Tere Tavares
Só o que se ousa enxergar se torna visão.
O que da outra parte pende em reflexo, não é senão o próprio rosto visto do exterior, a recolher a imagem que, por desconhecimento, aludiu única.
Enquanto eu me pergunto em qual canção estou. Um selvagem brilho reparte o chão macio. Como se reproduzisse o som do mar.
Uma verdade, para mim, inescapável: de artistas, talvez, tenhamos apenas a alma. A capacidade de nunca perdermos a magia.
Há um sentir que dança e não duvida dos teus motivos. Não te retraias diante de nenhum interdito. O que te desloca em direção à criação evidencia todo um sistema de vida. Da limpidez das nuvens de outrora. A chuva de bailarinas dentro do quarto. A magia fixa das colinas. O que passa despercebido. O que passa ao de leve. O banal sem ser comum. O extraordinário que vive na inocência de todas as coisas.
Natureza morta. Esse conjunto não natural. Esse emaranhado estático e desértico. Crava pedras agudas no azul escasso do céu. Quanta ironia salta dessas flechas nocivas à vida. Quanta evasão nos corações que não batem mais. Anda pelo frio tu que açoitas o carinho das noites. Sem alma. Sem flama. Sem nunca mas ouvir o verde.
Se algum dia disserem que és inútil não acredite. O mundo tem motivos que só a inutilidade conhece.
Ler no horizonte a palavra áfona. A voz que emana do vermelho-escuro-amarelo-claro. Desde que seja algo que se move por comover. Que instrua como ver o receptáculo, a inspiração que atua com sua própria força realística, cósmica, necessária porque se dá. Porque acontece. É tarde e um pássaro insone proclama a rebeldia que me ronda. Basta esse olhar.
Essas madeixas de noz. E sentir-te como eu.
Creio que a Natureza não escolhe o que iluminar; simplesmente atua com seus raios aflitivos e infalíveis. Só o homem cru sabe das diásporas.
O tempo é uma ilusão que a humanidade criou para desanuviar-se do desespero. Só a eternidade existe.
A arte é uma espécie de lucidez ao contrário. A obra não termina ao ser considerada terminada. Porque, não importa quem a tenha feito, ela seguirá seu próprio caminho, com suas asas intermináveis, distante do autor, distante do que tenha sido a motivação para configurá-la e, fatalmente, terá os olhares que a lerão enquanto haja olhares.