Vladimir Wingler
Roda Gigante e Balões
Estou solto eu sei
Um pouco mais do que a maioria
Fabulosa é a luta contra si mesmo
Mais mortal que as batalhas no front
Multiplicada pelas engrenagens
Movendo engenhosas polias
Centrifugação e força bruta
O limite do suportável
O insuportável ponto de equilíbrio
A coisa medíocre na forma hidráulica
Convicta e incomprimível
Em eixo fixo, em giro lento
Que me venham os vapores
As nuances e furta-cores
Toda coisa em estado gasoso
Fugaz, flutuante e vertiginosa
Todo verbo inventado
Imaginação e delírio.
Meus tons de verde
Por traz das lentes verdes de um velho Ray Ban
A vida segue com um grau de distração focado
Eu gosto dessa interface que me foi dada; verde.
E estou gostando cada vez mais da vida
De verdes trilhas e estradas
Troquei o vermelho intenso, pelo verde
As maçãs redondas, ácidas e brilhantes
Pelas pêras torneadas, acetinadas e doces.
Ao meu paladar agradam hortelãs e alecrins
Descobri que até o azul, dono do céu e do mar
Precisa de verdes florestas para ser pleno
E em mim. Um verde jaspe heterogêneo e dominante
Do esmeralda dos olhos da minha mãe
Do militar e único de meu pai
Das ervas que temperam meu trabalho
E o da esperança intocável por dias melhores.
Por tantos dias e noites
Atravessando a vida, minha vida
Através de vidas, outras vidas
Por mim vividas, por outros vividas
Entre tantas coisas ditas, coisas perdidas
Encontrei procurar-me
Untar-me a algo e dar a mim
Antigas forças esquecidas
Criar-me de um ponto
De fuga recriar-me.
Perguntas e Respostas.
O homem que criou Deus que criou o diabo?
Deus criou o diabo que criou o homem?
O diabo criou o homem que criou deus?
O homem criou Deus para perdoá-lo.
E o Diabo para culpá-lo.
A arte que crio o homem, que criou os Deuses?
Os Deuses que criaram a arte que criou o homem?
Os homens que criaram a arte, que criou os Deuses?
O homem existe, todo resto está no campo arte.
As perguntas, pertencem à todos.
As respostas, pertence ao ser.
Apenas danço.
Instinto seria um bom motivo
Danço ao som do seu sorriso
Uma dança pagã aritmada
Entre as elipses de suas formas
Arrefecido e febril eu danço
Insanidade seria um bom motivo
Pra saltar os precipícios adiante
Tomar impulso e partir
Retirar as vendas em queda livre
E sentir prazer ao cair
Sobrevivência um justo motivo
Para estar nu diante dos inquisidores
Sorrir apenas, sem intenções pensadas,
Cantar porque é vital
Ou seria medo o tal motivo?
Da solidão ensimesmada e presente
De me abandonar diante do espelho
De me confundir com alguém que nem conheço
Um motivo triste seria a fome
Seria biológico e rígido demais
Apenas o cumprimento de um ciclo
Encerrando numa noite fria
Penso por que eu danço
Ao som do seu sorriso
Por que me queima essa febre
E na ignorância pura dos infantes
Alucinadamente e dopado eu danço
E faço do amor o meu maior motivo.
Sob meus pés
Muito menos
Areia de praia
Flores de ipê caídas
Grama fresca
Amarelinhas
Caminhos de volta
Muito mais
Terra firme
Folhas secas
Asfalto quente
Tons de cinzas
Caminhos de ida
Não estou cansado
Apenas caminhando
Solidão
Despedi-me tantas vezes de mim
De lugares que eu queria ficar
Vi a lua de diferentes janelas
Enquanto quatro paredes me guardavam
Pra cada taça de vinho que bebi só
Um falso poema suicida eu fiz
Disse frases diante do espelho
E no outro dia esqueci
Despi-me tantas vezes de mim
De uniformes sujos engordurados
Enquanto minha imagem envelhecida
Embalava minha alma infantil
Acordo-me toda manhã
Como se alguém me acordasse
Pra uma realidade adormecida
Pros sonhos que realizarei agora
Por fim, nos dias de chuva.
