Tatiany Araújo
Não há como olhar a vida e nada ver. A dor, outrora embuída no mais intrépido sentimento, um dia se aflora como a alva manhã de dias tão ensolarados.
Quanto a esse corpo, sagrado templo das idéias, tentação das loucuras e fardo pesado dos incrédulos, descansa-o ao lado de qualquer homem, pois destes não sou nenhum pouco melhor. - fragmento do livro: O jovem da rua 4
Os lábios da moça se moveram, mas o som se perdeu numa lufada de vento. Dã caiu sobre o parapeito da janela e sussurrou: - Eu não posso ouvi-la. Não posso ouvir esse mundo, meu bem. Os olhos se fecharam com calma, o corpo todo se suavizou. Dã sorria por um segundo e sua mente se apagou no quieto lago da morte.
Quem porventura debaixo dos céus nasce bom? O homem é iníquo desde tempos remotos e, quanto a isso, pouco ou talvez nada se possa fazer. Se fundamentam na própria mentira e acreditam-na como verdade.
Os homens não se preocupam com o bem e a justiça social e ainda rotulam os que o fazem. Pouco se importam por aqueles que gritam por socorro. Passam por cima de tudo e de todos, sempre que desejam conquistar algo. Burlam as leis e, sem escrúpulos, delas se esquivam como se nada acontecesse. São maus e se propagam justos. São tolos e se entendem sábios.
Os jovens vivem na ilusão de que o mundo é seu. Mal preparados para a velhice, mal preparados para a morte. Eles se encontram em muito pouco.
Somos o encanto e desencanto
O que canto e o que no canto se encontra.
Sou eu, sem ser o que sou.
Sou um não-sou de todas as coisas.
Um rei de mim mesmo, sem nada saber...e ser!
De volta, Titita compreendeu que não fazia mal, de vez em quando, visitar o planeta Internet com todas as suas novidades, mas que, de forma alguma, poderia abandonar a sua caixinha e todas as coisas que com ela aprendeu. Os seus livros, velhos amigos, permaneciam lá, no mesmo lugar, esperando por ela. (Extraído do Livro: A Caixa e o Reino)
UMA AVÓ DE AÇO
Tenho uma avó de aço. Sim, minha avó é de aço. Desde muito cedo a vida lhe sorriu em desventuras. Se tornou órfã de mãe aos 6 anos e sem condições, o pai entregou os vários filhos a muitos. Ela fora criada um período por primos e depois por desconhecidos que a queriam adotar. O destino trouxe-lhe meu avó, 19 anos mais velho que ela, e ela, aos 19 anos, casou-se com ele . Fruto dessa união, nove filhos foram nascidos, sendo que pelas peças e ensaios da vida, se foram dois: uma menina com 2 meses e meio, e o único filho homem - mesmo nome do pai, invadido pela leucemia aos 8 anos de idade.
Quando surgi, filha da sua 2ª filha - neta primeira, portanto mais velha, cresci vendo-a de aço. Impávida, alcácer da casa, mulher vigorosa...enquanto meu avô, na mansidão das palavras a acompanhava em admiração. Dona Iraci esbravejava com sua tempestuosa personalidade. Fazia todo mundo tremer. Trabalhava arduamente para cuidar de tudo. ASB dedicada, cuidava da limpeza com maestria tanto no serviço, quanto em casa. Recordo dela chegando com baldes de "lavagem" para alimentar os porcos do chiqueiro que tinha aos fundos da casa.
A casa de vó sempre foi o melhor lugar do mundo. Era lá que encontravam os netos, tantos outros que foram nascendo das outras seis irmãs da minha mãe. Mas antes de qualquer coisa, naquela casa o lema era trabalho. Não recordo um dia sequer da minha vó descansando (é estranho hoje vê-la deitar!). Quando chegávamos, ora era na cozinha, ora na limpeza da casa (que até os dias de hoje permanece impecável), ou ainda nas quitandas e doces (meu preferido era de goiaba)...os tachos de cobre gigantescos e quentes. A lembrança da minha vó era de uma máquina de trabalho, como se nela existisse um motor incansável e eterno. E creio que de tanto assim viver, seu cérebro registrou que era! A dinâmica desse cotidiano, nos fazia enxergá-la puro aço.
