É tudo o que mais temos de esplendor...
E não há mais grandeza que se aventura
Com tão mais paixão que se perdura
Qual no desvendar tão fácil o nosso amor...
UM DIA...
Quando vier até mim à morte, Amor,
Quero-te toda branda no teu viver...
Quando o dia descansar de mim, a dor
Também descansará na luz do teu ser.
Quando vier a tu’alma a eu encontrar
Nos pés de Deus empossado de paz,
Quero-te a mim, por morrer nunca mais
O amor que me deste, num fino altar!
O meu coração é um ermo desastrado
Sob o teu querer doce e imaculado,
Que descansar prometeu entre a gente.
Mas deixa-me ir sem levar-te o pranto,
Sem que anoiteça ao teu acalanto
O amar-término dum viver descontente.
CASTIDADE
Fizeste de mim um arrebol bendito,
Do meu amor um feitiço imaculado...
Da minh’alma de crença o pecado
Fez-se de paixão um cerne erudito...
Fizeste de meu corpo teu bem restrito
Abrasado ao perfume de seu andado...
E do meu sentimento, conspirado,
Notou-me em versos teu feito infinito...
O meu espírito se mantém acesso,
Desde outrora ao notado em que nasci,
Desde que eu vivo a desventurar...
Que sol que nasce, em que sol avesso,
Em que casto tempo, em qual vivi,
Em qual vida, amor, vou te encontrar...
FÁBULA
Visto-me com os trapos do amor,
Devassando-me com a louca paixão
Dos amores que ferem sem pudor,
Sem pensar no meu pobre coração...
Eu quis ter um amor que não era meu!
Para que, assim, fosse embora a solidão...
Fantasia d’um doido que, então, morreu,
Como essência esparramada pelo chão!
Mas, eu hei-de ter o afeto verdadeiro,
Terno, doce, meigo, assim sisudo...
Que seja o último, porém, o primeiro!
E conhecer um dia o seu conteúdo,
Lhano, amável, leal, assim inteiro...
Sincero! E que me ame mais que tudo!
CONSTANTE
Por tão mais amor que cresce
Em qualquer outro canto,
É que dos meus sonhos falece
Meu coração ao meu pranto...
Por tão mais paixão que a minha
Em qualquer canto encontrar,
É que de amor passarinha
Meu corpo quente em pulsar...
Por tão mais desejo de instante
Em outr’alma prestante
Haver com mais intensa virtude;
É que o meu sentir endoidado
É dom p’ra pagar o pecado
De amar com tão mais plenitude.
D’UM CÁLICE DE AMOR
O teu amor me fez sorrir
Quando o dia não mais me tinha cor,
Das luzes o clarão me fez abrir,
Das cores tu vieste em esplendor...
Do seu jardim imenso um furor
Fez-me em alegrias explodir,
E qual o bálsamo intenso duma flor
Fez-me em ar aberto o existir...
O teu amor é qual um cerne apurado,
É qual o vinho branco cintilado,
Qual a loucura do sangue atrevido.
Da sua paixão vivencio novamente
O que é do coração tão simplesmente,
Um cálice aberto enternecido.
MAIS QUE TUDO É AMOR
O que és de mim tão cedo pranto
Por vez em grande amor me ergue
A fazer da solidão um acalanto
Na estranha razão que me persegue...
Razão alheia que me é um tanto
No amado coração que me prossegue
Mais que tudo um estranho canto
Que o da paixão que o faz entregue.
Solidão oculta, oh, amor estranho,
Que por vez não sabe o seu tamanho,
Que não sabe o quanto vos me fere.
Um instante ausente e amargurado
Que nas noites mortas é meu pecado,
Na imensurável razão que o profere.
NAS FORMAS DE TI
Espera-me, ó meu Amor, que vou voltar!
Não vês como anda apagada esta paixão?
Tão cansado já está, o meu coração...
Vou ao além de mim p’ra te encontrar!
Espera-me, ó meu Amor, que vou buscar
A chama deste amor, que não foi em vão!
Mas que nos teus braços foi furação,
A estranha forma d’eu querer te amar!...
Não se tem como apagar uma velha chama,
Pode se abrandar quando é um que ama,
Mas nada pode extinguir o teu esplendor!...
Os teus sentimentos são finos e delicados,
São de afetos divinos, não de pecados...
Aos céus eu irei buscar o teu mesmo Amor!
SONETO VAGO
Porque à noite me abre triste
Num frio intenso sem amor,
E nessa ardência nada existe
E me falta à pele o seu calor...
Porque a lua é sem fulgor
E sem você nada consiste,
Porque em mim tudo persiste
Na luz branca do esplendor...
Porque morrem meus encantos
E intensos são meus prantos
Na noite imensa sem luar...
Porque eu perduro a solidão,
E na dor intensa ao coração
Eu vagueio sem te encontrar...
A ELA
Talvez tudo me pudesse ser
Menos que fosse a mim amor;
Pois aos céus fosse esquecer
Nesse presente a minha dor...
Talvez eu amar jamais você
Poderia a esse meu fulgor;
Como mendigo em merecer
Cem mil estrelas ao esplendor...
Pois tanto que meus versos
São aos ares todos dispersos
Nem são ditos por ninguém...
E sem que amar me poderia
Mesmo que fosse à fantasia;
Que assim eu fosse de alguém.