Zeca Castro
Loucura
Ouço batuques,
Vêm da selva,
Do âmago da Terra.
Ouço violinos,
Vêm das estrelas.
Ouço gritos de guerra,
Vêm do passado, do presente e do futuro.
Não ouço nada.
Tudo se despe ante mim.
Vivemos no inconsciente coletivo,
Colorido com certezas, mitos e convenções.
Perco-me, enlouqueço!
Tudo é vão e absurdo!
Rasgo a pele,
Quebro os ossos.
Destruo, destruo tudo,
Não consigo parar!
E agora? O que faço?
Aqui não há nada!
Amor
" O amor é algo que a mente não entende,
Por muito que tente,
Só o coração, sem palavras, compreende.
E sem palavras não mente."
Amar
"Amar é render-se,
a mente procura negar,
mas o coração transborda.
A mente não encontra explicação,
enquanto o coração já sabe a resposta."
A uma alma (des) conhecida
"Porque ainda te procuro, espírito que não conheço,
mas que sinto por perto?
Há tanta coisa que conheço
E não sinto por perto,
Porque não hei-de querer conhecer-te a ti,
que nunca desististe de mim?
És o mestre que me ensina sem palavras
E sem exemplo a seguir.
És as ondas do mar ao longe,
quando fito o horizonte sem fim
E a terra se mistura com o céu.
És tu toda a energia,
Todos os deuses no Olimpo,
O Alfa e o Ómega, o princípio e o fim.
És o mistério de tudo,
que não consigo conceber,
o nada gerar tudo e o nada não nascer.
Minha mente finita nunca poderá compreender.
Tenho esperança que em alma
me ensines a ver.
E na tua energia possa, finalmente,
para sempre, me perder!"
Mais uma noite
"Mais uma noite,
o sono demora.
Abro a janela,
respiro o estio.
Navego no mar estelar,
deixo-me levar.
Sonhos e pensamentos
na memória universal
apertam-me o peito.
Quem? O quê?
Algo, alguém, não sei...
Uma saudade
não sei de quê, não sei de quem..."
Noite
"(..)Ouço o silêncio,
o palpitar do mundo,
o palpitar da Noite,
Educadora paciente e sapiente,
que silente
nos devolve
nossos pensamentos decifrados(..)"
Mais um dia!
Dormimos metade da vida,
Serão os sonhos mais reais ou menos reais?
Deito-me na natureza,
Como um mendigo
Que não vê mais encantos na vida,
Olham-me com estranheza,
Como se ser da natureza é algo anormal.
Além, o rugido da imensidão,
O azul feroz,
Amante insatisfeito,
Que num manto de nuvem
Se entrega ao areal deserto,
Num vaivém eterno.
O vento apaga todas as marcas,
Renasço com a despedida do astro rei,
Num horizonte sem fim,
Onde a terra toca o céu
E o azul transborda.
Impressões
Impressões imprecisas, a realidade desconstrói-se, deforma-se na sensação de que tudo é um grande sonho e que fazemos parte desse sonho longínquo, nuvens de sentimento que se dispersam no horizonte, grãos de areia no areal, flores que as crianças inconscientes colhem na rua, tudo é sonho, pó e nada.
Quando penso no futuro, penso na morte, na musa invencível e imprevisível que torna a vida um caminho sempre inseguro, mas no qual vivemos esquecidos, como se tivéssemos o dom da imortalidade- Quando somos mais novos temos a sensação de que o tempo passa mais devagar, quando envelhecemos o tempo esfuma-se diante dos nossos olhos, e começamos a contagem decrescente, percebemos que a vida foi um sopro oferecido que um dia será roubado repentinamente...Alguns iniciam a preparação para a morte, assistem à sua vida como espetadores críticos de um filme de comédia, drama, suspense, romance e até terror...E a sós tudo se torna um sonho, o sopro efémero, uma canção...Muitos então prendem-se à vida, procurando por todos os meios a imortalidade, quando o ideal é partir sem deixar pegadas, ser uma simples brisa, um beijo, um pequeno adeus e partir levemente, como uma folha que se desprendeu de uma árvore e dança ao sabor do vento até chegar ao chão, ao fim do caminho. Que sabemos nós do que seremos? Se já nem sabemos quem somos?! A vida é uma intensa despedida, uma melodia de fotografias mentais fugazes, pó, não temos nada e, no entanto, podemos ter tudo num sopro.
Louca
Dizem que era louca
que caminhava descalça e falava sozinha,
que, por vezes, gritava e deixava de comer,
que se esquecia de si mesma...
Dizem que passou pela vida dividida
entre quem descobriu algo e esqueceu
e ficou presa na amargura das perdas,
com o coração em sobressalto no peito
pelas fragilidades da vida.
Louca, talvez! Mas o que será a normalidade?
Vivermos sem consciência de de que nada temos
a não ser a perceção de nós próprios,
lemo-nos no que nos rodeia, no outro,
e o que saberemos do que realmente somos?
Passamos pela vida como um grão de areia
que o vento transporta para a imensidão,
que ao sabor da maré oscila rumo ao indefinido
consigo próprio que é o único que pode realmente levar,
o resto são memórias, abraços, sorrisos,
Sentimentos dispersos
que agora correm nas veias daqueles que nos recordam
Dizem que era louca por sentir de mais
por amar toda a vida o mar num olhar,
por amar um beijo sincero e cintilante
por amar um primeiro sorriso e uma primeira palavra,
por amar o silêncio...
Dizem que era louca,
podia ser,
mas foi uma louca que
amou e que se deu,
uma louca que simplesmente
na sombra da vida
desapareceu...
Pedra
O vento impetuoso fustigou a janela,
as árvores dançaram sob a luz artificial.
Procurei-te na solidão da memória,
templo sagrado em ruínas,
várias pedras já foram roubadas,
lançadas ao rio por crianças,
desapareceram na espiral cristalina,
jazem nas profundezas, ocultas,
mas ainda inquietas.
Guardei uma diferente, é azul,
como o meu sonho,
como os sonhos do mundo,
que são como o Céu e que são
de toda a gente e de ninguém.
Onde te perdeste que não te encontro?
A nuvem onde dormimos desfez-se,
choveu durante estações,
mas, depois, os raios de sol entraram
timidamente,
trazendo o calor da esperança.
As árvores finalmente dormem,
o Homem acorda.
Olho para a pedra,
continua azul...
Enquanto viver, ficarei com ela.
Depois, morrerei, tu também morrerás,
onde não sei,
mas a pedra permanecerá
ainda
azul como o céu...