Cantiga de Escárnio
Cantiga de roda
Eu era assim no dia dos meus anos
E quando me casei, eu era assim
Eu era assim na roda dos enganos
E quando me apartei, eu era assim
Eu era assim caçula dos arcanos
E quando me sovei, eu era assim
Eu era assim na voz dos minuanos
E pela primavera, eu era assim
Enquanto fui viúva, eu era assim
Enquanto fui vadia, eu era assim
E pela cor furtiva, eu era assim
No amor que tu me deste, eu era assim
E trás da lua cheia, eu era assim
E quando fui caveira, eu era assim
[UMA CANTIGA E SUA PEREGRINAÇÃO POR UM MUNDO DE NOVAS ESCUTAS]
A poesia - diante da possibilidade de ser utilizada como fonte histórica reveladora de discursos, informações concretas e expectativas humanas de todos os tipos - deve ser vista como um veículo de expressão e comunicação que, independentemente das intenções de seu autor, pode conter uma pluralidade de sentidos. Para que um novo sentido se desprenda de um poema ou de uma cantiga,é por vezes bastante que a desloquemos no tempo ou no espaço, que mudemos o seu público ou o trovador ou poeta que a enuncia, que a voltemos contra um novo alvo.
Em sua peregrinação por um mundo em permanente transformação, um verso se transfigura a cada instante, a cada leitura e a cada audição. Para compreender isto, é preciso perceber a leitura e a audição como práticas criadoras.O mundo transfigura o poema porque se transfiguram os olhares e os ouvidos que para ele se voltam, e também porque este poema é inserido em novas práticas, é recriado mesmo a partir destas novas práticas.
O encantador paradoxo da poesia está em que esta transmutação se
opera sem que a forma sequer se altere. Enquanto uma narrativa que é trans
mitida por via oral sofre múltiplas interferências, interpolações, reorganizações do discurso– dada a própria natureza do discurso narrativo –, a poesia, mais ainda a cantiga, está aprisionada dentro de uma grade versificatória, de um ritmo, de um jogo combinatório de sonoridades. Não é possível alterar uma palavra, na sua dimensão material, sem que a estrutura poética desmorone. É isto o que assegura, aliás, a passagem de uma poesia através do tempo em toda a sua integridade material.
No entanto, este poema aprisionado em uma grade versificatória, esta cantiga encerrada em uma estrutura melódica, exercem espetacularmente
toda a sua liberdade. Sem mudar uma única palavra, trazem à tona mil novos
sentidos a cada novo contexto de enunciação. A grade de versos e ritmos não é para eles um túmulo, nem a estrutura melódica é para eles um cárcere. É antes um meio de libertação, que os permite incólumes atravessar todos os
tempos. Já se disse que “um livro muda pelo fato de não mudar enquanto o
mundo muda”. Ainda com mais propriedade podemos considerar isto para o poema, este gênero de discurso que, mesmo quando transmitido basicamente pela oralidade – meio transfigurador por natureza – conserva-se a si mesmo sendo já um “outro”. A estrutura singular do discurso poético lhe dá uma imunidade material, ao mesmo tempo em que de fato não o aprisiona, sobretudo em virtude da natureza fluida da linguagem poética
[trecho do artigo 'A Poesia como Arma de Combate - um estudo sobre as múltiplas reapropriações de uma cantiga medieval-ibérica", Revista Letras (UFPR), vol.90, p.41-42, 2014].
Mãe
Mãe é mão estendida por entre o tempo.
Cantiga que ressoa no ir e vir do percurso.
Acalanto que fica na vivência erguida.
Braço estendido para além do sim e do não.
Embora se cresça em tamanho e fazeres,
Mãe é farta em entremear escolhas,
Deixando-nos o amar sem punição,
Que nos faz ser em cada acolhida.
Mãe é terra que em nós frutifica,
Tornando-nos sementes de superação.
É voz que fica na memória sentida,
Tramada de ternura no balbuciar da vida.
Mãe é ventre que embala o que nasce.
Que do pão se reparte mesmo que falte,
Como fermento de amor que sempre fica.
Mãe é palavra maior, que se entrelaça no coração.
"Diz a cantiga: 'Um elefante incomoda muita gente...' Uma crítica ácida incomoda muito mais." (Austri Junior)
O amor se fez em trova enganando a dor acompanhou a melodia em uma cantiga bonita.
Serei seu trovador e cantarei os versos mais bonitos em que você mereça a trova entoa com um singelo canto.
E com beleza lhe faz luzir com clareza e admira-la com a intensidade de uma melodia extraordinária.