Fui uma neta muito presente na infância e por muitos anos da juventude...mas de repente, com tantas mudanças....as visitas vão se tornando escassas, os encontros diminuídos...enfim... Por que precisamos crescer? Aliás, por que precisamos crescer e esquecer?
Hoje foi dia de poesia dentro de casa. Hoje a poesia exalou nos cantos da cozinha da casa de minha vó. Na despedida rotineira das minhas curtas e raras visitas de final de semana - tão comuns e singelas como todas as que faço quando saio de casa e retorno para onde moro, abracei-a apertado, dizendo: "eu te amo vó!" Ela me olhou com olhar triste e lacrimejado. Então falei:
- Vó, uma amiga viu minha postagem (abri o instagram e mostrei a ela nossa foto do dia anterior) e disse: viva e linda! Ela, com os mesmos olhos:
- Linda o quê, minha filha!? Vagueou triste e continuou: Minha filha, a gente não enxerga, sabia? A gente não vê a velhice chegando. Não percebe! Ela vem de mansinho. Quando me olhei no espelho, assustei! Estou tão velha! Não me reconheço. Pergunto: quem é essa? Não é fácil aceitar, minha filha. É muito difícil encarar. Agora ta menos ruim dentro de mim, mas não é fácil.
Segurei sua mão. Seu olhar era de dó. Dó pelo o que a velhice lhe vem provocando, lhe vem martirizando. Fixei meus olhos nos dela:
- Eu te amo, vó! Você é linda! É difícil, mas é e será assim pra todos. Olha as minhas mãos! Elas não são mais as mesmas de pouco tempo atrás!
Depois de uns instantes a mais de afago, despedi e peguei a estrada - grande parte da viagem sozinha. Vó tá tão diferente daquela vó da minha infância, tão distante daquela que ainda consigo recordar nas profundezas da minha memória. Fiquei pensando naqueles seus olhos de hoje, naquela mão, no rosto dela que não é mais o mesmo. Muito modificado. Mas não eram as rugas que me impressionavam. Não eram as marcas do tempo, chegadas nessa tão assustadora velhice, já nos seus 83 anos.
Mas a leveza daquele rosto marcado. Mas ela ainda não se deu conta disso. Ela não é mais de aço; é cansável e humana. Limitada como tudo que existe na terra. Eu vi hoje uma vó de voz baixinha feito sinfonia que acalanta, de olhar carinhoso e querido, feito brisa que acalma. Mas que necessita do meu olhar. Os olhos lacrimejando não me saiam do pensamento - ah, esse olhar! Estavam tantas coisas escritas! Era um discurso revelando que ela fez tudo o que tinha de fazer e o que importa agora, não está na força - isso é coisa ausente; não esta na braveza - isso é coisa sem sentido.
A vida, através do tempo, lhe acalmou a alma. O tempo da colheita chegou. Uma colheita daquilo que não se apalpa. Daquilo que aquele olhar provocou na minha alma inquieta...inundada de amor e gratidão, e admiração, e respeito e orgulho que serão eternos.
Vi na minha vó hoje, a mulher feita de flores que se valeu por tantos anos atrás, das forças de aço para sobreviver.
Vó, a senhora agora é flor! Sensível, frágil, delicada! Deixe-nos te amar apenas. Não tenha pressa, nem tenha raiva do tempo. Ele quem nos dá você a cada dia de presente!
Obrigada por estar linda e viva! Porque o cheiro dos seus olhos lindos permanece o mesmo. Eu te amo. Quero falar eu te amo assim como todos os dias falo bom dia a toda gente que conheço e que desconheço por aí! Eu te amo, vó!