Ao abrigo das marquises
Meu coração se acalma
Na paisagem riscada pelos pingos
Minha alma refletida nas poças
Espreguiça na calçada
Navega em Barcos de papel
Vladimir Wingler.
Se não tenho nada
Nada de mim se perde
Nada que tirem de mim
Pode me subtrair
Não quero nada
Não mais que minha alma
Invisível e vazia.
Vladimir Wingler.
Deitei-me hoje no banco da praça
Fazia tempos que não enxergava
O mundo de baixo pra cima
A copa das arvores e os pássaros
A serenidade em movimento
Ao som de uma música composta
Num tempo antes de nós
Na primavera de milhões de anos atrás
Vladimir Wingler.
A NOITE DA DOR
Nem as sombras estavam lá
Os raios esconderam o clarão
E os trovões se calaram
Diante daquele clamor
Era a noite da dor
E todos que um dia amaram
Ouviram com o coração
Aquele homem chorar
Na infinidade das sofridas horas
Provou do pão da indiferença
E no fervor da sua dor imensa
Embebedou-se em suas próprias lagrimas
Todos os medos da infância acordaram
O fracasso de todos os amores
Tomou-lhe o corpo como trepadeira
E todas as frustrações lhe estrangularam
E enquanto a lamina afiada de desesperança
Partia em dois a graça de uma vida inteira
Desbotaram-se todas as cores
E todos os sons semitonaram
Na aparência do infindável momento
Trazia o sol tamanha claridade
Que alheio a todo sofrimento
Afugentava toda escuridão
E a benevolência do tempo
Trazia consigo a conformidade
E foi a vida maior que o momento
E foi-se a noite como os amores se vão
Vladimir Wingler
Ruínas
Mesmo depois de tudo
Que tudo que restou foi nada
Sentado nessa calçada
Calado como um surdo e mudo
Eu amo
Destruíram minhas cidades
Afundaram meus navios
Rasgaram minhas vestes
Envenenaram meus rios
E ainda assim eu amo
Queimem o que sobrou então
Todos os meus vinhedos
Tirem os anéis dos meus dedos
Matem o meu cão
Executem seus planos
Cumpram suas metas
Destruam todos as poetas
Malditos seres humanos
Porque de um jeito ou de outro
Ferido, me arrastando.
Mesmo depois de morto
Vou continuar amando.
Vladimir Wingler
Muriqui 14/01/2003
Por aí vai...
Andar em minha companhia
Requer cuidados especiais
Vivo me dizendo isso
Sei que sou péssima influência
Mas se me abandono
Por uma fração do tempo
Sou consumido pela dor
Da ausência de mim mesmo
Vladimir Wingler
Versos Ateus
Eu que não tenho Deuses
Não tenho crenças
Contemplo minha existência
Não escrita em páginas
Não pintada em tetos
Pela mão do meu semelhante
Ao desabrigo dos templos
Ouro e frios mármores
Nenhuma ameaça está sobre mim
Nenhuma recompensa desejo
Nenhuma dúvida me assombra
Firmo meus pés na branca areia
Sob a abobada de um céu azul
E vejo a humanidade cega
Criar infernos
Diante do paraíso
Vladimir Wingler
Silencioso
Em nosso olhar
Tanta coisa escrita
Sem gestos, fonemas
Palavras, tradução.
Para que o falar?
Se a coisa dita
Ou mesmo os poemas
Não explicarão
O nosso laço, abraço
Sem vão, sem fresta
Sólido, mineral
Forte, indestrutível
Nosso mundo, espaço
a vontade tácita
Simples, natural
Gigante, imensurável.