Zaida Machado
Aprendi a ser metade, sem ser partida.
Ser metade por inteiro...
E ser, inteiramente, inteira dentro de mim!
E assim foi: o dito pelo não dito e o não dito pelo dito!
Aquilo que deveria ter sido dito ficou contido, restrito, constrito. E a estória acabou!
Perto da lareira, ao calor do fogo, guardo as labaredas! Línguas de fogo... Vistas assim, consumindo meu pensamento no tempo, lembram-me uma hidra comendo vida, oxigênio! Onde deixei aquela ferramenta? O cutelo? Não, o dicionário! Creio que ele seja mais apropriado para dissecar a língua da flama!
Sonhar é uma forma de transgredir a realidade. Para vivê-la não é preciso sonhar, a realidade é lugar comum.
Não se preocupe em atingir o cume tão rapidamente. Verá que nada mais existe, além da subida que já fez e da descida que está por vir.
Esqueci-me dos dias amenos
Da pena no tinteiro
E da paleta de cores
Esqueci-me do barulho da chuva
Do macio das almofadas
E da colcha de madagascar
Esqueci-me do tique-taque do relógio
Da chave atrás da porta
E da xícara com karkade
Esqueci-me do abajur inglês
Do cheiro do chandan
E da luz apagada
Esqueci-me de mim
Da sombra no muro
E de tudo mais
Um olhar a espreita
Um sorriso maroto
Um sei lá descompromissado
Nem palavras nem perguntas
As respostas não convêm!
Um cochicho a luz do dia
Um deixa-prá-lá endereçado ao Supremo
Num estalido de dentes e suspiro,
Tudo é esquecido.
A vida chama!
Tudo já existe antes de pensarmos.
Se dá que, quando nos ocorre um pensamento novo,
estamos a nos conectar com o Todo, forma magnânima de tudo!
Nem socialismo, nem comunismo, nem tão pouco o capitalismo exacerbado. Qualquer extremo incorre em desequilíbrios. Não precisa ser sociólogo, teólogo ou economista para entender isso – a física o explica!
O Segredo das Flores
Florir sem ferir
Perfumar sem asfixiar
Embelezar sem humilhar
Envelhecer
Murchar
Para só depois
Morrer
Delicada
Resignadamente
Flor
És vento.
E mal tiveste tempo de brilhar.
Tua cor bronze derreteu-se no calor dos dias
E não adiantou fazeres suspiro de nuvens.
Eles se derreteram e marcaram tuas pegadas pelo caminho.
Não gosto de páginas frontais
Prefiro os versos
Pulo, inverto,
Salto do avesso,
Viro, reviro
Me viro inverso
Declamo. É o começo!
A busca pelo autoconhecimento e iluminação implica que nos afastemos de luzes e holofotes, buzinas e alto-falantes. A escuridão revela a nossa verdadeira luz e o silêncio faz ecoar nossa voz interior.
Há momentos em que o silêncio consegue ser mais agudo que o fio da navalha. Corta o espaço com sons ensurdecedores. Daqueles que só os lobos são capazes de ouvir.
Rende homenagem e consagração àquilo que vos remete para dentro de vós. Quando o que está fora sobrepõe ao ser humano é deflagrada uma epifania social que a história demonstra ser a grande destruidora das sociedades.
Felicidade é um café com bom dia e o sabiá que pia.
Felicidade é uma camiseta branca, uma calça jeans e um colar bem brasis.
Felicidade é voltar no tempo e encontrar-se na memória dos bons ventos.
Felicidade é um abraço apertado de quem estava há muito no passado.
Felicidade é ver os cabelos brancos penderem do alto da cabeça… E sorrir!
Escolher, finalmente, o seu chapéu e, sair.
Afinal, o roxo lhe cai muito bem!
Felicidade é isso:
Uma edificação erguida de pequenas atitudes com boas doses de paixão.
Apaixone-se a todo instante por você, pelo dia, pela vida, pelo viver!
Afinal não há sentido em se armar contra um inimigo que não divisamos.
Há que se ir para a frente da batalha.
Cada pessoa vive, respira e sofre a ação da atmosfera em seu entorno.
Matéria quintessenciada de seus próprios pensamentos.
Gosto de pensar em flores, afasto-me daqueles que pensam em canhões.
Agrada-me mais um pequeno canteiro com morangos silvestres do que um campo inteiro minado.
E quando a noite se fizer distante
Todos os relógios irão se consumar
Cada palavra soará em si mesma
A beleza de viver cada instante.
Às vezes sou pura arquitetura.
Cimento e concreto armado
Linhas duras, ângulos obtusos
Paralelas infinitas, pontos em fuga.
Às vezes sou janelas abertas.
Florida, estampada, esvoaçante
Iluminada. Deixo o vento me percorrer.
Às vezes sou bancos.
Inerte, vazia
Parada, imóvel, espera
Outono ou inverno.
E, às vezes, sou toda natureza.
Viva!