Tiago Fehagan
Fui morto na noite de janeiro, asfixiado por um travesseiro ligeiramente em mãos vulgares. Fui sacrifício em vis altares, mas sabia não ser o primeiro.
Ela quis tanto ser meu único pensamento que resolveu me deixar. Para que eu sofresse por ela, e não pelos mortos que eu estava a enterrar.
Ao dar-lhe um último presente, falei: "Para você não se esquecer de mim". Ao que ela respondeu: "Como se fosse preciso".
Um mês e alguns dias depois, por telefone, ela terminaria o nosso relacionamento de quase três anos, sem apresentar nenhuma razão objetiva.
Até hoje não sei direito como processar ou reagir.
No fundo, eu só gostaria de encontrar uma explicação, ainda que eu saiba que isso já não mudará o curso dessa história.
E se ainda me resta alguma coisa a dizer, é que invejo o seu poder de esquecer, e mais ainda o seu dom de iludir.
Você decidiu confiar em alguém mais que em si mesmo, e agora terá que conviver com o fato de que só você se restou.
Eu perdi o sentido do meu existir. A bem da verdade, jamais encontrei sentido algum. Só fantasiei que pessoas pudessem sê-lo — e fiz disso o meu falso milagre.
Às vezes nos doamos demais a quem não nos tem o menor apreço. Tratamos como inestimável quem, na verdade, tinha um preço.
Quando você ama desesperadamente alguém, e diz e demonstra isso todos os dias, você cai na ingenuidade de achar que é plenamente correspondido. Você esquece que o outro não é você — embora a tradição tenha incutido na mente da sociedade a ideia de que o matrimônio torna dois em um só.
E finalmente descobrimos que desperdiçamos uma parte importante de nossas vidas nos preocupando com pessoas que depois, sem dó nem piedade, nos extirpariam para sempre do seu convívio; sem a menor consideração pelo que fizemos por elas — em situações em que nos esquecemos até mesmo de nós —, jogando por terra tudo aquilo que sonhamos e construímos juntos.
Jamais voltamos a ser os mesmos depois de consecutivas tempestades. O mais provável é que nos tornamos verdadeiros desastres humanos: devastados e desabitáveis durante longos períodos de tempo.
Eu a fiz viver um amor que ela nunca tinha vivido. Em troca, ela me matou, duma morte que eu já tinha morrido.
Não abra mão de seu lugar para tentar caber em outro. Pois a porta que não é sua poderá se fechar, e quando você se tocar, a distância já terá levado os amigos.
Da parte dela, era qualquer coisa, menos amor. Amor não se furta à prática, muito menos às responsabilidades.
Eu estou morto para tudo que é vida. E estou exposto, mais que qualquer outra ferida. É o fim da linha para quem um dia acreditou profundamente em recomeços.
Alguém um dia rasgou minhas vestes e sacudiu a sujeira dos pés em minha face. Outro jurou amor, amor eterno e, em questão de tempo, me destruiu.