Cartas e Prosa de Fernando Pessoa

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E outra coisa – não se esforce. Pelo menos, não tanto. Não fique aí remando contra a maré, dando murro em ponta de faca. Veja – se não fora pra ser, não vai ser. Acredite em mim. Coisa boba essa sua tentativa de ir além. E olhe, eu não estou pedindo pra você desistir não, não é isso. Eu só quero que você pense mais… que tenha argumentos melhores.

O problema é que não temos as respostas pra todas as nossas perguntas, é que sempre queremos saber demais. O problema é que além de tentar entender a nós mesmos temos que tentar entender aos outros. O problema é que o seu amor é indefinível, indecifrável, e sempre certo. Pare então de perder as suas noites de sono, com os seus milhões de pensamentos rodando, e rodando e rodando. Procure viver mais, viver por você mesmo.

Chega de ligações, preocupações, sentimentos demonstrados aos extremos. Vou ficar mais relax mesmo, não quer me ligar, não liga, mas também não ligarei. Não quer me ver, não me veja, mas também não sairei que nem doida atrás de você pra saber se a gente vai ser ver, que horas é o nosso encontro, não mais. É apenas um aviso que eu deixo bem simples: se quiser, me procura você.

Mas gosto, gosto das pessoas. Não sei me comunicar com elas, mas gosto de vê-las, de estar a seu lado, saber suas tristezas, suas esperas, suas vidas. Às vezes também me dá uma bruta raiva delas, de sua tristeza, sua mesquinhez. Depois penso que não tenho o direito de julgar ninguém, que cada um pode — e deve — ser o que é, ninguém tem nada com isso. Em seguida, minha outra parte sussurra em meus ouvidos que aí, justamente aí, está o grande mal das pessoas: o fato de serem como são e ninguém poder fazer nada. Só elas poderiam fazer alguma coisa por si próprias, mas não fazem porque não se vêem, não sabem como são. Ou, se sabem, fecham os olhos e continuam fingindo, a vida inteira fingindo que não sabem.

Penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas - se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso.

(...) Estou realmente cansada. Cansada e cansada de ser mar agitado, de ser tempestade… quero ser mar calmo. Preciso de segurança, de amor, de compreensão, de atenção, de alguém que sente comigo e fale: “Calma, eu estou com você e vou te proteger! Nós vamos ser fortes juntos, juntos, juntos.” Confesso que preciso de sorrisos, abraços, chocolates, bons filmes, paciência e coisas desse tipo. Confesso, confesso, confesso.

Quando você pensar em mim, pode ter certeza que eu estarei pensando em você, não só porque você estará pensando em mim, mas sim porque eu penso em você em todos os segundos da minha vida. Se ao menos eu pudesse te alcançar, se ao menos eu pudesse te mostrar que é no seu sorriso que eu encontro a felicidade, só queria poder te fazer feliz, esse era meu objetivo até perceber que você é a única pessoa que faz meu coração bater mais forte, agora o lugar da sua felicidade é ao lado da minha, para sempre.

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce, que seja doce, que seja doce, e assim por diante. (...Que seja doce o dia quando eu abrir as janelas e lembrar de você. Que sejam doces os finais de tardes, inclusive os de segunda - feira - quando começa a contagem regressiva para o final de semana chegar. Que seja doce a espera pelas mensagens, ligações e recadinhos bonitinhos. Que seja (mais do que) doce a voz ao falar no telefone. Que seja doce o seu cheiro. Que seja doce o seu jeito, seus olhares, seu receio. Que seja doce o seu modo de andar, de sentir, de demonstrar afeto. Que sejam doce suas expressões faciais, até o levantar de sobrancelha. Que seja doce a leveza que eu sentirei ao seu lado. Que seja doce a ausência do meu medo. Que seja doce o seu abraço. Que seja doce o modo como você irá segurar na minha mão. Que seja doce. Que sejamos doce. E seremos, eu sei.

Estou te querendo muito bem neste minuto. Tinha vontade que você estivesse aqui e eu pudesse te mostrar muitas coisas, grandes, pequenas, e sem nenhuma importância, algumas. Fique feliz, fique bem feliz, fique bem claro, queira ser feliz. Você é muito lindo e eu tento te enviar a minha melhor vibração de axé. Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim.