Tudo muito quente.
Computadores,
Notebooks,
Tablets,
Aquecimento total!
Baterias já não seguram carga,
mAh cada vez mais altas,
E a Poesia...
Ah, a Poesia!
Silenciosamente se esfria...
Hora do almoço?
A comida se esfria...
Não existe mais a hora.
Não tem mais brasa no fogão...
Apagou!
O microondas socorre!
Socorro!
Tanta coisa quente e tão vazia!
Tanta coisa fria!
Coração, comida, casa, companhia!
Se isso enche!??
Talvez quem sabe,
Um dia!
Dia incomum. Dia de acontecer viagem. E acontece na leveza das ausências de pressa, bem vagarosa. Estrada de asfalto afora. Menino dorme, acorda, conversa - mais interrogações, que fala! Observa calado - olhos gigantes e atentos - tudo o que se passa. Estrada não acaba. Paciência se esgota! "Quantos quilômetros ainda, mamãe?" Ciranda de sonos e interrogações sem fim. Estrada se estreita.
Primeira parada. Máscaras nas laterais das portas do carro. Não pode esquecer. Tá no rosto. Inibindo o sorriso - não a vontade de correr pelo parquinho, pular no pula-pula, aproveitar minuto de parada e fazer o que toda criança ama: brincar. Fotos pra cá, pra lá, café e....estrada novamente. Alguns metros percorridos, corpo ainda acomodando nos bancos, e... sem ao menos se ajeitar: "olha lá o Chaves!" - mãe exclama quase quando carro se adianta! E assim nasce encontro entre Poeta e Poesia. Foi ontem. O Chaves.
"Uma escultura gigante do Chaves, imortalizado pelo ator mexicano Roberto Gómez Bolaños, deu graça e cor a paisagem cinza da BR-381 em Governador Valadares, no Leste do Estado. Sentado sobre um caixote, com mãos no queixo e olhar voltado para o KM 159 da rodovia, o menino travesso pode ser reconhecido de longe" - assim diz texto de internet.
A criação foi em 2015, e o Poeta, por motivos vários, nunca conseguiu visitá-la.
Sem ansiedades. De longe, admirava escultura enquanto carro abastecia. Quase num ritual...olhava, pensava como seriam as fotos. E lá estava, sonho simples e demorado... tão perto!
Seguir também é ficar. E algo permaneceu alí, na escultura. Registro não só de imagens. Na certeza de que tempo muitas vezes é só decisão. De parar...ver e seguir. E pensamento não perdoa memórias - bailavam na cabeça, estrada afora, entre intervalo do sono de menino e de mãe também.
É saudade das moradas infantis carregadas de memória...de uma geração onde a poesia estava nos pés descalços e nas brincadeiras de rua, longe do imediatismo das tecnologias... onde criança era criança sem querer saber do mundo, pois mundo era a própria imaginação. Saudades infantis pra serem lembradas e partilhadas...
Que a infância não morra em nós. Pra que nossos pequenos possam ter a ternura da infância com sua leveza.
Gratidão, Chaves. Gratidão, Bolaños.
Gratidão Faisal Homaidam e Evandro Caetano.
Gratidão por não morrer no Poeta a criança que um dia foi.
À todas as crianças que são crianças e àqueles que decidem nunca deixar de ser!
Cristo,
Dê razão a meus versos.
Repita-os em minh’alma.
Escorre-os a meu coração.
Lapide a pedra do meu caráter
às margens de todo universo.
No âmago da minha consciência
Invada-me de sentido.
E às minhas metáforas
não haja condenação.
Que minhas ideias
não deixem a vida vagando.
Dê a minha reciprocidade
estilo de honra e canções Santas.
Desfaça o velho
e Faz-me renovo.
Desfaça meu ego
e prostra-me ante a Ti.
Faça-me um ser
irrepreensível na Tua Vontade.
©Tatiany Araújo