Suponhamos que a nossa cantiga da vida Seja viver a sorrir sem nos importar
Mas não podemos gargalhar, pois o exagero é o excesso do que nos faz mal;
Quando a chuva trouxer a solidão,
junto a ela faça uma cantiga,
mesmo num dueto sem afinação
e que seja saudosa, até antiga
Assim lavando a sua alma
em horas de muita paz,
sua mente ficará em plena calma
junto à meditação que a chuva traz
Fico aqui pensando se não fosse
A música
A poesia
Essa gente que
Se anuncia
A cantiga de roda
Que não existe mais
Só quero você
Para amar
Quero a cantiga da infância onde a roda era gigante e se brincava de mãos dadas. A corrida era de pega, juntos todos se escondiam e os olhos se vendavam por pura fantasia.
Menino Interior
Ainda embalado pela cantiga de Natal
Minh’alma pedala o velocípede com emoção
A bola os aniversários a piorra em coral
Enfeitam a memória da minha recordação
A brincadeira de queimada na calçada
As férias esperadas com ansiedade
O pique esconde com a meninada
Escreveram histórias e felicidade
Hoje acordei pensando no meu menino
O menino ingênuo, menino pequenino
Sorridente, alegre, brilhante, divino
Este menino interior que um dia evoluiu
Perdendo-se na saudade que o subtraiu.
Desenhando o adulto que surgiu...
Ah! Menino por que partiu?
VIOLA CAIPIRA (soneto)
Noite ressequida, ao longe, viola caipira
cantiga de sofrença era ouvida, batida
cantada dentro da tristura, pura embira
que contagia, é dor, amor de despedida
Quem longe está, aproxima, o som pira
na alma calam sensações desmedida
nas emoções, melodia de toda uma vida
chora viola! Chora na escuridade sofrida
Trova o chão do cerrado, pura beleza
razão no sonho sonhado e, "xonado"
retinindo fragilidades de leve leveza
Viola caipira, tem quimera no planger
convida o coração a estar apaixonado
e na paixão, vara até o amanhecer...
Luciano Spagnol
2016, novembro
Cerrado goiano
CANTIGA
Ah, se fico ou se passo, se vou no compasso
da vida, devorante no tempo, amiga e inimiga
porém, se o que intriga é todo este embaraço
de gente a gente que na maldade prossiga...
Dá um cansaço, fadiga, de ver e ouvir,
angustia, e faz da existência rapariga...
Então, me resta neste murmúrio, sorrir!
Ser, resistir e ter o amor em doce cantiga.
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, julho
Cerrado goiano
Sentimentos
Sem ti não sou nada
Sou vela de chama apagada
Tenho a vida sem sabor
De um amante sem vigor
Apegado a segredos
Aventurado em devaneios
Dos velhos medos
Dos olhos cheios
Sou cárcere de ti rancor
Assim que perdi o pudor
Feito da consequência
De encontrar a dor
A única eloquência
Desta íntima convivência
Na rua todo mundo é igual;
Em casa ser careta é normal;
Na rua todo mundo têm par;
Em casa se vai ter que casar;
Na rua todo mundo viaja;
Em casa se não sai o que haja;
Na lua todo mundo que passa;
Em casa não têm mais graça.
...Em que pese você atormentar-me os sonhos
Eu já lhe disse, eu já lhe falei
Minhas cantigas não são encomendas
Elas nascem puras, inocentes
Prontas para serem lapidadas
Não posso lhe fazer uma
Sem amor, sem cantiga…
Se ao menos você me despertasse sentimentos
No seu ouvido ecoaria o lindo som de uma flauta
Sim, levo-a sempre comigo
Eu toco a melodia das rochas
Converso com o vento
Faço um concerto com a natureza
Com a minha natureza
Eu toco para as estrelas
Para o mar
E pra quele sorriso bonito que do meu peito fez batuque
Eu toco para sentir
Para mergulhar em emoções
Emoções que prefiro puras à lapidar
sem emoções, sem cantiga, senhorita!
Mas, Cem emoções, cem cantigas!
Em Tempo de Poeminha
Tamanho nunca foi documento
É chorar nunca foi argumento.
Ganhar no grito é feio
E ser feio não é bonito.
Ciranda nem sempre foi cantiga
Cantigas nem sempre foram de roda
Gato nunca usou bota
E foi-se o tempo do relógio de corda.
Assim como foi o tempo do orelhão
E das fichas de telefone
De crença em Coelho da Páscoa
E medo de Lobisomem.
E quase sempre o tempo
Acaba sendo a cura de tudo.
E quase sempre a cura de tudo
Acaba vindo com o tempo.
ALMA DE POETA
Quão deleitoso é
deparar-me com essas delícias da vida,
essas almas encantadas,
presenteadas com tão lindo dom
que regadas pela inspiração,
fazem brotar do âmago do ser
essa cantiga linda chamada poesia
acompanhada pela dança das letras,
a brincarem, formando palavras
que encantam o coração.
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