"A troca da Roda" Bertolt Brecht

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Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável. Que tudo que seja dito ser habitual cause inquietação.
Na regra é preciso descobrir o abuso, e sempre que o abuso for encontrado, é preciso encontrar o remédio.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!

Bertolt Brecht

Nota: Trecho extraído do poema “Aos que vierem depois de nós” publicado no caderno ‘Mais’ Folha de São Paulo – projeto releituras

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Não há problema em hesitar se depois prosseguir.

Felicidades

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro perdido e reencontrado
Rostos animados
A neve, a sucessão das estações
Jornais
O cachorro
A dialética
Tomar banho, nadar um pouco
A música antiga
Sapatos macios
Compreender
A música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser camarada

⁠Há muitas maneiras de matar. Podem enfiar-te uma faca na barriga, arrancar-te o pão, não te curar de uma enfermidade, meter-te numa casa sem condições, torturar-te até a morte por meio de um trabalho, levar-te para a guerra, etc. Somente poucas destas coisas estão proibidas na nossa cidade.

O homem, meu general, é útil:
Sabe matar e sabe voar
Só tem um defeito, sabe pensar

Homem com fome, alcance o livro: é uma arma.

Não aceites o habitual como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira são coisas que custam a aprender?

Todavia, prossigamos! Seja de que maneira for! Saímos a campo para uma luta,lutemos, então! Não vimos já como a crença removeu montanhas? Não basta então termos descoberto que alguma coisa está sendo ocultada? Essa cortina que nos oculta isto e aquilo, é preciso arrancá-la!

As convicções são esperanças.

⁠A NECESSIDADE DA PROPAGANDA
“É possível que em nosso país nem tudo ande como deveria andar.
Mas ninguém pode negar que a propaganda é boa.
Mesmo os famintos devem admitir
Que o Ministro da Alimentação fala bem (...)
Um bom propagandista
Transforma um monte de esterco em local de veraneio.
Quando não há manteiga, ele demonstra
Como um talhe esguio faz um homem esbelto.
Milhares de pessoas que ouvem discorrer sobre autoestradas
Alegram-se como se tivessem carros.
Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
Ele planta louros. Mas já bem antes disso
Falava de paz enquanto os canhões passavam.
Somente através da propaganda perfeita
Pode-se convencer milhões de pessoas
Que o crescimento do exército constitui obra de paz
Que cada novo tanque é uma pomba da paz
E cada novo regimento uma prova de
Amor à paz.
Mesmo assim: bons discursos podem conseguir muito
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
Já se ouve dizerem: pena
Que a palavra ‘carne’ apenas não satisfaça, e
Pena que a palavra ‘roupa’ aqueça tão pouco.
Quando o Ministro do Planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura
Não pode chover, pois seus ouvintes
Não têm como se proteger.”

Nos tempos sombrios,
Se cantará também?
Também se cantará
Sobre os tempos sombrios.

Canção do Remendo e do Casaco:

Sempre que o nosso casaco se rasga
vocês vêm correndo dizer: assim não pode ser; isso vai acabar, custe o que custar!
Cheios de fé vão aos senhores
enquanto nós, cheios de frio, aguardamos.
E ao voltar, sempre triunfantes,
nos mostram o que por nós conquistam:
Um pequeno remendo.
Ótimo, eis o remendo.
Mas onde está
o nosso casaco?
Sempre que nós gritamos de fome
vocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar,
é preciso ajudá-los, custe o que custar!
E cheios de ardor vão aos senhores
enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos.
E ao voltar, sempre triunfantes,
exibem a grande conquista:
um pedacinho de pão.
Que bom, este é o pedaço de pão,
mas onde está
o pão?
Não precisamos só do remendo,
precisamos o casaco inteiro.
Não precisamos de pedaços de pão,
precisamos de pão verdadeiro.
Não precisamos só do emprego,
toda a fábrica precisamos.
E mais o carvão.
E mais as minas.
O povo no poder.
É disso que precisamos.
Que tem vocês
a nos dar?

A raça humana tende a lembrar os abusos a que foi submetida em vez dos carinhos. O que resta dos beijos? As feridas, no entanto, deixam cicatrizes.

⁠Bons discursos podem conseguir muito ;
Mas não conseguem tudo.

Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Bertolt Brecht

Nota: Trecho do poema Aos que vierem depois de nós, traduzido por Manuel Bandeira.

PRAZERES

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.
(in Do Pobre B.B.)

Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade.

Os autores não conseguem escrever tão rápido como os governos fazem guerras. Escrever requer trabalho de pensar.