Cartas e Prosa de Fernando Pessoa
Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo.
Depois, penso também naquele quase velho poema do John Lennon: “I don’t believe in yoga/ I don’t believe in mantra/ I don’t believe in God/ I don’t believe in Freud/ I don’t believe in drugs/ I don’t believe in sex/ I don’t believe in Beatles” e termina com um acorde profundo de guitarra e um “I just believe in me”. Mas nem isso.
Essa aceitação ingênua de quem não sabe que viver é, constantemente, construir, e não derrubar. De quem não sabe que esse prolongado construir implica erros - e saber viver implica em não ver esses erros, em suavizá-los e distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o restante da construção não seja ameaçado.
Eram bonitos juntos, diziam as moças. Um doce de olhar. Sem terem exatamente consciência disso, quando juntos os dois aprumavam ainda mais o porte e, por assim dizer, quase cintilavam, o bonito de dentro de um estimulando o bonito de fora do outro, e vice-versa. Como se houvesse entre aqueles dois, uma estranha e secreta harmonia.
Entenda que eu quero estar com você, do seu lado, sabendo o que acontece. De repente me passa pela cabeça que a minha presença ou a minha insistência pode talvez irritá-lo. Então, desculpa não insistirei mais. (...) Eu queria dizer que eu estava com você, e a menos que você não me suporte mais, continuaria te procurando e querendo saber coisas. (...) Estou perguntando a você se permite que eu tenha carinho por você. Mas estou aqui, continuo aqui não sei até quando, e quando e se você quiser, precisar, dê um toque.
Um coração partido não é algo que vai curar rápido. É muito mais complicado. Não existem remédios para corações partidos, o receitável é deixar essa ferida aberta, até ela cicatrizar. Depois de um tempo, você ainda vai lembrar dessa ferida que rasgou fundo o teu peito, mas vai saber também, que foi apenas uma página do capítulo passado, que tem muito a ser escrito e lido por quem sabe apreciá-lo de verdade.
É estranho quando as coisas simplesmente têm de terminar. É o estágio onde todos os sentimentos já evoluíram para um nada. É o nada que você optou para parar de sentir dor. No início você briga, chora, faz drama mexicano. Então percebe que é cansativo demais manter esse jeito de levar as coisas. Acostuma-se. Não que pare de doer, mas que cai no seu entendimento que às vezes perdemos algo e não há solução. No fim você coloca um sorriso no rosto e finge que é sincero, até que a vida o faça realmente ser. Talvez os amores eternos sejam amenos e os intensos, passageiros. É isso.
Não quero saber de medo, paciência, tempo que vai chegar. Não negue, apareça. Seja forte. Porque é preciso coragem para se arriscar num futuro incerto. Não posso esperar. Tenho tudo pronto dentro de mim e uma alma que só sabe viver presentes. Sem esperas, sem amarras, sem receios, sem cobertas, sem sentido, sem passados. É preciso que você venha nesse exato momento. Abandone os antes. Chame do que quiser. Mas venha. Quero dividir meus erros, loucuras, beijos, chocolates... Apague minhas interrogações. Por que estamos tão perto e tão longe?
Você me provoca, você me perturba. Joga água e sai correndo. Atira a pedra e me acerta de raspão. Me espia no escuro e mostra a língua. Me xinga. Me atiça. Invade o meu sossego. Você me provoca achando que não há perigo. Sem conhecer a força da minha mordida, o tamanho dos caninos. Você me provoca sem esperar a picada. Sem saber que ainda não inventaram antídoto pro meu tipo de veneno.
Fiquei feliz em poder sentir tua falta, - a falta mostra o quão necessitamos de algo/alguém. É assim o nosso ciclo. Eu te preciso. Perto, longe, tanto faz. Preciso saber que tu está bem (...) Ah, e eu estou te esperando, com meu vestido longo, óculos escuros grandes e meu coração pulsando forte, e te abraçar até sentir o mundo girar apenas para nós. É, eu gosto muito de ti.
Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu – sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Nota: Trecho da crônica Sugestões para atravessar agosto, publicada originalmente no jornal "O Estado de S. Paulo", em 6 de agosto de 1999.
