Taciana Valença
Adiante ao sereno veio a neblina
Pano de fundo p'ruma garoa constante e fina....
Adentra a noite atento à madrugada
Driblando o frio no espinhaço
Com o coração aquecido de lembranças
... Cães ladram rasgando o silêncio
Pensas em lobos uivando lamentos...
Saudade traduzida em lágrimas
Fundem-se aos pingos da chuva
Num quadro-disfarce acomodado
Como uma luva...
Palavras, sussurros, risos
Ecoam em teus ouvidos...
Cheiros, momentos e imagens
Compõem a noite viagem
Um vulto mulher parece delírio
Mas creia
São desejos que rondam
Em ondas de amor
E sombras de suspiros...
Homenagem ao teu dia
És alma que me foges a todo momento
Nas alegrias tão boba
Nas tristezas um só lamento
Insistir em ti
... É como jogar
Oferendas ao mar
Que engole cada palavra
Ou quem sabe
Carrega para as profundezas
Para a calma do desfrute
Ou mesmo devolve
Cuspindo à beira
Devolvendo indignada
Uma enxurrada de besteiras
Mas perdoa-me
Pelas faltas de acertos
Por esquecer palavras
Nos cantos dos becos
Por às vezes ser este oco
Como mato cortado por um louco
Tú que tanto és pra mim
Pelo que te sou tão pouco
Às vezes a gente
só quer se encolher
num canto do mundo,
descansar do plantio
e da colheita.
Porque tem dias
que você não está
pra ninguém.
Meu poema não tem soberba nem requinte.
Só vai a lugares que não precisam de convite.
Senta, pede uma bebida qualquer, conversa
com todo mundo.
Depois fica só, fim de festa,
olhando o fundo do copo e
pensando na besteira que é viver.
Não existem dias estragados ou perdidos. Mesmo de má vontade é sábio lembrar que tais dias fazem parte do decorrer dos episódios da vida. Mas há um rigor na ilusão da perfeição que termina por destruir o valor dos dias ditos "perdidos". Não há um dia sequer que não tenha que ter sido. Nenhum dia termina em vão. Por que tanto rigor nesse julgamento? Não há vexame na tristeza de um dia. É sim, louvável, a compreensão da beleza da imperfeição, visto que somos tão imperfeitos em nosso próprio caminhar. Reconhecer que a nossa biografia tem capítulos tristes e aceita-los como um bem para nossa própria evolução é dar um passo firme também. O pulsar é constante. Dias são de água, cerveja, cachaça, refrigerante, ou apenas de vinho e o velho livro da estante. Há quartas feiras lindas e coloridas, de raros momentos, como sextas penduradas em devaneios e pensamentos. São as divagações dos nossos personagens, inquietações da nossa passagem. E esse pequeno coque arrematado desleixadamente no alto da cabeça, faz parte desse momento, desse embarque sem malas, de jeito silencioso, em viagens únicas por um mundo fabuloso.
Das vontades...
Já quis rasgar o mar com braçadas rumo ao horizonte e nunca mais ter que vestir roupas.
E pensei, erroneamente, que essa vontade havia passado...
Taciana Valença
RECADO
E pensar que ainda não temos muito a comemorar, apenas a seguir e continuar na luta.
Será que, um dia, após tantos debates, tanta "evolução", a mulher conseguirá acabar com o preconceito, a desvalorização, a violência, o abuso sexual, a jornada interminável de responsabilidades sem o devido reconhecimento?
Onde estão os filhos paridos? Por que carregar o feminino como sub se em um ventre foi gerado, desenvolvido e, pelo mais sagrado dos atos, parido? O que é que há que no lugar de um endeusamento há a violência, o preconceito, o descaso pelo trabalho excessivo e tantas outras formas de desvalorização? O que é que há nesse mundo que algumas coisas não mudam? Por que a luta dobrada, a necessidade de uma rebeldia para se impor uma voz que naturalmente poderia ser ouvida e respeitada? Por que as mãos em sinal de pare quando poderiam estar unidas usando forças que se completam? Até quando?
Março, apenas um mês para lembrar que muita coisa ainda continua igual, talvez algumas piores. Mas para lembrar, também, que não desistiremos de lutar contra os que nos desvalorizam e oprimem. Somos sensíveis, fortes, objetivas e sonhadoras. Aliamos a luta a um sonho, esteja ele onde estiver, seja qual for a estratosfera. Enquanto houver discriminação, feminicídios, desvalorização, abuso e tantas outras formas de preconceito, estaremos lutando e atentas. O nosso forte é sentir, mas com os pés bem fincados no chão. Confiamos desconfiando, porque assim nos fizeram através do tempo. Somos as ditas rainhas do lar, mas escravas de uma sociedade machista e hipócrita. Mas enquanto houver vida estaremos atentas, umas às outras, lutando por um espaço que nos caberia sem lutas, mas o mundo é isso, feito de guerras, lutas e guerrilhas. Mês de março, dia 8 de março. Apenas um mês e um dia de alerta geral, mas estamos em vigília uma vida inteira, e isso é exaustivo e seria desnecessário, caso o ser humano fosse realmente humano e desenvolvido espiritualmente. Mas fica aqui um recado:
A GENTE NÃO CANSA!