Um dia você vai sentir falta do meu sorriso, do meu olhar, do meu jeito de te beijar. Um dia você vai sentir falta de pegar na minha mão, de implicar comigo e de chamar meu nome. Um dia você vai ouvir uma música e vai lembrar de algum lugar, de algum momento em que estava ao meu lado. Um dia você vai pensar “como seria bom se ela estivesse aqui”… Um dia você vai procurar meu número na sua agenda, mas não vai me ligar. O seu orgulho vai falar mais alto! Então você vai lembrar das vezes em que você me fez chorar, das vezes em que você não me ouviu e de todas as mentiras que você me contou. Você vai sentir uma dor estranha. Essa dor se chama remorso. Aos poucos você vai se colocar no meu lugar, mas não vai sentir nem a metade da dor que eu senti. Talvez você passe uma noite acordado pensando no que poderíamos ter sido. Mas vai ser apenas uma e não várias, como eu passei. Você não vai chorar, você é orgulhoso demais para fazer isso. Mas você vai lembrar que também já passou por algo assim, já gostou de alguém tanto!

Está limpo. Sem ironia. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.

Posso não saber nada do coração das gentes, mas tenho a impressão, de que, de tudo, o pior é quando entra a segunda parte da letra de “Atrás da porta”, ali no quando “dei pra maldizer o nosso lar pra sujar teu nome, te humilhar”. Chico Buarque é ótimo pra essas coisas. Billie Holiday é ótimo pra essas coisas. E Drummond quando ensina que “o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras”. Aí você saca que toda música, toda letra, todo poema, todo filme, toda peça, todo papo, todo romance, tudo e todos o tempo todo, antes, agora e depois, falam disso. Que o que você sente é único & indivisível e é exatamente igual à dor coletiva, da Rocinha a Biarritz. O coro de anjos de Antunes Filho levanta no ar, em triunfo, os corpos mortos de Romeu e Julieta enquanto os Beatles pedem um Litlle help from my friends, e a platéia ainda aplaude e pede bis (o Gonzaguinha também é ótimo pra essas coisas). Meus amigos, abandonados para que eu pudesse mergulhar, voltaram a mil. Tem seus prazeres o fim do amor. Se é patologia, invenção cristã-judaico-ocidental-capitalista, ou maya, ego, se é babaquice, piração, se mudou-através-dos-tempos, puro sexo, carência, medo da morte: não interessa. Tenho certeza que estive lá, naquele terreno. Ele existe.(…) O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Está tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Está limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.

Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.

Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado naquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora.

A vida era muito dura. Não chegávamos a passar fome ou frio ou nenhuma dessas coisas. Mas era dura porque era sem cor, sem ritmo e também sem forma. Os dias passavam, passavam e passavam, alcançavam as semanas, dobravam as quinzenas, atingiam os meses, acumulavam-se em anos, amontoavam-se em décadas — e nada acontecia. Eu tinha a impressão de viver dentro de uma enorme e vazia bola de gás, em constante rotação.

(...) abriu todas as janelas para o dia azul brilhante. Respirou fundo, sorriu. (...) Sorriu ainda mais quando, sem esforço, lembrou de uma porção de gente. (...) quem acredita sabe encontrar. Não garanto que foi feliz para sempre, mas o sorriso (...) era lindo quando pensou todas essas coisas...

É como se você tivesse mil motivos para sorrir e ser feliz, e apenas um para chorar. E, de alguma forma, esse motivo consegue se sobressair todos os dias. É como se mil pessoas se importassem com você, menos uma. E, de alguma forma, era a única que você necessitava que se importasse. Porque você se importa com ela mais que tudo.

- Você está nervoso, cansado, é isso.
- Cansado desta vida. Vontade de me mudar para do Rio, ir para um lugar sossegado, ter um filho, criá-lo longe daqui, constituir uma família, compreende? Levar uma vida decente. Não nasci para isso. Só você, que me conhece melhor, pode me compreender. Nós somos diferentes um do outro, eu sei; mas você sabe que eu não nasci pra isso. Eu queria ser um homem simples, direito... Um homem como meu pai.

Pelo retrovisor enxergamos tudo ao contrário
Letras, lados, lestes
O relógio de pulso pula de uma mão para outra
E na verdade nada muda.
Retrovisor é passado, é de vez em quando do meu lado
Nunca é na frente
É o segundo mais tarde, próximo, seguinte
É o que passou e muitas vezes ninguém viu...
Retrovisor nos mostra o que ficou
O que partiu, o que agora só ficou no pensamento
Retrovisor é mesmice em trânsito lento
Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas
Mostra as ruas que escolhi
Calçadas e avenidas
Deixa explícito que se for pra frente
Coisas ficarão pra trás
A gente só nunca sabe que coisas são essa...

A Fé Solúvel

É, me esqueci da luz da cozinha acesa
de fechar a geladeira
De limpar os pés,
Me esqueci Jesus!
De anotar os recados
Todas janelas abertas,
onde eu guardei a fé... em nós
Meu café em pó solúvel
Minha fé deu nó
Minha fé em pó solúvel
É... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei
E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras
Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho
Muitos passarão
Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor
Um favor... por favor
A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!
Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor
Um favor... por favor