Cartas e Prosa de Fernando Pessoa

Cerca de 11964 cartas e Prosa de Fernando Pessoa

Na noite terrível, substância natural de todas as noites
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites
Relembro, velando em modorra incômoda
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Relembro, e uma angústia. Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures.
Na ilusão do espaço e do tempo,
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei.
O que só agora vejo que deveria ter feito Na falsidade do decorrer.
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido
Isso é que é morto para além de todos os Deuses
Se em certo momento.
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Isso e foi afinal o melhor de mim é que nem os Deuses fazem viver ...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certa conversa.
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido.
Se tudo isso tivesse sido assim.
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro.
Seria insensivelmente levado a ser outro também...
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo
A conversa fechada concludentemente
Claras, inevitáveis, naturais...
A matéria toda resolvida...
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos.
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Como uma verdade de que não partilho,
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca.
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim.
Fernando Pessoa

Inserida por jose_augusto_3

Como um vento na floresta,
Como um vento na floresta,

Minha emoção não tem fim.

Nada sou, nada me resta.

Não sei quem sou para mim.

E como entre os arvoredos

Há grandes sons de folhagem,

Também agito segredos

No fundo da minha imagem.

E o grande ruído do vento

Que as folhas cobrem de som

Despe-me do pensamento:

Sou ninguém, temo ser bom.

Inserida por Danielsiuch

O agnosticismo puro é impossível. O único agnosticismo verdadeiro é a ignorância. Porque para nos radicarmos no agnosticismo é-nos preciso um argumento para nos persuadir que a razão tem certos limites. — Ora quem observa pode parar; quem raciocina não pode parar. Portanto quando pelo raciocínio havemos provado a limitação ou a não-limitação destas e daquelas faculdades, não podemos dizer: «paremos aqui» mas devemos seguir no raciocínio e tirar dessa limitação ou não-limitação as consequências deduzíveis. Assim fazem todos os «agnósticos» consciente ou inconscientemente.
(Aforismos e Afins)

Fernando Pessoa
Aforismos e afins. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Inserida por AdagioseAforismos

Um artista forte mata em si próprio não só o amor e a piedade, mas as próprias sementes do amor e da piedade. Torna-se desumano devido ao seu grande amor pela humanidade — esse amor que o impele a criar a arte para o homem. O gênio é a maior maldição com que Deus pode abençoar um homem. Deve ser sofrido com o mínimo possível de gemidos e queixumes, com uma consciência tão grande quanto possível da sua divina tristeza.
(Aforismos e Afins)

Inserida por EmOutrasPalavras

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estacões
A seguir e a olhar.

(...)Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Inserida por MadelaineStella

O cego e a guitarra

O ruído vário da rua
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua
Oiço: cada som é consigo.

Sou como a praia a que invade
Um mar que torna a descer.
Ah, nisto tudo a verdade
É só eu ter que morrer.

Depois de eu cessar, o ruído.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.

Cheguei à janela
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.

Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.

Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.

Do livro "Fernando Pessoa - Obra poética - Volume único", Cia. José Aguilar Editora, Rio de Janeiro (RJ), 1972, págs 542/543. (Fonte: Projeto Releituras)

Inserida por portalraizes

Abat-Jour
A lâmpada acesa
(Outrem a acendeu)
Baixa uma beleza

Sobre o chão que é meu.
No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.

E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.

Bem sei... Era dia
E longe de aqui...
Quanto me sorria
O que nunca vi!

E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até de sonhar...

(Extraído de Cancioneiro – PDF Ciberfil Literatura Digital - Página 7)

Inserida por portalraizes

Escrevo e divago, e tudo isto parece-me que foi uma realidade. Tenho a sensibilidade tão à flor da imaginação que quase choro com isto, e sou outra vez a criança feliz que nunca fui, e as alamedas e os brinquedos, e apenas, no fim de tudo, a supérflua realidade da Vida...

