Xinran - As Boas Mulheres da China
Quando os hormônios de um homem estão à solta, ele jura amor eterno. Isso gerou resmas e resmas de poemas ao longo das eras: o amor profundo como o oceano ou seja lá o que for. Mas o homem que ama desse jeito só existe em histórias. O homem real alega que ainda não conheceu a mulher digna dessa emoção. E é um especialista em utilizar as fraquezas da mulher para dominá-la. Algumas palavras de amor ou elogio mantêm algumas mulheres felizes por muito tempo, mas é tudo uma ilusão.
Hoje de manhã o céu estava escuro e melancólico. Também estava tudo cinzento nas enfermarias: tudo ao meu redor refletia os meus sentimentos. Estive o tempo todo à beira das lágrimas (…).
Ao meio-dia, o sol saiu, meio hesitante, mas a todo instante se escondia atrás das nuvens. Não sei se estava brincando de esconde-esconde, se também estava muito doente ou se estava só com muita preguiça de brilhar para nós. Talvez também estivesse triste (…).
Para Jingyi, as mulheres são como a água e os homens, como montanhas. A comparação era válida? Fiz a pergunta aos meus ouvintes e recebi mais de duzentas respostas em uma semana. Dessas, mais de dez vieram de colegas meus. O Grande Li escreveu: “Os chineses precisam das mulheres para formarem uma imagem de si mesmos — como as montanhas ao se refletirem nos riachos. Mas os riachos correm das montanhas. Onde está a imagem verdadeira, então?”
Citei um provérbio que repetia com freqüência no ar — “Se não pode fazer alguém feliz, não lhe dê esperança” — e disse, com franqueza: “Taohong, obrigada. Fico muito feliz de tê-la conhecido, mas não lhe pertenço e não posso ser sua amante. Creia-me, há alguém à sua espera no mundo. Continue lendo e expandindo os horizontes, e você a encontrará. Não a deixe esperando”.
Taohong ouviu, calma. “Bom, posso considerá-la como a segunda ex-amante?” perguntou, lentamente.
“Não, não pode. Porque não houve amor entre nós, O amor tem que ser mútuo. Amar ou ser amado sozinho não é suficiente.”
Ao sair da estação de metrô de Stamford Brook para a escura noite de outono, ouvi um som rápido atrás de mim. Não tive tempo de reagir e alguém me bateu com força na cabeça e me jogou no chão. Instintivamente, segurei firme a bolsa, onde estava a única cópia de um manuscrito que eu acabara de escrever. Mas o meu agressor não se deixou demover. “Dá a bolsa” gritava sem parar.
(…)
Mais tarde a polícia quis saber por que eu tinha arriscado a vida por uma bolsa. Tremendo e dolorida, expliquei: “É que o meu livro estava dentro dela.”
“Um livro?”, admirou-se o policial. “Um livro é mais importante do que a sua vida?” Claro que a vida é mais importante do que um livro. Mas, em muitos sentidos, o meu livro era a minha vida. Era o meu depoimento sobre a vida de mulheres chinesas, o resultado de um trabalho de muitos anos como jornalista. Eu sabia que tinha sido imprudente: se tivesse perdido o manuscrito, poderia ter tentado reescrevê-lo. Mas não tinha certeza se seria capaz de enfrentar novamente as emoções extremas provocadas pela redação do livro. Fora doloroso reviver as histórias das mulheres que eu tinha conhecido, e ainda mais difícil pôr as minhas lembranças em ordem e encontrar uma linguagem adequada para expressá-las. Ao lutar pela bolsa, eu estava defendendo meus sentimentos e os das mulheres chinesas, O livro era o resultado de muitas coisas que, caso se perdessem, jamais poderiam ser reencontradas. Quando alguém mergulha nas próprias recordações, abre uma porta para o passado; a estrada lá dentro tem muitas ramificações e a cada vez o trajeto é diferente.