Walton Carpes
Se eu pudesse, apenas um dia,
voltar no tempo,
queria que fosse
para o dia em que te conheci.
Se eu devesse, talvez,
corrigir um erro,
queria que fosse
o da nossa primeira briga.
Se eu pudesse, então,
repetir o que foi bom
queria que fosse
o nosso primeiro beijo.
Se eu pudesse, ainda,
desfazer um ato,
queria que fosse
o te ter magoado.
E se eu pudesse, por último,
fazer um pedido,
queria que fosse
o de ser feliz pra sempre
contigo.
SONATA AO LUAR
Flui, suavemente, a melodia
romântica,
em meio ao borborinho das falas
e dos movimentos
agitados.
À beleza da arte
se impõem, mais fortes,
o som cascateante
das risadas despreocupadas
e o ruído berrante
dos carros passageiros.
E a mensagem de amor,
buscada fundo na alma sensível
do compositor,
se esvai, perdida,
inaudita ,
à deriva no espaço e no tempo,
sem encontrar
alguém que a receba,
sem descobrir
alguém que a entenda,
sem alcançar
alguém que a desfrute.
A Sonata
já não comove os espiritos
antes sensíveis.
O luar
já não encanta os olhos
antes deslumbrados.
E o amor
já não preenche os corações
antes apaixonados...
BÂTON ROUGE
Sobre a velha cômoda,
já sem lustro e descascada,
solitário,
o velho e gasto bastão vermelho espera,
paciente,
a última boca a pintar.
Todas elas,
as velhas prostitutas,
o têm usado
para mascarar a face
precocemente desgastada pela vida.
E ele, coitado,
se doou, aos poucos,
a todas elas,
as velhas prostitutas
de apenas trinta anos.
Já tem pouco a dar.
Mas vai, agora,
uma vez mais,
emoldurar o sorriso quase sem dentes
da mais idosa
e fazê-la parecer linda e feliz,
como nos velhos tempos.
E, na concessão dos últimos beijos
daqueles lábios ressequidos,
que ainda tentam demonstrar paixão,
pouco a pouco
desaparece o velho batom
escarlate.
E assim, com ele, vai também
um pedaço da vida e das lembranças
delas todas,
as velhas prostitutas,
já mais velhas
e, agora,
de sorriso mais sem graça...