(Fonte: PESSOA, Fernando. In “Correspondência (1905-1922)”, Lisboa: Assírio & Alvim, 1999, p.150. / Fonte: Templo Cultural Delfos)

Inserida por portalraizes

"A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la”.

( Bernardo Soares [Semi-heterônimo de Fernando Pessoa],no Livro do Desassossego. (Org.) de Richard Zenith - Assírio E Alvim, 2008.)

Inserida por portalraizes

"A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de ação. Em melhores e mais diretas palavras, o sonhador é que é o homem de ação. Nunca pretendi ser senão um sonhador”.

( Bernardo Soares [Semi-heterônimo de Fernando Pessoa].)

Inserida por portalraizes

"Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros
com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...
Releio?Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro.
Já não compreendo nada”...

(Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares
Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa)

Inserida por portalraizes

“Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso”.

( in "Autobiografia sem Factos". Assírio e Alvim, Lisboa, 2006, p. 128.)

Inserida por portalraizes

Os Meus Sonhos São Mais Belos que a Conversa Alheia
Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma - nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.
Devo-me a humanidade futura. Quanto me desperdiçar desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes posso dar e diminuo-me a mim-próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.
Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.

Fernando Pessoa, 'Inéditos'

Inserida por BarrigadasTranquilas

Há tantos deuses!
“Há tantos deuses!
São como os livros — não se pode ler tudo, nunca se sabe nada.
Feliz quem conhece só um deus, e o guarda em segredo.
Tenho todos os dias crenças diferentes”...

( Álvaro de Campos [Heterônimo de Fernando Pessoa], (escrito em 9.3.1930), In Poesia, Assírio e Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002. (trecho))

Inserida por portalraizes

Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça
A sua santa guerra.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa
Por sobre a fria terra.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar;
E esta febre de Além, que me consome,
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.

Inserida por rapha777

Quadras

Morto hei de estar ao teu lado
sem o sentir nem saber
mesmo assim isso me basta
para ver um bem em morrer

Quando passo o dia inteiro
sem ver o meu amorzinho
corre um frio de janeiro
no junho do meu carinho

Teus olhos tristes parados
coisa nenhuma a fitar
ah meu amor,meu amor
se eu fora nenhum lugar

Adivinhei o que pensas
só por saber que não era
qualquer das coisas imensas
que a minha alma de ti espera

Inserida por juanaigatu

Vai alta a nuvem que passa
vai alto meu pensamento
que é escravo da tua alma]
como a lua o é do vento

Ambos á beira do poço
achamos que é muito fundo
deita-se a pedra e o que ouço
teu olhar que é meu mundo

todas as coisas que dizem
afinal não são verdades
mas se nos fazem felizes
isso é felicidade

Inserida por juanaigatu

O Amor

Contemplo o lago...

Autopsicografia

Basta Pensar em Sentir

Basta Pensar em Sentir (em gif animado)

Cai Chuva do Céu Cinzento

Chove (em gif animado)

Eu amo tudo o que foi

Poemas ao vento

Tenho tanto sentimento

Teus olhos entristecem

Abat-Jour

Abdicação

Abismo

A Grande Esfinge do Egito

A Minha Vida é um Barco Abandonado

A Morte Chega Cedo

Andei Léguas de Sombra

Ao Longe, ao Lua

Mais Poemas de Fernando Pessoa

Inserida por ketylen

Abat-Jour

A lâmpada acesa
(Outrem a acendeu)
Baixa uma beleza

Sobre o chão que é meu.
No quarto deserto
Salvo o meu sonhar,
Faz no chão incerto
Um círculo a ondear.

E entre a sombra e a luz
Que oscila no chão
Meu sonho conduz
Minha inatenção.

Bem sei... Era dia
E longe de aqui...
Quanto me sorria
O que nunca vi!

E no quarto silente
Com a luz a ondear
Deixei vagamente
Até de sonhar...

Inserida por MERRAH

"Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos." "Eu não sou pessimista, sou triste.

Inserida por AmandaMartucelli