Cecilia Meireles Criancas
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Navego pela memória sem margens.
Nota: Trecho do poema "Explicação": Link
...MaisMinhas palavras são a metade de um diálogo obscuro
continuando através de séculos impossíveis.
Liberdade essa palavra, que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda.
(Do "Romanceiro da Inconfidência)
De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!
Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?
Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!
Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, mas foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.
O Eco
O menino pergunta ao eco
Onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: Onde? Onde?
O menino também lhe pede:
Eco, vem passear comigo!
Mas não sabe se o eco é amigo
ou inimigo.
Pois só lhe ouve dizer: Migo!
Não consegui entender
Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.
Nota: Trecho do poema "Canção Excêntrica": Link
...MaisA palavra liberdade
vive na boca de todos:
quem não a proclama aos gritos
murmura-a em tímido sopro
O instante existe (...) Não sou alegre nem sou triste: (...) Não sito gozo nem tormento. Atravesso noite e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço. não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
"Hoje eu queria ler uns livros que não falam de gente, mas só de bichos, de plantas, de pedras: um livro que me levasse por essas solidões da Natureza, sem vozes humanas, sem discursos, boatos, mentiras, calúnias, falsidades, elogios, celebrações...hoje eu queria apenas ver uma flor abrir-se, desmanchar-se (...)."
"Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira”.
( do poema "Desenho", do Livro "Mar absoluto".)