Valéria R F. Leão
É O QUE DIZEM
Valéria Leão
Dizem por aí
que eu tenho uma alma antiga
que bebe vinho, dança bolero
e acha graça na vida.
Dizem por aí
que eu abro a porta para a
poesia, que acolho seu pranto,
que compreendo os seus mais
íntimos ruídos.
Dizem por aí
que essa minha aparente
leveza de ser
nasce da conclusão
de que não se pode ter tudo
e, portanto, só nos resta viver
com o que se tem.
Dizem por aí
que esse meu inesperado
encontro com a poesia
é o resultado de uma
confusão de afetos
que, como as estrelas,
se chocam e se estabilizam.
É o que dizem por aí!
Rima pobre.
Rima rica.
Toda rima tem seu valor.
Se duvidas dessa verdade,
pergunte a um poeta trovador
AGOSTOS
Ano após ano
A gente vai vivendo os agôstos
Na esperança de que os setembros
Nos tragam novos ares
E levem para algum lugar distante
A melancolia que nos sonda
Em cada entardecer sufocante
Dos dias de sêca
Ano após anos
A gente vai sobrevivendo
Carregando no olhar
As marcas daquelas tardes
E, em um de repente,
A gente estanca
Pode ser que exista mais passado
do que futuro a ser vivido
Nesse momento percebemos
Que é urgente afastar a melancolia
Para viver cada agôsto em sua plenitude
VALÉRIA R F LEÃO
UM TRAGO DE POESIA
Mesmo que seja difícil encontrar inspiração nesses dias repletos de agonia, na ausência de gestos de fidalguia, o poeta busca a paz na poesia e nela se refugia.
Há de existir um lugar onde se possa tomar um trago dr poesia, de utopia, de alegria. Há de existir esse lugar.
Valéria R. F. Leão
DIVAGAÇÕES
Dentro da noite,
aparentemente calma,
a inquietude ronda a alma.
Pensamentos, lembranças.
Ausências, vazios.
A porta da saudade escancarada.
O aroma da flor da "dama da noite"
acionando o gatilho da memória.
Retorno à fazenda da infância.
Devaneios de uma noite de primavera.
A imaginação rompendo as fronteiras.
O pensamento vagando pelo passado.
Tempo, dimensão,
pragmatismo, divagações.
A urgência da vida,
dos dias, dos meses,
entre chegadas e despedidas,
impondo o seu preço.
No silêncio,
resta a certeza de que nada foi em vão.
O atraso, o sonho desfeito.
O silêncio, o inesperado, a reflexão.
Valéria R. F. Leão
RACISMO NÃO
Ela pode ser passista,
jornalista, cientista, ministra.
Mulher negra, decidida,
pode ser o que quiser.
Ele pode ser atleta,
poeta, astronauta, desembargador.
Homem negro, destemido,
pode chegar onde quiser.
Eles podem escolher qualquer caminho, seja ele, o caminho que for.
Sabem, bem, por experiência,
não há caminhada sem dor.
Ambos sabem que vivem a triste realidade de um mundo absurdo
que separa as pessoas
pelo seu gênero e cor.
Ambos sabem que suas escolhas enfrentarão barreiras invisíveis, disfarçadas, dissimuladas ou não.
Barreiras de segregação.
Barreiras, por vezes, escancaradas
que envergonham os cidadãos
de bem de uma nação.
Herança de um período cruel
em que irmão escravizou irmão.
Discriminação racial, social, cultural.
Discriminação ancestral.
Racismo estrutural.
Enraizado em mentes estúpidas
Continua semeando o mal
Mesmo que não seja esse,
exatamente, o meu "lugar de fala"
deixo aqui e agora
a minha posição.
Racismo não!
Valéria R. F. Leão
AMIGO IRMÃO
Todo mundo tem o amigo do momento.
Todo mundo teve amigos de ocasião.
Todo muito já teve um amigo por uma estação, seja ela inverno ou verão.
Tem amizades que ficam.
Tem amizades que passam.
Tem amizades que deixam marcas no coração.
Tem amizades que são na verdade graça divina, bênçãos sem explicação.
Amigos de momento e de ocasião.
Amigos de toda e qualquer estação.
Amigos "raiz" que se fixam no nosso chão.
