VivianDelamo
MANHÃ DE DOMINGO
Os lençóis estão quentes, amarrotados, amassados, mas sinto frio. Espreguiço-me sem abrir os olhos. Reconheço, ao lado, o triste espaço vazio. Ao esfregar meu braço na cama, do lado, sinto o lençol gelado. Preferia muito mais quando acordava encolhida ou espremida.
O sol brilha entre as cortinas, fere-me a retina. Esfrego os meus olhos, não pela luz, mas por não acreditar que você não está mais aqui. Não me bastam só as memórias, preciso voltar aquele tempo. Olho pra dentro de mim buscando você, mas meu único resultado é um par de lágrimas.
Levanto-me em mais uma quinta ordinária. Caminho até o espelho e tudo parece vazio, não vejo você atras de mim no espelho. Não reclamaria mais dos seus pés gelados no meu, enquanto estou ao seu lado tentando dormir. Não reclamaria mais das cosquinhas na barriga e da força do teu abraço quando me beija, enquanto sem querer me borro com o batom por mera distração.
Hoje olho esse batom, abro a tampa e giro a embalagem. Uma lágrima cai em cima e escorre até borrar de vermelho a pia; borrada igual ficavam os meus lábios sempre quando você me dava um abraço e me beijava. Borrado também estão meus olhos, tentando conter inutilmente as lágrimas. Borrado também está meu coração, ferido e encolhido, não dando voz ou sentido a razão.
Esse choro me traz um arrepio e o arrepio me traz frio. Envergonho-me ao me olhar no espelho em um momento tão frágil e com os olhos tão inchados. Vou para o quarto e, no armário, busco uma camiseta.
Abro a gaveta. Procuro o que vestir e, lá no fundo. encontro a sua camisa. Pego-a com todo o carinho e novas lembranças me vêm. Ela ainda tem o seu cheiro. Só de senti-lo, fecho meus olhos, e já sinto sua pele quente na minha, juntamente com a minha vontade de devorar você.
E depois de tudo, você era meu alicerce. Não sou maior sem você, não sou melhor sem você.
Olho ao redor. Vejo meu quarto vazio. Vazio... Vazio... Vazio... Assim eu me encontro. Vazia!
(FOOL)
Recue!
Dê uma olhada em mim
E você verá
Como sou na realidade
Eu sinto apenas o que posso sentir
E se isso não atrai você
Deixe-me saber
E eu irei
Porque eu fluo
Melhor quando minhas cores se mostram
E é desse jeito que tem que ser
Honestamente
Pois a criatividade
Poderia nunca florescer
Em meu quarto
Eu jogaria tudo pra longe antes de mentir
Então não me chame pra um compromisso
Desligue o telefone
Eu tenho defesas
Mais fortes que as suas
Se está tentando me transformar em outra pessoa
É fácil de ver que eu não estou triste com isso
Eu não sou nenhuma boba!
Se está tentando me transformar em outra coisa
Eu vi o bastante e estou cansada disto
Eu não sou a nenhuma boba!
Se você quer me deixar pra baixo
Vá em frente e tente
Vá em frente e tente...
Você não sabe
Você pensa que me conhece como a si mesmo
Mas eu receio
Que você só está dizendo o que eu quero ouvir
Mas você que se dane
Entenda
Que eu não posso
Não ser o que eu sou
Eu não sou o leite nem os cereais na sua colher
Eu não sou uma qualquer aqui e não estou nem perto
Eu posso ter caído nessa quando tinha 14 anos
Quando era mais imatura
Mas é incrível o que alguns anos podem fazer..
Se você quer me deixar pra baixo
Vá em frente e tente...
Tente...
IRONIA
Dia abafado, o calor faz-me suar pelas têmporas e sentir meu corpo e meus braços úmidos, como se pequenas gotículas de água o cobrissem. Não há Sol, está nublado, mas a claridade ainda assim machuca meus olhos que acordaram há menos de duas horas e tanto, por isso estou de óculos escuros e com os vidros do carro abertos. O trânsito não está muito barulhento. Paro naquela esquina, no farol. Na padaria de esquina há um mendigo quase deitado, recostado sobre a parede branca, um velho imundo, barba grande que está brigando com seu chinelo rosa. No meio da discussão recosta a cabeça na parede e fecha os olhos, que estavam há todo tempo estavam semiabertos. Não sei se é a bebedeira, a ressaca ou o peso da vida.
Neste exato momento, ao seu lado, pela porta da padaria desce aquela velha senhora na pequena rampinha, amparada pela sua neta. Elegante batom vermelho nos lábios, blusa branca de mangas longas, uma calça meio social, sapatos baixos, colar de ouro no pescoço e alguns anéis do mesmo metal nas mãos. Exibe com orgulho sua cabeça totalmente careca e carrega em um dos braços uma sacolinha.
A sacolinha cai e a latinha de Coca-Cola sai rolando pela rampinha, acompanhada pelo grito de surpresa da senhora e parando despretensiosamente no meio da calçada, entre a velhinha e o mendigo. Este, abre bem o olho até que fique novamente semicerrado e fixa-se na latinha. A senhora também e, com ajuda da neta acelera o passo para pegá-la. O mendigo se inclina cambaleante em direção a sacolinha também, mas não tem muita força, nem velocidade para alcança-las. Neste exato momento os olhares se cruzam, velhinha e mendigo. Ficam assim por alguns segundos. Segundos que parecem eternos. Olhos cansados, velhos, que já viram e passaram muita coisa em todos esses anos, mas, os olhares, não são de afronta, são de mútuo respeito.
A neta daquela senhora pega o saquinho e a latinha e guia o braço da velha para o sentido oposto ao do mendigo. Os olhares se descruzam e perdem a atenção. Um com saúde e sem dinheiro, o outro com dinheiro e sem saúde. Cada um segue sua vida, no sentido oposto. O momento é ordinário, o dia é comum; mas cada um segue o seu rumo, pensando que daria de tudo na vida para ter, em apenas um momento, o que o outro tem.
Faço as malas e pego a estrada. O azul no céu e seu olhar em minha mente. Não posso mais dizer. Não posso mais ficar aqui. Já não caibo neste lugar, já não caibo em mim. Me é sufocante, me é angustiante. Com um suspiro e um grito solto o que estava suprimido em minha garganta. Andando e me distanciando, minha mente se libertando. Busco um novo mundo, novos sentimentos. Matar a rotina. Matar a vocês., matar a mim e renascer.
Infinitas possibilidades, infinitos erros; parece insanidade. O enorme prazer de enfrentar o medo e o erro. A coragem que se precisa para ganhar. Passar dificuldades e estar em condição se não apenas ser o que á foi, mas se tornar o que já é. Seguir o fluxo, saber a hora de ser objetivo e também quando ser difuso.
Não quero me fazer compreendido e não preciso mais da vigília do seu olhar. Me mato para renascer além-mar.