Trindade, C.
Até onde poderia aguentar? Não se sabe. Mas ela sabia que estava no seu limite. O corpo começou a pedir arrego, o coração queria desacelerar e a mente simplesmente relaxar. A vida cansa a gente, não? Ou será que a gente cansa a vida? Afinal, o que é viver? Não se sabe ao certo. Mas ela sabia que estava cansada. Era mais tristeza do que alegria, e isso ela tinha certeza que não fazia sentido. Mas, afinal, a vida há de ter um sentido? Se são os sentimentos que nos movem e nos exigem investimentos de energia psíquica, por que procurar uma razão? Não importa. Ela simplesmente cansou. Cansou de sua rotina, cansou dos seus amigos, cansou do seu trabalho, cansou até mesmo de si. E cansar de si é o suficiente para desacreditar em si. Desacreditar que amanhã tudo será diferente e que um lindo dia de sol brilhará sobre seu corpo, mente e alma. É tão mais fácil desistir, deixar pra lá, desacelerar. Seguir em frente requer mais de nós. Simplesmente ela está cansada. Não quer mais. Pronto, já chega, acabou. Apaguem as luzes, desliguem os sons, fechem a porta. Ela quer apenas dormir. Suas pálpebras se fecham, sua respiração sossega, seu corpo está imune. O inconsciente a chama. O mundo onírico a convoca a viver seu mundo de fantasias, alegrias e intensa felicidade. Silêncio. Não ousem acordá-la. Deixem-na dormir tranquila. Amanhã será um novo dia e tudo há de ser como antes.
O mundo está de cabeça para baixo. Ou a vida me virou do avesso? Sinto-me desequilibrada. As coisas deveriam ser mais simples, penso eu. Seremos nós, humanos desajeitados e sentimentais, que complicamos tanto as coisas? Não sei. No momento, assim que estou. Sentindo-me um ser mal intencionado e imperfeito que só pensa em ser feliz, nada mais. Simples assim. Enfrentando tempestades e desacertos, busco encontrar-me por aí. Busco redescobrir novamente o meu verdadeiro eu. Mas se o avesso for o meu lado certo? Portanto, sigo assim. Cansaço de buscar encontros em meio a desencontros. Serei feliz ao avesso, ao contrário, ao antagônico ou igual a qualquer outro sinônimo que baste. O autoconhecimento, às vezes, enjoa. Perder-se de si próprio, sem previsão de reencontro, deve valer a pena.
Estamos passando por um momento ruim e acreditamos que para sempre assim será. Ou então, conscientizamos-nos que é só um uma maré perversa e que logo passará. Aliás, tudo passa. O tempo cura tudo. Não é o que sempre nos dizem? Doce ilusão. Nada passa. Tudo fica. Reprimido e latente, dentro de nós. Cada dor e cada sorriso vão nos estabelecendo como seres humanos. Não passa, permanece - só que não conscientemente. Tolice a nossa acreditar que tudo passa e que amanhã será um novo lindo dia e toda a dor não nos pertencerá mais. A dor permanece, mas ela cessa, adormece em nós. E enquanto essa dor cochila, continuamos a viver feliz. E é exatamente aí que se encontra o perigo, não sabemos ao certo quando ela despertará.