Amigos flocos de neve, que se derretem diante da primeira provação.
Amigos de fé.
Amigos sem religião.
Amigos de direita,
centro ou esquerda.
Amigos que respeitam a nossa opinião.
Amigo não tem cor, raça, gênero,
ideologia ou religião.
Amizade é respeito mútuo.
Amizade é um querer bem sem definição.
Dentre todos os amigos, alguns deles se tornam irmãos.
Valéria R. F. Leão
ENGANOS
A gente se engana!
Com amigos e amores,
com expectativas e promessas
Com afetos que julgávamos garantidos.
A gente se engana!
A decepção bate à porta.
A realidade se impõe.
A lucidez nos deixa em alerta.
A gente se engana!
Frustrações nos amadurece.
Desilusões nos fortalece.
Despedidas, necessárias, nos entristece.
A gente se engana!
De que nos servem os enganos?Deixamos as ilusões de lado.
Entre perdas e ganhos nos curamos.
A gente se engana!
Valéria R. F. Leão
EU E ELA
Não sei se eu a escolhi, ou se foi ela,
a poesia, que me acolheu.
Só sei que graças a essa parceria
encontro alguma leveza
nas horas dos meus dias.
Valéria R. F. Leão
DEVANEIOS
Quem me dera
Da rosa o verso.
Do verso a trova.
De trova em trova
Uma boa prosa.
Quem me dera poeta, escritor, trovador.
Quem me dera
Da prosa a canção.
Canção de rosa toda prosa
Em verso e trova.
Poesia transbordando, arte em ebulição.
Quem me dera a inspiração.
Valéria R. F. Leão
PRESENTE OU PRESENÇA
Tem gente que é presente.
Tem gente que é presença.
Tem gente que mesmo presente
não é presença.
Tem gente que ouve.
Tem gente que escuta.
Tem gente que olha.
Tem gente que vê.
Nesse universo diverso
que tipo de gente é você?
Que tipo de gente sou eu?
Que tipo quero ser?
Valéria R. F. Leão
POETA, SERÁ?
(...)
Se a rotina fez uma pausa,
se algum tempo há de sobra...
Poeta? Sim! Por que não tentar?
Sair da zona de conforto,
sempre é tempo de recomeçar.
Se a vida te convidar, não hesite.
Tome posse! Não deixe a chance passar.
Valéria R. F. Leão
DESENGANO
Na ilusão daqueles dias
Com pureza d'alma
Ela acreditou que o sorriso era sincero
Que o abraço era fraterno
Que existia um bem querer
(...)
Qual poeira levada pelo vento
Pelos caminhos dessa vida
O que havia de bom, se perdeu
A boa fé, sentindo-se traída
Com uma lágrima, disse adeus.
Valéria R. F. Leão
ALMA IMORTAL
Trago comigo uma alma antiga
Uma alma outonal
Que dança bolero
Que rodopia buscando o equilibrio
Que a ninguém deseja o mal
Uma alma que aprendeu
Com o passar do tempo
De rodopio em rodopio
Que folhas secas
Não sentenciam o final
Benditas sejam as almas
Que seguem pela vida
Buscando a evolução
Sejam elas de qualquer estação
Valéria R. F. Leão
REVERSO DA DOR
Me censuras pela minha poesia?
Acreditas, mesmo, que nela me ufano,
fujo da realidade, me refugio?
Mal sabes, meu caro senhor,
que, por vezes, é em cada verso
que busco o reverso da minha dor.
É nela, na poesia,
que restauro minhas forças
e venço a crueza de certos dias.
Valéria R. F. Leão
A RAZÃO DO MEU AFETO
Gosto de quintal,
do gosto da fruta tirada do pé.
Gosto de jardins,
de noites com cheiro de jasmim.
Gosto das lembranças
de domingos de horas sem fim.
Lembranças de um país rural, profundo, ancestral, que ainda vive em mim.
Valéria R. F. Leão
Ressignificar acontecimentos, sentimentos, lugares e relacionamentos.
Ressignificar para reconectar.
Sempre que for possível.
ALMA IMORTAL
Trago comigo uma alma antiga
Uma alma outonal
(...)
Uma alma que aprendeu
Com o passar do tempo
De rodopio em rodopio
Que folhas secas
Não sentenciam o final