Vergílio Ferreira
Toda a obra de arte é datada. A diferença entre a grande e a pequena é a que sobra dessa data.
Há o que tem limite e o que é sem limite. A arte é a forma perfeita da consciência destes opostos.
A melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.
Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.
A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.
Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. Apenas pela razão de nos fatigarem.
Uma história vivida não tem tempo de calendário - tem-no só no que se viveu.
De que te serve a inteligência, se não tens inteligência para a usar com inteligência?
Falhaste a vida, é evidente. Mas não o digas. Porque haverá logo quem venha proclamar em alvoroço que tu mesmo afinal confessas que falhaste para o cretino trombeteiro se julgar menos falhado e os cretinos como ele.
Não te queixes tanto das falhas de memória. Porque se soubesses tudo o que soubeste, não te poderias mexer. E então é que não terias nenhuma.
Nenhum vício se pode combater pelos malefícios que traz, mas sim, por não ser aceitável para a opinião que dele têm os outros. Se queres combater o tabaco, não digas que faz mal. Diz apenas que parece mal.
Não se pode imaginar uma cor, fora das cores do espectro solar. Não se pode ouvir um som, fora da nossa escala auditiva. Não se pode pensar, fora das possibilidades da língua em que se pensa.
Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero. Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for. É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto. Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro.