Yves Bonnefoy
Eu sou a eternidade!
E ao me libertar das correntes do mundo, eu tornarei todas as coisas absolutas!
Quando, nos sonhos dos deuses adormecidos, o último selo se romper
E eles acordarem e se lembrarem de quem são
Eles haverão de se erguer
Em todos os horizontes, fronteiras ou dimensão
Como sóis no amanhecer, em um primeiro dia de uma nova criação
As cortinas samsáricas então se abrirão
E no palco do infinito... No espetáculo à entreter
Estarão todos os entes,no cenário da eternidade, em comunhão
Tudo isso eu vi acontecer
Quando minha alma explodiu em mistério e inspiração
Lançando fagulhas de iluminação em cada ser
Que traziam a incandescência apocalíptica prestes à acender no coração
E que, pela verdade e seu poder
Superaram o universo em complexidade e vastidão
Lugar verdadeiro
Seja dado um lugar àquele que vem vindo,
Personagem com frio e privado de lar.
Personagem que o ruído tenta de uma lâmpada,
E a soleira alumiada de um único lar.
E se alquebrado está de angústia e de fadiga,
Repitam-lhe as palavras que o irão curar.
Que falta a esse peito que era só silêncio,
Senão palavras feitas do signo e do orar.
E qual pequeno fogo de repente à noite,
E essa mesa entrevista de um humilde lar?
Às árvores
Vós que vos apagastes à sua passagem,
Que sobre ela fechastes os vossos caminhos,
Impassíveis avais de que até morta Douve
Há de ser luz, ainda não sendo nada.
Vós fibrosa matéria e densidade,
Árvores, junto a mim quando ela se lançou
Na embarcação dos mortos e boca fechada
Ao óbolo de fome, de frio e silêncio.
Ouço através de vós que diálogo ela tenta
Com esses cães, com esse informe bateleiro,
E eu pertenço a vós pelo seu caminhar
Por entre tanta noite e apesar deste rio.
O trovão tão profundo a vos rolar nos galhos,
As festas que ele inflama ao cume do verão
Sinalam que ela liga a sua fortuna à minha
Pela mediação da vossa austeridade.
Uma pedra
Tenho sempre fome desse
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,
E gravarei sobre a pedra
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu
Como ao voto a pedra é fechada.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho.
Nada pedem suas mãos.
E de quem amou uma imagem,
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.
A rapidez das nuvens
O leito, ali a vidraça, o vale, o céu,
A rapidez magnifica das nuvens.
Sobre a vidraça a garra da chuva, de súbito,
Como se o nada rubricasse o mundo.
Em meu sonho de ontem
O grão de anos passados ardia por chamas
Curtas no piso ladrilhado, sem calor.
Nossos pés o afastavam, nus, com água limpa.
Ó minha amiga,
Que pouca era a distância entre o teu corpo e o meu!
A lâmina da espada do tempo que ronda
Ali buscara em vão lugar para vencer.
Belo verão
Nossos dias o fogo habitava e cumpria,
Feria ao tempo o ferro a cada alva mais cinza,
O vento golpeava a morte em nossos tetos,
O frio não sustava o cerco em nossos peitos.
Foi um belo verão, insosso, áspero e escuro,
Amaste a maciez da chuva no verão
E amaste a morte assim dominando o verão
Do pavilhão tremente em suas asas de cinza.
Naquele ano vieste quase a decifrar
Um signo sempre negro alçado ao teu olhar
Pelas pedras, e ventos, e águas, e folhagens.
Assim a relha já mordia a terra móvel
E o teu orgulho amou aquela luz tão nova,
A embriaguez de ter medo em terra de verão.