...MaisEu te amei muito. Nunca disse, como você também não disse, mas acho que você soube. Pena que as grandes e as cucas confusas não saibam amar. Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Eu te amei muito. Nunca disse, como você também não disse, mas acho que você soube. Pena que as grandes e as cucas confusas não saibam amar. Pena também que a gente se envergonhe de dizer, a gente não devia ter vergonha do que é bonito. Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas.
Chega uma hora na vida que você precisa abandonar tudo, e ir embora, mesmo que o teu coração esteja sangrando. Mais como fugir de um mundo que eu mesma criei? Um mundo inventado que só existe na minha cabeça; já tive grandes momentos aqui, chorei, decepcionei, essas são coisas que vão estar pra sempre em um grande espaço do meu coração, mas tem dias que eu penso em fugir, fugir pra nunca mais ninguém me achar, quero me perder em um lugar só meu. Conheci pessoas que são muito especiais e que valem mais do que o meu mundo real! E são só por eles que eu ainda estou aqui. Mas não quero mais fazer parte desse mundo, eu não quero sentir que a saudade tomou conta de mim por completa, cansei de ouvir um PARA SEMPRE.
Mas não. Hoje eu acordei e pensei que seria melhor não, eu não quero me apegar em ninguém, não quero precisar de ninguém. Quero seguir livre, entende? Mesmo que isso me faça falta, alguém pra me prender um pouquinho. Vou me esquivar de todo sentimento bom que eu venha a sentir, não levar nada a sério mesmo. Ficar perto, abraçar de vez enquando, sentir saudade, gostar um pouquinho. Mas amar não, amar nunca, amar não serve pra mim. Prefiro assim.
Meu coração está ferido de amar errado. De amar demais, de querer demais, de viver demais. Amar, querer e viver tanto que tudo em volta parece pouco. Seu amor, comparado ao meu, é pouco. Muito pouco. Mas você não vê. Não vê, não enxerga, não sente. Não sente porque não me faz sentir, não enxerga porque não quer. A mulher louca que sempre fui por você, e que mesmo tão cheia de defeitos sempre foi sua. Sempre quis ser só sua. Sempre te quis só meu. E você, cego de orgulho bobo, surdo de estupidez, nunca notou.
Hoje eu tenho certeza do que sinto por você. E a cada dia essa minha certeza aumenta mais. Ainda não descobri como, nem por que, só sei que você consegue ganhar um pouco mais de mim a cada dia. Talvez amanhã olhemos para trás e tudo isso que vivemos hoje não serão mais do que lembranças. Você é a única certeza que tenho agora e espero não acordar um dia te tendo como dúvida. Espero que daqui algumas décadas eu possa olhar nos seus olhos e dizer com orgulho: “Eu estava certo, era amor”.
Fissura, estou ficando tonta. Essa roda girando girando sem parar. Olha bem: quem roda nela? As mocinhas que querem casar, os mocinhos a fim de grana pra comprar um carro, os executivozinhos a fim de poder e dólares, os casais de saco cheio um do outro, mas segurando umas. Estar fora da roda é não segurar nenhuma, não querer nada. Feito eu: não quero ninguém. Nem você. Quero não, boy. Se eu quiser, posso ter. Afinal, trata-se apenas de um cheque a menos no talão, mais barato que um par de sapatos. Mas eu quero mais é aquilo que não posso comprar. Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros como você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado, comigo: um dia encontro.
De repente me passa pela cabeça que a minha presença ou a minha insistência pode talvez irritá-lo. Então, desculpa não insistirei mais. (...) eu queria dizer que eu estava com você, e a menos que você não me suporte mais, continuaria te procurando e querendo saber coisas. Bobagens? Pois é, se quiser ria como você costuma rir para se defender. Não estou me defendendo de nada. Estou perguntando a você se permite que eu tenha carinho por você, seu idiota. Mas estou aqui, continuo aqui não sei até quando, e quando e se você quiser, precisar, dê um toque. Te quero imensamente bem, fico pensando se dizendo assim, quem sabe, de repente você até acredita. Acredite.
Sabes de tudo sobre esse possível amargo futuro. Sabes também que já não poderias voltar atrás, que estás inteiramente subjugado e as tuas palavras, sejam quais forem, não serão jamais sábias o suficiente para determinar que essa porta a ser aberta agora, logo após teres dito tudo, te conduza ao céu ou ao inferno. Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa. Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva.
Fim de tarde. Dia banal, terça, quarta-feira. Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura.